No século XVI, Nicolau Maquievel separou definitivamente a moral da política ao escrever O Príncipe, mas nem sempre o clássico princípio de que os fins justificam os meios poderá servir. Nessa contradição entre os fins públicos e os meios existe um problema de grau. O político deve ser fiel à sua visão do bem público, mas não pode ser radical nem em relação aos fins nem aos meios. Não pode crer-se com o monopólio da definição desse bem: o político democrático tem a sua visão do interesse comum, mas tem de respeitar a dos outros. E ainda que o uso de meios discutíveis se justifique em certas circunstâncias, é evidente que não podem ser quaisquer os meios utilizados. Até porque é preciso aqui ser razoável: alguns meios são absolutamente condenáveis e portanto injustificáveis.
Marques Mendes, ainda há pouco tempo, dedicou todo o seu discurso aos “cinco pecados capitais” que minam e fragilizam a qualidade da democracia em Portugal. "Acho que um político - autarca, deputado ou governante - acusado, pronunciado ou condenado por crimes especialmente graves - como corrupção, peculato ou fraude fiscal, por exemplo - está fortemente diminuído na sua autoridade, na sua credibilidade e nas condições para o exercício de um cargo político, comprometendo, assim, o prestígio da política e a imagem das instituições", declarou. Nestes casos, a lei devia "consagrar frontalmente uma inelegibilidade, ou seja, devia impedir que políticos nestas situações pudessem candidatar-se a eleições". O que "seria um acto da mais elementar decência política". "Como dizia Sá Carneiro, a política sem ética é uma vergonha. É isto também o que eu penso. Mais do que isso. Defender a ética na política foi o que eu próprio fiz. Recordo que em 2005 afastei alguns candidatos do meu partido a presidentes de Câmara, mesmo sabendo que perderia algumas autarquias", recordou, referindo-se às últimas eleições autárquicas, em que o PSD, sob a sua liderança, recusou a candidatura nas suas listas de Valentim Loureiro, em Gondomar, e de Isaltino Morais, em Oeiras, que respondiam perante a Justiça por crimes alegadamente praticados no exercício das funções autárquicas. Claro que Isaltino ripostou "Acho que a mesma investigação que me foi feita a mim deveria ser feita ao dr. Marques Mendes. E mais não digo." Mas devia dizer, porque se tem alguma coisa para dizer - e algo me diz que deve até ter muito - deve ser franco e participá-lo a quem de direito. Ou calar-se (vou mais para esta hipótese).
O poder nacional é mais apontado como um "campo minado" do que o poder local, provavelmente pela maior proximidade entre eleitores e eleitos e pelo maior conhecimento que se tem das vidas pessoais destes últimos. D. Manuel Pelino, entrevistado pela Renascença, "No Caminho das Dioceses", diz que “A concepção de liberdade e a falta de princípios seguros da ética levam a uma certa desorientação. Sempre houve casos de corrupção, simplesmente agora dá-se mais relevo e isso é bom, até para criar uma certa consciência crítica e alguma exigência para que as pessoas vivam com honestidade, com verdade e com respeito por aquilo que é de todos”. “Há muita gente na política que procura relevo pessoal. Mas penso que isso é mais ao nível nacional, porque ao nível local, eu admiro os autarcas, quer ao nível das Câmaras como das Juntas”, afirma D. Manuel Pelino, considerando que, ao nível local, “há mais exigência” na escolha, que é feita “com mais critério, pela dedicação que têm ao bem comum”.
Mas se o factor pessoa-território é determinante de algum maior pudor na governação local (se é que o é), seria bom que o poder nacional se lembrasse que uma das consequências da aldeia global foi o aumento da capacidade de intervir e até de investigar dos media, que vasculham a vida (ora no bom ora no maus sentido) dos titulares de cargos políticos, seja do poder central seja do poder local, e que os olhos do povo têm, por essa via e por outras - como a sustentação de um conceito de cidadania - à sua disposição recursos que lhes permitem conhecer, analisar e avaliar os seus actos de uma forma mais contundente.
De todo o modo, é bom que se diga que, em qualquer dos casos, os fins nem sempre justificam os meios.