terça-feira, 16 de março de 2010

Políticos mentirosos: a verdade da mentira!


Hannah Arendt dizia que a política é o lugar privilegiado da mentira, porque é considerada um utensílio necessário e legítimo para o político e para o homem de Estado. James Callaghan, primeiro-ministro britânico nos anos 70, dizia que a mentira dá à volta ao mundo enquanto a verdade ainda está a calçar as botas. A mentira política é um fenómeno complexo e leva-nos a uma reflexão (política) profunda, que sobressalta a República desde Platão até ao Nicolau Maquiavel com uma mesma questão: dever-se-á, para seu bem, esconder a verdade ao povo, enganá-lo com vista à sua salvação? (W. Krauss). Há até quem defenda que estamos perante uma novilíngua - em que a verdade é a mentira, para recuperar George Orwell.
Claro que o ser humano mente com quantos dentes tem na boca em variadíssimas circunstâncias e de várias formas: os pais omitem e mentem aos filhos; os maridos enganam as mulheres e vice-versa; os filhos escondem dos pais; o fisco engana-nos e nós mentimos ao fisco; os padres dogmatizam-nos e não nos respondem aos porquês; Deus desaparece nas horas mais impróprias; os ministros enganam o povo para o governarem, e o povo, para se livrar dos ministros, propaga boatos, calúnias, vitupérios, difamações, rumores, embustes e umas boas toneladas de mentira.
Quando se pensa em filiações, ou em militâncias activas, tem de se fazer um inventário das mentiras inventadas sobre o candidato. O julgamento do povo assenta, também, no carácter. Quem inventa uma mentira devia saber que esta tem perna curta e pode vir a ser uma armadilha. Os agentes políticos relacionam-se com os media através de formas de marketing mais ou menos orquestradas, procurando diminuir a sua vulnerabilidade à sua influência, de acordo com a posição que ocupam. Um (actual ou futuro) líder político pode dar-se ao luxo de ventilar uma (boa) mentira a quem possua a vontade e os meios de a difundir para enterrar um nado-morto que ele próprio cuida de envenenar. Mas mentir é um dos mais graves erros da vida pública. É um erro e uma falha ética grave. E contém consequências sérias que deviam ser ponderadas. Até os alvos das mais cruéis mentiras têm amigos e estes difícilmente perdoam. Mais tarde ou mais cedo vem à tona a verdade da mentira e pode o feitiço voltar-se contra o feiticeiro. O que um político mentiroso pretende com a mentira é infringir um golpe mortal às relações de confiança e de suposta lealdade instituídas entre alguém de bem e sobre o qual nada havendo de negativo a dizer mais não lhe resta que inventar e dar azo à mais impiedosa mentira. É o que acontece muitas vezes na mentira-política. A mentira é uma facada no que devia ser um pacto de honra. E que destrói a relação de cumplicidade entre quem nomeia e o nomeado, quem elege e o eleito. Nas relações políticas, sobretudo nos cargos de confiança, não existem circunstâncias excluidoras de responsabilidade, intervalos de sanidade mental, episódios de amnésia, interdições por prodigalidade. Os nomeados e os eleitos não têm nomeadores ou eleitores cativos e a continuidade em funções pressupõe uma relação estável de confiança. As relações criadas entre ambos estão, pois, sujeitas a vicissitudes (como as mentiras), e são, muitas vezes, influenciadas de forma determinante ou pelas "rádios-corredor" ou pelos media, consoante a importância dos cargos em causa, como o maior contra-poder, capaz de fabricar factos e opiniões de um dia para o outro e de converter a maior das mentiras na mais pura verdade. A confiança subjacente a uma relação de nomeação ou de eleição, públicas ou políticas, não está, as demais das vezes, de tal forma enraizada no íntimo das partes que permita a sobrevivência da relação, pelo que esta é colocada em risco de cada vez que um paladino da mentira sai a palco com uma arquitectada mentira, cujo alvo é o despacho ou o voto. E a confiança precária que é intrínseca à relação política pode ser seriamente abalada pelo impacto de uma (boa) mentira. Por isso uma (boa) mentira pode destruir uma carreira. Principalmente uma carreira política e/ou uma carreira pública. Quem propaga uma mentira está empenhado em tudo, excepto em comprovar a sua veracidade ou em ouvir a vítima, preocupa-se mais em aguardar o despacho de exoneração ou a demissão. A única coisa que verdadeiramente interessa a quem mente é destruir o merecimento que conduziu à nomeação ou à eleição. Quando um político-mentiroso (e há-os compulsivos). empreende uma campanha de desinformação inicia um processo de comunicação destrutiva - é uma “comunicação interessada” em destruir o trabalho de uma vida, ameaçando com a "culpa in contrahendo" quem nomeou ou quem elegeu. Quem elege começa a olhar de uma outra forma o candidato a lider, a procurar descobrir atitudes, gestos e comportamentos comprometedores que sufraguem a mentira ouvida. Porque teme que a verdade o cegue. E deixa que a mentira o cegue. Porque a mentira é popular e normalmente credível. Há, no fundo, o medo de mantendo a confiança inicial no nomeado ou no votado se vir a ser acusado de partilhar com ele o facto da mentira. Pelo que resistir à mentira exige coragem. E sabe-se que os políticos não passam por provas de iniciação que testem a sua coragem. Pelo contrário, o sucesso de se chegar ao topo de uma carreira pode depender da qualidade e do grau de covardia, de subserviência, de passividade ou de omissão. A racionalidade e a capacidade crítica nem sempre contam porque a nomeação nem sempre partiu exclusivamente da vontade de quem nomeou e porque o voto é essencialmente emocional: ambos assentam numa relação de confiança que fica posta em causa, equivocada. Mesmo que o titular do cargo público ou político seja reputado de competente ou apresente um projecto credível, o nomeador e o eleitor depositam a sua confiança em quem não os questiona nem intimida, mesmo que não exista tão reputada competência ou projecto tão credível. Os momentos que antecedem a nomeação ou a eleição dependem de movimentações e campanhas que funcionam como uma oficina de informações positivas. E os momentos que levam à queda dos escolhidos com informações ou com contra-informações negativas. Estas informações negativas lançam profundas dúvidas sobre o carácter, a honestidade, a coerência e/ou a competência do nomeado ou do eleito. Mas nada é mais grave nem provoca mais estragos que uma mentira, independentemente da sua sustentação em factos e/ou documentos irrefutáveis - ao acusado raramente é dado o direito de se defender - até porque não é possível provar que não se fez, que não se disse, que não se pensou- e é depois da queda que, na maior parte dos casos, se conhece a mentira. E no cenário de opereta actual, com net, blogs e twitters, qualquer candidato a um lugar público ou político que se preze deve ponderar, paulatinamente, com rigor, o seu passado, antes de começar a sua carreira. Porque nem será muito difícil pegar num episódio da sua vida, porventura mais mal contado e muito bem aproveitado, para fazer de uma verdade uma grande mentira.
Claro que o tempo tudo revela e descobre, mas a ofensa fica e nem todos temos a possibilidade de reequacionar prioridades e afectos, enveredar por novas opções, e começar de novo. Por isso um conselho aos potenciais alvos de políticos mentirosos: façam como sugere Richard Rorty: “Cuidem da liberdade, que a verdade cuidará de si mesma”.