Na campanha eleitoral, Barack Obama fazia sinais com a mão esquerda, comunicando com “outro público”. Um gesto a descodificar. Obama é um Prince Hall, irmão de Jessé Jackson, de Louis Farakhan, Scottie Pipen, Martin Luther King, Sammy Davis Jr., Louis Armstrong e W.E.B. Dubois. Obama acaba de ter mais uma vitória. A imagem frequente dos filmes policiais que mostram sem-abrigo no limite de sobrevivência sem protecção de regime de segurança social nem sistema de saúde que lhes valha pode vir a ser alterada com esta vitória. Quando, o ano passado, perante sindicalistas em Cincinatti, Ohio, no Dia do Trabalho, falou sobre o "seu" projecto para a reforma da saúde, incitando-os “A vossa voz pode mudar o mundo. A vossa voz pode fazer passar a reforma da saúde”.“Há uma altura para tomar decisões. Há uma altura para agir. Agora é a altura para agir e fazer as coisas”, muitos duvidaram. A Câmara dos Representantes acaba de aprovar, por 224 votos «sim» contra 206 «não», as regras de procedimento para o debate sobre a reforma da Saúde. Com a contagem a bater os 216 votos, Obama saudou com um forte aperto de mão o chefe de gabinete Rahm Emanuel e abraçou os seus colaboradores. Imaginam algo semelhante em Portugal?
O Jornal de Negócios comenta.
É a maior reforma social desde a criação da Segurança Social (1935) e do Medicare (1965). Antes da reforma, a cobertura era de 83% da população. O que significa que, quase 1 em cada 5 americanos, não tem acesso a seguro de saúde - 54 milhões de pessoas. Só os muito pobres e os idosos são cobertos por sistemas públicos de seguro (Medicaid e Medicare, respectivamente). Os restantes dependem de planos privados associados ao posto de trabalho. A classe média é fortemente penalizada: 60% das falências dos particulares são justificados com custos de saúde ($2,26 biliões/ano=+/-16% do PIB). Por habitante, gastam mais que qualquer outra economia desenvolvida e, ainda assim têm dos piores sistemas de saúde. São, entre as economias ricas, o país com maior taxa de mortalidade infantil e com menor esperança média de vida. Um sistema subfinanciado, com preços muito altos para os medicamentos e serviços médicos prestados contra impostos relativamente baixos. As seguradores dominam, mas podem restringir o acesso a pessoas doentes ou com um histórico clínico complicado ou exigir prémios muito elevados, por exemplo, por causa da gravidez. As empresas não possuem qualquer incentivo ou penalização por oferecerem seguros de saúde. Após a reforma, a cobertura será de 95% da população, com o alargamento do acesso pelos mais pobres a seguros de saúde (pelo sistema “Medicaid”) a 32 milhões de americanos e uma compensação às famílias médias-baixa (rendimento inferior a 88 mil dólares/ano). Um custo exponencial de 940 mil milhões em 10 anos até 2020, pago por poupanças com cortes e reajustes em programas federais (baixando os custos com o Medicare) e com o aumento das receitas fiscais. Na próxima década, novas taxas (num total de 108 mil milhões de dólares) vão cair sobre seguradoras, empresas fabricantes de medicamentos e dispositivos médicos. Um aumento dos impostos sobre o rendimento e sobre os seguros de saúde mais caros (incentivando os mais baratos) e sobre as empresas que não oferecem seguros de saúde: três das medidas centrais de financiamento adicional do sistema de Saúde, que permitirão um défice da Saúde em cerca de 130 mil milhões entre 2010/2019. Ênfase para o maior controlo público: com as seguradoras a estarem obrigadas a dar um seguro mesmo a pessoas com mau historial médico e limitadas nos valores dos prémios. As empresas que não ofereçam seguros de saúde aos funcionários sofrem uma penalização/taxa que financiará o sistema e que pode subir a 3.000 dólares por trabalhador. O mesmo para as pessoas que optem por ficar de fora. Em contrapartida, atribuir-se-ão benefícios às empresas que garantam assistência aos trabalhadores. Os republicanos lutaram até ao fim para que a proposta não passasse. Marsha Blackburn não lhe poupou ataques, afirmando que o projecto tornaria o país "dependente do Governo federal" e que era "a morte da liberdade". O democrata Allyson Schwartz respondeu: "Esta reforma da saúde é uma solução única para dar a todos um seguro de saúde". Confirmada a vitória, Obama disse "Esta noite superámos o peso da política, quando todos os especialistas afirmavam que isso não seria possível". "Provámos que continuamos a ser um povo capaz de grandes coisas". Um povo abençoado com um grande homem. Uma pedra(da) no charco na fria ambiência da sociedade norte-americana.