segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Que televisão?


Ficamos mais ou menos pobres se a RTP passar para as mãos de estrangeiros? A questão foi posta ao Professor Marcelo Rebelo de Sousa, na TVI. Este clamou que tudo teria de passar pelo Tribunal Constitucional.
A pergunta é se "Pode uma empresa estrangeira ser concessionária do serviço público" e citou os exemplos da França e da Alemanha. No seu entender se fosse uma venda a questão da empresa estrangeira não se colocaria. Mas o mesmo não é verdade, disse, quando se fala em entregar um serviço público. Igualmente, e porque já se adivinha mais um exemplo de jobs for the boy, importa se a empresa responsável pela concessão do serviço público tiver a encabeça-la gente do PSD ou CDS, gente “do poder” instalado. Por muito claro que se tente que o processo seja, isso dará aos portugueses a convicção controlo partidário, senão mesmo da manipulação.
Diz o Prof que "em teoria", não viola a Constituição Portuguesa, mas que o presidente da República, Cavaco Silva, deve mandar o diploma que indica esta concessão para o Tribunal Constitucional.
A posição do constitucionalista Paulo Otero é mais extrema. Defende que o Estado está obrigado a manter a propriedade e a gestão de um canal de televisão para cumprir o que impõe a Constituição portuguesa. Não é a atribuição a privados da concessão da RTP 1 que é inconstitucional, mas o facto de o projeto implicar também a extinção da RTP 2. Referindo que a Constituição impõe a existência de, pelo menos, um canal público de televisão, Paulo Otero sublinhou que a obrigação não está apenas na titularidade. O artigo 38º número 5, da Lei Mãe confere ao Estado não apenas a obrigação de existir um serviço público de rádio e de televisão, mas que assegure a sua existência e funcionamento. Para tanto, deve ser o próprio Estado a ter um papel não só na titularidade de um serviço público de rádio e de televisão, mas também na gestão desse mesmo serviço público.
E lembra ainda que os canais internacionais da RTP -- RTP i e RTP África -- fazem parte da ideia de serviço público, devendo, por isso, ser mantidos.
Ainda que a Constituição não imponha a existência dos serviços internacionais diretamente, eles complementam a ideia de serviço público. Assim, o serviço público que está “subjacente não é apenas um serviço não é apenas de dimensão interna, mas também de defesa da língua, de defesa do património nacional que tenha essa dimensão internacional", concluiu.
Vou pela posição de Paulo Otero. Ao menos implicitamente está constitucionalmente “amparada” a ideia do serviço público de televisão. Estranha-se que tudo isto soe a esquema e a jogada. Algumas cabeças foram rolando no entretanto para se definirem posições e para definharem direitos. Algumas destas cabeças pagaram o preço da cobrança do seguro e de garantia de quem tem ambições de poder. Com certeza que ficaremos mais pobres! E mais (ainda!) sujeitos a manipulações e a desinformação! Mas, com certeza é isto mesmo que se quer! Haja abundância em terra de deserto. Abundância selectiva direitinha ao bolso de alguém. Fica-se triste!

domingo, 19 de agosto de 2012

até a barraca abana .... ou cai|


Não foi preciso um mês para que Pedro Passos Coelho, na Festa do Pontal, repensasse toda a sua estratégia – eu quero acreditar que o nosso Primeiro tem estratégia – e do que disse a 24 do mês passado: - "Se algum dia tiver de perder umas eleições em Portugal para salvar o País, como se diz, que se lixem as eleições.", ficou-se, a 22 dias depois, dia 14 de Agosto, por dizer: "Só estamos a um quarto do mandato e temos a ambição de renová-lo."
Não deve haver calo mais apetitoso que o do poder. É assim como um vírus perfumado. O santo padroeiro dos políticos, São Tomás More, precisava de se debruçar sobre esta nossa comunidade política até porque o desaparecimento dos documentos do processo submarinogate já é, de per si, um milagre. O único padroeiro que nos pode retirar deste estado de coisas é o santo (de)voto, mas parece que nem sempre lhe lançamos as suplicas certas. Aguarde-se o milagre do voto.
As ideias e propostas que Passos Coelho transmitiu aos portugueses não trazem novidades nem alternativas. O palavreado faria corar Tomás More, de tão desconexo e tremelado. Ficámos a conhecer as políticas da governação externa (da troika) e, destacadamente, da governação interna (do PSD/PP). Já sabíamos que a vida de milhões de portugueses é um inferno (desemprego, sobrendividamento, falências e insolvências, entregas de casas ao banco ….) ficámos com a certeza que não há luz ao fundo do túnel.
O Primeiro omitiu opinião sobre o enquadramento de Portugal na União Europeia (U.E.) e sobre a falta de política e a trapalhada que está a ser cometida nesse espaço; nada disse sobre o significado dos graves indicadores sobre o emprego e a economia, e não apresentou qualquer medida política nessas áreas vitais; refugiou-se na Constituição da República Portuguesa nomeando-a como obstáculo e fez graça com a "regra de ouro" para legitimar a falta de investimento; “anunciou aos portugueses mais austeridade, sem um mínimo de garantia de os violentos sacrifícios nos conduzirem a um futuro melhor.” (como diz o Carvalho da Silva num texto que me serviu de inspiração).
Já ninguém tem dúvidas que a dívida continuará a aumentar. Que os “nossos” juros e compromissos  conduzem inevitavelmente para um buraco que ora alarga ora aumenta, e que economia enfraquece. Queda da produção industrial de 4,4%. Exportações a desacelerar. Crescimento da exportação de ouro! Pudera! Mil lojecas por tudo quanto é rua (ou mais  beco). Estranha forma de aplicar o provérbio “vão-se os anéis ficam-se os dedos”.
Destruição de emprego: mais 205 mil pessoas. 827 000 desempregados. Cerca de 1,3 milhões de desempregados e subempregados?
Onde está a boa nova para a juventude? E lá fica a “geração canguru”, alguns já nos 30, em casa dos pais, muitos já de volta “para o seu aconchego”!
Cerca de 70% dos alunos universitários pensam emigrar, surgindo um novo movimento de emigrantes encabeçado pelos estudantes de engenharia, de tecnologias e de arquitetura. Não esqueçamos que isso provocará uma recessão no conhecimento e, por consequência, uma degradação do saber a médio prazo, com a qualificação a ressentir-se.
E nem se comenta a afirmação de que “vai haver crescimento económico num quadro de acentuada quebra salarial, de inexistência de investimento, de privatizações oportunistas, de destruição de empresas, de reformismo retrógrado no ensino e na saúde, de aumento dos combustíveis e das rendas de casa.” (Carvalho da Silva)
A distância do discurso do PM só mostra que as eleições contam ainda mais que tudo. Que entrámos numa teatralidade cujo enredo e the end está à vista de tão polida e trabalhada que está.
Acompanho os que opinam que melhor seria não ter existido Pontal este ano. Sentimo-nos defraudados. O discurso não colou. Percebemos que estamos mergulhados num mundo de alienação política em que nada se vê de concreto. Nada é solucionável, mas tudo é solúvel.
Em vez de começarem já a montar campanha eleitoral vejam lá s descobrem uns ferrinhos para ir segurando isto, é que “a barraca abana” e, por ventura, “cai”!

Portugueses no Holocausto - vista por Esther Mucznik


Portugueses no Holocausto, de Esther Mucznik, sonda a posição de Portugal na Segunda Guerra Mundial e a sua política em relação aos refugiados judaicos. Uma obra que toca numa falha da identidade europeia.
O título Portugueses no Holocausto poderá contradizer uma certa memória popular da nossa História. Portugal atravessou a Segunda Guerra Mundial protegido por uma neutralidade estrategicamente delineada por António de Oliveira Salazar. O país "salvou-se" da guerra, e Lisboa tornou-se um palco de passagem para quem fugia dela. Mas o tempo veio revelar outra verdade histórica, e a neutralidade portuguesa, como de outras nações, teve afinal graves custos humanos que redundaram na tragédia montada passo a passo pela Alemanha nazi: a Solução Final, plano de matança da população judaica europeia em campos de concentração.

Esther Mucznik, vice-presidente da Comunidade Israelita de Lisboa e estudiosa das questões judaicas, clarifica com este livro várias facetas da guerra: a realidade da Lisboa neutral, a política do país entre dois campos em confronto, e o destino dos judeus europeus que Portugal recebeu e dos que não quis acolher. 
Ao Ípsilon, a autora explica as origens da sua própria chegada a Portugal: "A nossa comunidade é fundada por judeus sefarditas [oriundos da Península Ibérica], mas, na realidade, começam a chegar pessoas entre o final do século XIX e o início do século XX, como os meus pais, que fogem do anti-semitismo na Polónia, na Ucrânia ou na Rússia." Com a chegada de Hitler ao poder, na Alemanha, em 1933, a perseguição dos judeus europeus começa a ganhar contornos insustentáveis. "Os refugiados de Hitler começam a vir logo em 1933 e a Comunidade Israelita de Lisboa cria a COMASSIS, a comissão de assistência aos refugiados." Outras associações ajudam os que conseguem passar as várias fronteiras para chegar a Portugal, que entretanto abrevia os vistos de estadia de "emigrantes judeus" para 30 dias e apenas sob apresentação de um visto de entrada noutro país e do respectivo bilhete de embarque. Nos EUA, o Emergency Rescue Committee, fundado em Nova Iorque, tenta obter os documentos necessários para facilitar o exílio de uma certa elite (artistas como Marc Chagall, Max Ernst ou Béla Bartók passaram por Portugal em trânsito para a América), mas a maioria dos refugiados vê-se a braços com a angústia do mercado negro, da repatriação ou de uma possível invasão nazi à Península Ibérica. 

"Com o início da guerra, os judeus vão para França com a esperança de que esta iria opor-se à ocupação alemã. Com a queda de França, é o descalabro", diz Mucznik. Os que chegam a Portugal "estavam angustiados, tinham medo de que a Península fosse ocupada." "Viviam com uma dor intensa, nomeadamente os judeus alemães, porque eram profundamente ligados à cultura alemã e tinham a sensação de deixar a Europa para sempre", continua.

Apesar das restrições, são criadas "zonas de residência de fixa" e de circulação limitada nos arredores de Lisboa e no centro do país, para acolher refugiados. "Muitos começam a vir pela mão de Aristides de Sousa Mendes, que passa vistos num número que nunca conheceremos exactamente. Alguns vistos estão registados no Consulado, outros distribuiu-os em papéis onde escrevia ‘visto' e punha um carimbo. Outras pessoas vêm clandestinamente, e, face a esta situação, é a própria polícia política que tem a ideia de as concentrar." No entanto, o espírito encontrado no seio da população portuguesa, segundo os sobreviventes, é de compaixão e ajuda. "Havia anti-semitas no Governo e na polícia política, mas a ideologia dominante do regime não era essencialmente anti-semita. Naquela época, era pior ser comunista do que ser judeu em Portugal", argumenta a autora. Contudo, a posição do cônsul português em Bordéus constituía uma desobediência frontal às ordens do regime. "Ninguém foi tão punido como Aristides de Sousa Mendes, que chega a Portugal e é um homem completamente só - isso é revoltante. Nem a Igreja Católica [fez algo] nem o campo anti-fascista, porque, para este, tratava-se de um homem do regime." 



Os portugueses que Portugal não quis

Perante a ameaça nazi, os judeus europeus de origem portuguesa, descendentes de famílias sefarditas perseguidas pela Inquisição (criada, em Portugal, no século XVI), viram-se para o seu país de berço numa tentativa de salvarem a vida. Muitos deles têm nomes portugueses e celebram a sua vida religiosa ainda na língua portuguesa. "A comunidade de Amesterdão do século XVII é uma comunidade poderosíssima, não só em termos económicos mas também intelectuais e religiosos. Isso vai manter-se até à Segunda Guerra Mundial", explica a autora. É uma comunidade destinada à extinção: quase todos os quatro mil judeus de origem portuguesa em Amesterdão são assassinados. "Em Salónica, isso não existia, mas ficou a língua, o ladino". Também aí, a extinção. apenas cinco por cento da população judaica de Salónica escapa à deportação. Nos bastidores desse trágico desfecho esteve a passividade de Salazar.

É em 1942 que se iniciam as deportações em massa para os campos de concentração. O Terceiro Reich comunica então aos países neutrais a oportunidade de repatriarem os judeus que são seus cidadãos nacionais. Mas Salazar recusa estender a nacionalidade portuguesa aos judeus europeus de origem portuguesa mesmo perante esta janela de sobrevivência que então se abriu: "Antes de tomar uma decisão, Salazar pede ao cônsul para perguntar [o que fazer] aos alemães; estes respondem que se [os cidadãos em causa] não tiverem nacionalidade portuguesa não podem sair. Salazar acata sem fazer pressão nenhuma, nem para documentos transitórios como os que foram dados aos húngaros para ficarem sob protecção na embaixada", sublinha a autora, aludindo à acção do embaixador Sampaio Garrido, que aluga uma propriedade nos arredores de Budapeste para albergar refugiados sem conhecimento do regime, situação tolerada numa altura em que a guerra se aproxima do fim.

Como explicar a atitude de Salazar? "É uma estratégia política muito definida: a neutralidade a todo o custo, [para] enriquecer Portugal [mantendo a Alemanha e a Inglaterra como parceiros comerciais], e, ao mesmo tempo, salvar o regime. É por isso que [a atitude] muda quando a guerra está perdida [para os alemães], mas não radicalmente. Hitler morre e Salazar põe a bandeira a meia-haste, mas, ao mesmo tempo, vai à missa pela alma de Roosevelt." No fundo, considera, o ditador português "não queria desagradar aos alemães, pois receava que a Alemanha invadisse a Península Ibérica." 

Mas essa neutralidade obstinada revela também sinais do imperturbável isolamento que caracterizaria a vida do regime mesmo nas décadas seguintes. "Salazar não podia fechar as portas completamente, mas tentou-o o mais possível para evitar o contágio dos costumes e das ideologias dos refugiados." Para Mucznik, "Salazar tinha uma mentalidade de guerra-fria avant la lettre: não queria uma derrota total da Alemanha porque partilhava com Hitler um inimigo principal, o bolchevismo." E, perante a tragédia que grassava na Europa, revelou um traço de carácter: "Uma total indiferença ao sofrimento dos judeus, o que não existia nos diplomatas que estavam no meio da catástrofe". Essa indiferença só se desfaz quando se avizinha a derrota alemã. Aí, "Salazar salvou pessoas que tinham a nacionalidade [portuguesa] do tempo da República e que a foram revalidando": cerca de 200 pessoas originalmente de Salónica que tinham estado em França entre 1943 e 1944. 

Uma tragédia europeia

Mas a intransigência política de Salazar, apesar dos apelos dos diplomatas que o vão informado regularmente, não se encontra isolada no continente europeu. A Segunda Guerra Mundial terminou sem que fosse tomada uma decisão política ou militar relativa à destruição dos campos de morte montados pela Alemanha nazi. Tal como antes nenhum país europeu se mostrou disponível para abrir as suas fronteiras a um crescente número de refugiados judeus. "Em 1938, na Conferência de Evian, ninguém quis saber o que é que acontecia aos judeus alemães que estavam desesperados para sair," diz Mucznik. Para a autora, "Portugal não fica pior no retrato do que os outros países". Tal também se deve a outro factor essencial: o Holocausto desenvolveu-se progressivamente na Europa sem que o continente soubesse, até aos últimos instantes, o destino terrível que esperavam, de facto, milhões de pessoas. "Na altura, as pessoas não tinham a noção do que estava a acontecer", argumenta a autora. "Nunca mais me esqueço do que uma sobrevivente me disse: ‘Esperávamos o pior, mas não o impossível'. É aquilo a que os historiadores chamam ‘a barreira da lógica' - uma barreira na nossa mente sobre aquilo que pode acontecer. Quanto mais se investiga sobre o Holocausto, menos se percebe." 

Algo que choca em qualquer investigação sobre o Holocausto é a percepção que se ganha da progressiva e paciente máquina de exterminação montada pelo regime nazi: tudo começa com uma feroz propaganda anti-semita, evoluindo para a exclusão social, política e económica dentro das cidades (com a posterior construção de guetos), e, depois, para a deportação final com destino a um assassínio em massa nas câmaras de gás. "Os historiadores dividem-se entre aqueles que acham que a ideia do extermínio estava colocada desde o início e os que pensam que há uma causalidade terrível. Julgo que foi isso que aconteceu, e há toda uma experimentação [sobre esta teoria]", afirma Mucznik. "Mas o que é real é que o Holocausto aconteceu não apesar da cultura mas utilizando os meios dessa cultura de um ponto de vista tecnológico e científico." Ou seja, uma máquina de morte construída por uma das culturas mais fortes do Ocidente, alicerçada na estrutura e na linguagem camuflada de uma fortíssima burocracia (em nenhuns dos documentos oficiais nazis se vislumbra uma referência directa ao que aconteceu realmente).

Mas a eficiência da matança não se deve apenas à máquina nazi - esta encontrou a colaboração e a cumplicidade de várias nações europeias. "Há países onde o anti-semitismo era grande, como em França, onde o caso Dreyfus é um exemplo disso. Foi o único país com um projecto próprio feito pela polícia francesa." O novo presidente francês, François Hollande, assumiu as responsabilidades francesas no Holocausto a 22 de Julho deste ano, no 70.º aniversário da rusga do Vélodrome d'Hiver, onde 12.884 pessoas foram capturadas. "A Leste, a realidade é mais complicada porque existem duas ditaduras. A ditadura soviética é mais recente, longa e atroz do que o nazismo. A população global, e não apenas os judeus, sofreu mais com o comunismo."



Aprender com a História

A sensação de que a maior tragédia do século XX europeu passou ao lado do continente - e de que todas as nações europeias foram afinal tocadas por ela, incluindo Portugal - deixou feridas profundas que deram lugar a um silêncio. "Muitas pessoas não quiseram falar, mas falei com um caso raríssimo: Shlomo Venezia, um sobrevivente dos Sonderkommando [unidades de prisioneiros judeus, nos campos de concentração, que lidavam com os restos mortais das vítimas das câmaras de gás]. Guardou um silêncio de 40 anos em relação à sua família, disse-me que tinha de reconstruir a sua vida e que optou por não falar, mas tornava-se cada vez mais tarde." Para Esther Mucznik, "havia outra razão para o silêncio: ninguém queria ouvir": "Primo Levi, que escreveu logo Se Isto é um Homem, não foi publicado pela sua editora de esquerda durante anos [a publicação só teria lugar em 1957]. Raul Hilberg voltou à Alemanha para a libertação dos campos e resolveu fazer toda a sua pesquisa sobre isso. Mas apenas o fez numa editora pequena e passados vários anos [The Destruction of the European Jews, 1961]." 

Mas se o tempo tarda em sarar as feridas, cuidar da memória de forma construtiva é uma necessidade imperiosa para defender uma identidade europeia em paz, sobretudo perante a ascensão persistente de ideias radicais em governos democráticos e partidos europeus. Segundo Mucznik, "as sociedades continuam à procura de bodes expiatórios e há também saudades do nacionalismo: a Hungria ou a Polónia são países que foram ocupados e desmembrados por vários outros, o seu nacionalismo é muito forte". E "o nacionalismo ferrenho de extrema-direita" hostiliza não apenas os judeus mas "tudo o que não é tipicamente" local. Uma atitude que constitui o primeiro passo do perigo universal da banalização. "Não reflectimos sobre isso nem tirámos as lições, e a prova é que as coisas vão-se repetindo pela indiferença das nações. A saturação [do estudo do Holocausto] é directamente proporcional à ignorância. O Holocausto é património da Europa e temos de conviver com isso, não é apenas um problema entre judeus e alemães. Devíamos tentar aprender com a História: é quase impossível, mas temos essa obrigação."

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Cuidar dos nossos!


É tenebroso, mas não se pode virar a cara para o lado, face ao facto de a Associação Portuguesa de Apoio à Vitima (APAV) ter recebido, em média, 19 denúncias de violência doméstica por dia. Segundo o relatório estatístico da APAV, 76.582  pessoas recorreram aos serviços daquela instituição entre 2000 e 2011. As vítimas são, muitas vezes, alvo de vários crimes em simultâneo e,  por isso, a APAV registou, nos últimos onze anos, 172 mil crimes de violência  doméstica, sendo os mais usuais os maus tratos psíquicos (cerca de 50 mil),  maus tratos físicos (46 mil) e ameaças e coação (mais de 33 mil).  Os casos de abuso sexual e violação representam mais de três mil crimes.     As vítimas são habitualmente mulheres (em 2002, representaram nove em cada dez casos), na faixa etária entre os 26 e os 45 anos, e os agressores costumam ser homens adultos - um em cada quatro tem entre 26 e 45 anos de  idade -- e, em mais de metade das situações, são companheiros das vítimas. Entre 2000 e 2011, a APAV recebeu 656 denúncias relacionadas com bebés  até aos três anos, 586 casos de violência contra crianças entre os quatro  e os cinco anos e 1551 entre os seis e os dez anos. 
Porque se maltrata alguém? Nalguns dos casos, por hábito provindo daquele consentimento aceite pela sociedade. Alguém – todos – devíamos explicar que por ser culturalmente aceito não deixa de ser legal e imoral. As coisas têm de mudar. Educar e estabelecer limites não assenta no medo mas no respeito. Nunca pode assentar num castigo físico. Os filhos aprendem a solução de conflitos pela força - e tenderão a reproduzir esse modelo não só junto às suas famílias, mas em todas as relações interpessoais, na rua ou no trabalho.
Mas como toda a moeda tem a outra face, mais de três mil pais foram mal tratados pelos filhos. Mais de três mil pais foram vítimas, nos últimos oito anos, de maus tratos infligidos pelos próprios filhos, tendo recorrido à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), que viu duplicar o número de casos entre 2004 e 2011. Entre 2004 e 2011, a APAV registou 3.380 processos de país vítimas de crimes de violência doméstica por parte dos filhos em ambiente doméstico. Em 2004, a associação recebeu 299 pedidos de ajuda que foram sempre aumentando ao longo dos anos até atingirem no ano passado os 591 casos.
No relatório estatístico agora divulgado, a APAV sublinha que nestes oito anos registou um aumento processual de 97,7%.
Por detrás de cada denúncia estava por vezes mais do que um crime. No total, a APAV registou 7.805 factos criminosos, sendo a maioria associada a maus tratos psíquicos (34%), físicos (29,1%) e ameaças e coação (19,3%).
As mães são as principais vítimas (59% dos casos) e os filhos rapazes os principais agressores (72% dos casos).
Quatro em cada dez casos dizem respeito a vítimas com mais de 65 anos, tendo um terço dos agressores entre 18 e 35 anos.
Violência gera violência! Uma sociedade mede-se pela forma como trata as suas crianças e os seus idosos. Estamos mal no retrato.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Sobre o livro Má Despesa Pública, de Bárbara Rosa e Rui Oliveira Marques.


Sobre o livro Má Despesa Pública, de Bárbara Rosa e Rui Oliveira Marques.
Aqui deixo algumas pedras de toque.
Os autores do livro Má Despesa Pública esclareceram e concluíram, nalguns casos, alguns aspectos sobre a incúria, a negligência e a má governação em Portugal. Primeiro, contam como esbarram com a indiferença e a inadimplência dos gestores da res publica. Opinam mesmo que, na raiz da corrupção, é ao nível autárquico e nas empresas do Estado que está instalado um sentimento de impunidade que é a mó da má gestão e da corrupção. Por exemplo, quanto pode uma moção de censura a uma junta de freguesia? Nada. As consequências são meramente politicas.
O objectivo da investigação dos autores foi o de “despertar consciência cívica, fomentar o escrutínio, pois o escrutínio leva à responsabilização”.
Aponta-se já para as autarquias como o ponto nefrálgico, mas o sector empresarial do Estado é o mais problemático. Há uma constatação técnica da falta de recursos humanos e de competências técnicas do Tribunal de Contas para intervir, fiscalizando, ao nível do sector empresarial do Estado.
É nos ajustes directos que se escondem os piores exemplos? Consideram os autores que sim. Que o recurso frequente ao ajuste directo obsta à transparência. “O Tribunal de Contas analisou o sector empresarial do Estado em 2007, um relatório só especificamente sobre ajustes directos. Das 69 empresas públicas analisadas, no total, e só nesse ano, adjudicaram 102,7 milhões de euros de despesas, sendo que 70% das adjudicações foram feitas com recurso ao ajuste directo e só em menos de 2,7% dos casos foi consultado mais de um prestador de serviços. Isto espelha bem a forma de actuação do sector empresarial do Estado, quer violando regras e princípios como o da concorrência, quer ao nível da transparência e da relação custo-benefício. O problema do ajuste directo é que nunca sabemos – só podemos imaginar – se não seria possível fazer o mesmo por um preço muito mais baixo. Não sabemos, porque não há esse termo de comparação. O Estado não zela pelo interesse público quando recorre amiúde a este tipo de contratos.”[1]
Parece-vos que há um problema de impunidade? “O que permite que isto aconteça há décadas é a impunidade. E só é assim, por falta de vontade. A gestão danosa está contemplada no código penal e não é assim tão subjectiva como se sugere. Basta pegar nos relatórios do TC. E evidente que há gestão danosa nas obras públicas. E há falta de cultura cívica na sociedade portuguesa. O cidadão vai votar, quando vai, e acha que termina ali a obrigação. Nas escolas, ou noutros espaços públicos, não c fomentado o discurso cívico e é claro que o poder público não quer transparência A administração pública quer viver como tem vivido durante muitos anos, no secretismo. Temos um quadro legal, que começa ao nível da Constituição portuguesa, que passa pelo código de procedimento administrativo, que rege a actuação dos entes públicos, de uma forma geral, e vai a uma lei específica, que é a lei de acesso aos documentos administrativos – lei que é violada todos os dias. Nesta matéria, nem precisamos de mais leis, necessitamos apenas que sejam cumpridas. Algumas leis são feitas para complicar. E quem é o legislador por excelência? A Assembleia da República. E vemos a leviandade com que muitas vezes são feitas as leis.”
O Tribunal de Contas é ignorado? “O Tribunal de Contas é muito ignorado neste país, seja pela sociedade civil seja pelos agentes públicos, inclusivamente pelo próprio Ministério Público, que é o detentor da acção penal e que poderia prestar muitas vezes outra atenção às conclusões da instituição. A única penalização que o TC pode aplicar, quando há gestão irresponsável, são coimas. Mas os visados nesta matéria, condenados por má gestão pública em exercício de cargos públicos, não pagam as coimas que lhes são aplicadas, em manifesto desrespeito pelo órgão de soberania.”
Há, pois que repensar o sistema de avaliação e de controlo dos gestores da coisa publica. Alargando o leque de competências do TC, elevando as coimas, localizar pontos de actuação de perigo. Em suma, esgotem-se as vias pedagógicas, que de nada têm servido, e reforcem-se as competências de penalização, sobretudo aumentando as acções punidas e as coimas aplicando.
É que, perdida a vergonha, só o “entrar no bolso” destes “tipos” funciona!
Uma década com competências em organismos de supervisão e controlo diz-me isso!


[1] Entrevista aos autores do livro Má Despesa Pública,  de Bárbara Rosa e Rui Oliveira Marques.