sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

É Preciso Resistir «como sempre fizemos« - artigo de Baptista Bastos, Jornal de Negócios


«Tudo correu pelo pior, no ano que vai embora. Estamos mais pequenos, mais pobres, mais desesperados e mais sem rumo. Endireitar o que estes senhores entortaram e amolgaram vai ser muito difícil. 
O ano aproxima-se do fim e as coisas, para os portugueses, vão de mal a pior. A máquina de propaganda do Governo é o que há de mais enganador, e aquilo que chamava a "alma" popular foi sovada e tende a tombar na indiferença. Já não se pode ver o primeiro-ministro pela constância com que não larga as televisões, em especial a SIC, que parece ter tirado a assinatura do rosto acabrunhado e das banalidades que soletra. Aliás, as televisões pouco ou nada explicam, não cumprindo a vocação e a missão para que se criaram: ir mais ao fundo das questões, através de debates e de comentários realmente originais e estudados. O dr. Passos, há dias, disse que os banqueiros foram os mais sacrificados de todos nós. A pouca vergonha tornou-se instrumental e o ludíbrio intelectual e moral um caso de polícia de costumes.
Tudo indica que vamos sofrer abalões, mas nenhum dos partidos de Esquerda desce ao fundo dos problemas. Helena Garrido, neste jornal, tem advertido, com a prudência que a caracteriza e a reserva que a distingue, as ameaças que pairam nos nossos mais próximos horizontes. Devo dizer que, com Nicolau Santos e Pedro Santos Guerreiro, é um dos três comentadores que ouço, leio e aprecio, porque não impinge gato por lebre, recusa as grandes tiradas gestuais, como as faz o triste Costa Pinto ou o impante Ricardo Costa, que parece ninguém conseguir calar. O comentário português é uma "mixurufada" de vaidade, de incompetência e de ignorância da história. À carência de verticalidade, excede a pesporrência e a fatuidade.
Não digo uma anormalidade quando refiro a pobreza do jornalismo actual. Semelhante à pobreza como ideologia que Passos Coelho nos impôs devido à sua própria fragilidade política e intelectual. Um Presidente, um Governo e um Parlamento, a tese de Sá Carneiro, revelou-se um dos grandes pesadelos da nossa história, por constituir uma anomalia estrutural que conduz, inevitavelmente, ao autoritarismo e a uma mascarada da democracia. Está à vista.
Tudo correu pelo pior, no ano que vai embora. Estamos mais pequenos, mais pobres, mais desesperados e mais sem rumo. Endireitar o que estes senhores entortaram e amolgaram vai ser muito difícil. E quando certos sectores da sociedade portuguesa começam a falar em coligações entre o PS e o PSD, alguma coisa de tenebroso está em marcha. Não podemos permitir que isso, ou algo de semelhante, aconteça. Mas é lamentável que agrupamentos da "extrema-esquerda", ou assim disfarçados, tenham manifestado intenções de aprovar tal decisão.
Tudo parece diluir-se numa amálgama de interesses cavilosos, e o que era a dignidade e o carácter está a esboroar-se. A imprensa portuguesa deixou de o ser para se transformar numa massa apócrifa dominada por grupos económicos, inclusive estrangeiros, com "gestores" portugueses que mais não são do que factótuns invertebrados. Nos conselhos de administração, são colocados homens de mão, com larga experiência de saneamentos e de obediência ao dinheiro, e quem der mais é que é o patrão. A sociedade portuguesa está a ser dominada por esta gente, alguma da qual com relações familiares a altas figuras do Estado. A volta que as estruturas têm de levar é mesmo de alto a baixo. Minada e armadilhada como está a sociedade, as vozes livres são cada vez mais raras. O medo transformou-se num instrumento ideológico. Temos de resistir e de nos aguentar. Já passámos por pior. Ou não?»

Pragas de Natal - Um Presidente de angústias


«Chega o Natal e, com ele, chegam algumas das pragas anuais. Todos os anos, por esta altura, Cavaco vem, com cara de Páscoa, desejar um feliz Natal aos portugueses.
Chega o Natal e, com ele, chegam algumas das pragas anuais. Todos os anos, por esta altura, Cavaco vem, com cara de Páscoa, desejar um feliz Natal aos portugueses.
Desta vez, Aníbal Cavaco apelou aos portugueses para que "tenham confiança no país". Ui! Foi assim com o BES e depois foi o que se viu. Portanto, é um: fujam para as montanhas. O que nos vale é que só falta uma mensagem de Natal de Cavaco, na pior das hipóteses.
Diz o PR: "desejamos a todos os Portugueses um Feliz Natal e um Ano de 2015 com saúde e mais prosperidade", - só mais um bocadinho, sem exageros, que não queremos que o mexilhão estranhe. Cavaco quer só mais um bocadinho de prosperidade, porque ele já está bem. "Queremos que a paz esteja com os homens não só agora. Queremos que o esforço de concórdia entre os Povos seja permanente. Queremos que a solidariedade e a partilha sejam mais fortes nesta época do ano, mas que permaneçam activas ao longo do tempo." São desejos de Miss na boca do marido de Maria Cavaco. Não faz sentido.
Este ano, Maria Cavaco Silva juntou-se ao PR no discurso, o que me faz comichão porque eu nunca votei Dona Maria. Mas também nunca votei Aníbal, por isso coço-me a dobrar.
A outra praga que, felizmente, este ano não apareceu com a habitual pujança é a colecção de presépios de Maria Cavaco Silva. A sua vasta colecção de presépios de diversas proveniências, como o Chile, Colômbia ou Tailândia. Diz que, quando, no ano passado, o Bispo de Bragança foi visitar a exposição terá dito: "impressionante, já não via tantos meninos nus deitados em palha desde que descobrimos a colecção de fotos do ex-vice-reitor do Seminário do Fundão".
Não há nada mais deprimente do que fazer colecção de presépios. Quer dizer, há. Ainda é mais deprimente fazer colecção de presépios e estar casada com o Aníbal. Aliás, provavelmente, a Maria só se meteu nisto, da colecção de presépios como desculpa para não ter tempo para o Aníbal - Maria, vê lá este discurso que eu escrevi sobre o estatuto dos Açores. - Agora não posso que tenho que ir ver se o musgo já cresceu.
Havia tanta coisa mais gira e útil para coleccionar. A Imelda Marcos tinha três mil pares de sapatos, era um exagero, mas ao menos tinham utilidade. A Maria tem para cima de mil e quinhentos pastores em cerâmica, barro e azulejo, que não dão para calçar. Há mais pastores nos presépios da Maria que na Península Ibérica. E a trabalheira que deve dar quando o Aníbal quer ir brincar com as vacas? Tem que espalhar aquilo tudo pelos jardins de Belém: parece a Suíça vista de cima.
Por outro lado, o Aníbal deve sofrer muito com esta panca da Maria. Já imaginaram o que é ter de embrulhar o equivalente à população da Madeira - ovelhas incluídas - com aqueles papéis brancos de celofane, para não se estragarem?! Tenho a certeza que já passou pela cabeça do Presidente tentar fazer a permuta daqueles 600 estábulos por mais uma casita na Coelha.
Bom Natal.»

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Enjoados do português, por Fernando Dacosta, Jornal I



«Enquanto a língua portuguesa se expande pelo mundo (já é a quinta mais falada), em Portugal encolhe. Pior: desvaloriza-se. Pior ainda: são os próprios portugueses a menosprezá-la. Enjoados dos seus elementos identitários, cada vez maior número deles debita línguas alheias – avassaladoramente o inglês. As avalanches de tecnocratas, economistas, políticos, intelectuais, gestores, comunicadores que nos submergem são os que, na snobeira de se dizerem “cidadãos do mundo”, mais o exibem.
Responsáveis a falar inglês em actos oficiais (internos) virou, com efeito, pretensiosíssimo e desrespeitosíssimo; não traduzir títulos de filmes, de peças de teatro, de livros, de programas televisivos, nem folhetos de instruções de electrodomésticos, de computadores é ultrajante – como ultrajante se revela a SATA ao emitir bilhetes electrónicos em inglês; a RTP ao transmitir, a seco, programas estrangeiros, caso da noite dos Óscares; como cantores ao ignoraram a sua língua, caso de várias bandas. Amália construiu a sua carreira em português; Pessoa fez o mesmo.
Escrever e falar bem era no passado exigência de estatuto cultural; hoje não passa de excrescência. O património mais valioso que possuímos está a ser grosseiramente vandalizado, como fazemos, aliás, com tudo o que podia dignificar-nos, engrandecer-nos. “O novo acordo ortográfico”, alerta a professora Maria do Carmo Vieira, “impede as pessoas de pensar.” Razão tinha José Craveirinha, que, em debate lusófono sobre a ameaça do inglês no seu país, ironizou: “Ora, quem está a ser colonizado por ele não somos nós, são os portugueses. Vejam as ementas dos restaurantes, as tabuletas públicas, os livros técnicos, as canções, etc., quase tudo em inglês. Tenhamos é orgulho na nossa língua!»

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

17 de Outubro - Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza - Ai Portugal, Portugal!



«A erradicação da pobreza deve ser a prioridade absoluta de qualquer política de desenvolvimento. A extrema pobreza é um impedimento ao pleno exercício dos direitos humanos, um obstáculo ao desenvolvimento e uma ameaça à paz. Milhões de pessoas ainda são vítimas da fome – 842 milhões de pessoas continuaram a sofrer de fome crónica entre 2011 e 2013. Como podemos pensar em construir paz duradoura e desenvolvimento sustentável nessas condições? Isso é um insulto à sociedade e à noção de dignidade humana e requer a nossa atenção integral. Um salto à frente é possível, soluções existem – começando com a educação, que abre as portas para a inclusão social, a capacitação e o emprego.» 17 de Outubro - Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, Directora Geral da UNESCO, Irina Bokova.

Hoje? Dia Mundial para a Erradicação da Pobreza?
Portugal - O 6.º da País da União Europeia com maiores desigualdades de rendimentos entre os mais ricos e os mais pobres.
Portugal - 29,3% da população infantil encontra-se em privação material desde o ano passado [privação material: quando um agregado familiar não tem acesso a 3 bens de uma lista de 9 bens essenciais].
Portugal - Os números indicam que o risco de pobreza das famílias com crianças dependentes se agravou.
Portugal - Agravou-se a taxa de intensidade de pobreza.
Portugal - Agravou-se a diferença entre Portugal e a média da União Europeia, relativamente ao risco de pobreza [que se mantém estável a Europa mas que, em Portugal, vai aumentando].
Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza? 
«Ai, Portugal, Portugal De que é que tu estás à espera? Tens um pé numa galera e outro no fundo do mar Ai, Portugal, Portugal Enquanto ficares à espera Ninguém te pode ajudar ...»

domingo, 12 de outubro de 2014

Malala Yousafzai de novo e sempre!


"Em 11 de Outubro de 2013, publiquei no PINN este texto dedicado a Malala, que, por estar pleno de actualidade, faz todo o sentido reeditar. Ao contrário do que então previa, apesar de lhe terem atribuído o prémio Sakharov, não lhe deram o Nobel da Paz. Mais vale tarde que nunca e deste ano não passou, felizmente. Como consta no texto, acredito que este prémio, pelo impacto que tem no mundo, mexa com as consciências dos islâmicos, particularmente dos mais radicais, e sirva de pedra de toque para se começar a inverter este espírito de radicalismo que tem vindo a crescer de há uns anos a esta parte. Quero acreditar que o nome de Malala ficará gravado na História, não por ser a laureada mais jovem a receber o Nobel da Paz, mas por ter contribuído para esse passo fundamental que leva ao apaziguar das relações do Islão com o resto do mundo, a bem do mundo. A morte leva à morte e com ela o ódio enraíza e alastra, semeando mais violência e morte. É absolutamente necessário fazer parar este ciclo vicioso de ódio que está instalado. Um Nobel muito bem entregue. Deixo-vos com o texto:
«Malala é a jovem paquistanesa que foi baleada por um talibã, apenas porque ela defendia, sem peias, que a educação é essencial. Entretanto foi socorrida, recuperou, exilou-se com a família em Londres e é hoje uma das mais importantes vozes, se não a mais importante, contra o fundamentalismo islâmico.
Conhecendo o seu passado, a sua lucidez naquela jovialidade chega a comover, como sucedeu quando discursou, no dia em que celebrou os seus dezasseis anos, em plena Assembleia Geral da ONU. «A educação primeiro» foi a sua frase que virou slogan e, por ela, ou pelo seu significado, ia morrendo quando mal começara a viver.
Malala surge num tempo em que o fosso se vai alargando entre os fundamentalistas islâmicos e o Ocidente. Sabe-se que a rapariga, pela visibilidade que tem, é hoje uma referência no seu país e, por arrastamento, não deixará de o ser entre os moderados do mundo islâmico. Foi agora galardoada com o Prémio Sakharov, atribuído pelo Parlamento Europeu a quem se revele na luta pelos direitos humanos. O seu prestígio aumentará, sem dúvida. Não ignoramos que é muito jovem, mas, ainda assim, se o Prémio Nobel da Paz lhe fosse entregue, como acreditamos que será, o seu nome e as suas palavras ecoariam por muito tempo, particularmente no mundo islâmico, fazendo com que a sua mensagem passasse com mais facilidade e, por força dela, os seguidores de Maomé vissem com outros olhos a violência que os seus mais extremistas têm semeado nos últimos anos, passando a condenar esses actos terroristas, reduzindo, progressivamente, a base de recrutamento da rede do mal, que não tem sido difícil alimentar.
A ser assim, talvez Malala protagonize o princípio de algo que no Ocidente ficou conhecido por movimento iluminista, que se foi cimentando entre finais do Séc. XVII e todo o século seguinte, culminando na Revolução Francesa, pondo fim aos excessos de uma Igreja Católica todo-poderosa, onde a violência contra o indivíduo também era imposta por «lei divina». A paz depende muito da capacidade de neutralização dos radicais islâmicos que podem agir em qualquer recanto do planeta, como já deram provas em demasia. Já sabemos que a reacção violenta que tem sido a resposta, só gera ódio e aumenta o caudal de fundamentalistas. Malala oferece-nos um óptimo trunfo. Que o mundo o saiba usar. Ela, por certo, regozijará.» - Carlos Ademar

"VAIDADE E ARROGÂNCIA - PROFANOS DE AVENTAL!!"


"VAIDADE E ARROGÂNCIA - PROFANOS DE AVENTAL!!
Nenhum ditador provocou ou vêm provocando tanto dano à Maçonaria quanto o maçom vaidoso, este sapador inveterado, este Cavalo de Tróia que a destrói por dentro, sem o emprego de armas, grilhões, ferros, calabouços e leis de exceção. Ele é indiscutivelmente o maior inimigo da Maçonaria, o mais nefasto dos impostores, o principal destruidor de lojas. Ele é pior do que todos os falsos maçons reunidos porque se iguala a eles em tudo o que não presta e raramente em alguma virtude.
Uma característica marcante que se nota neste tipo de maçom, logo ao primeiro contato, é a sua pose de justiceiro e a insistência com que apregoa virtudes e qualidades morais que não possui. Isso salta logo à vista de qualquer um que comece a comparar seus atos com as palavras que saem da sua boca. O que se vê amiúde é ele demonstrar na prática a negação completa daquilo que fala, sobretudo daquilo que difunde como qualidades exemplares do maçom aos Aprendizes e Companheiros, os quais não demora muito a decepcionar. Vaidoso ao extremo, para ele a Maçonaria não passa de uma vitrine que usa para se exibir, de um carro de luxo o qual sonha um dia pilotar. E, quando tem de fato este afã em mente, não se furta em utilizar os meios mais insidiosos para tentar alcançá-lo, a exemplo do que fazem nossos políticos corruptos.
Narcisismo em um dos extremos, e baixa auto-estima no outro, eis as duas principais características dos maçons vaidosos e arrogantes. No crisol da soberba em que vivem imersos, podemos separá-los em dois grupos distintos, porém idênticos na maioria dos pontos: os toscos ignorantes e os letrados pretensiosos.
A trajetória dos primeiros é assaz conhecida.
Por serem desprovidos do talento e dos atributos intelectuais necessários para conquistarem posição de destaque na sociedade, eles ingressam na Maçonaria em busca de títulos e galardões venais, de fácil obtenção, pensando com isso obter algum prestígio. Na vida profana, não conseguem ser nada além de meros serviçais, de mulas obedientes que cedem a todos os tipos de chantagem. Por isso, fazer parte de uma instituição de elite (isso mesmo, de elite!) como a Maçonaria produz neles a ilusão de serem importantes; ajuda a mitigar um pouco a dor crônica que os espinhos da incompetência e da mediocridade produzem em suas personalidades enfermas.
O segundo em quase tudo se equipara ao primeiro, porém com algumas notáveis exceções.
Capacitado e instruído, em geral ele é uma pessoa bem sucedida na vida. Sofre, porém, desse grave desvio de caráter conhecido pelo nome de “Narcisismo”, que o torna ainda pior do que o seu êmulo sem instrução. Ávido colecionador de medalhas, títulos altissonantes e metais reluzentes, este maçom é uma criatura pedante e intragável, que todos querem ver distante. No fundo ele também é um ser que se sente rejeitado; sua alma é um armário de caveiras e a sua mente um antro habitado por fantasmas imaginários. Julgando-se o centro do Universo, na Maçonaria ele obra para que todas as atenções fiquem voltadas para si, exigindo ser tratado com mais respeito do que os irmãos que atuam em áreas profissionais diferentes da dele. Pobre do irmão mais jovem e mais capacitado que cruzar o seu caminho, que ousar apontar-lhe uma falta, que se atrever a lançar-lhe no rosto uma imperfeição sua ou criticar o seu habitual pedantismo! O seu rancor se acenderá automaticamente e o que estiver ao seu alcance para reprimi-lo e intimidá-lo ele o fará, inclusive lançando mão da famosa frase, própria do selvagem chefe de bando: “Sabe com quem está falando!!!” Desse modo ele acaba externando outra vil qualidade, que caracteriza a personalidade de todo homem arrogante: a covardia.
O número de irmãos que detesta ou despreza este tipo de maçom é condizente com a quantidade de medalhas que ele acumula na gaveta ou usa no peito. Na vida profana seus amigos não são verdadeiros; são cúmplices, comparsas, associados e gente que dele se acerca na esperança de obter alguma vantagem. E nisso se insere a mulher com a qual vive fraudulentamente. Todos os que o rodeiam, inclusive ela, estão prontos a meter-lhe um merecido chute no traseiro tão logo os laços de interesse que os unem sejam desfeitos. O seu casamento é um teatro de falsidades e o seu lar um armazém de conflitos. Raramente familiares seus são vistos em nossas festas de confraternização. Quando aparecem, em geral contrariados, não conseguem esconder as marcas indeléveis de infelicidade que ele produz em seus rostos.
Em sua marcha incessante em busca de distinções sociais que supram a sua insaciável necessidade de auto-afirmação, é comum vermos este garimpeiro de metais de falso brilho farejando outras organizações de renome, tais como os clubes Lyons e Rotary, e gastando nessas corridas tempo e dinheiro que às vezes fazem falta em seu lar. A Maçonaria, que tem a função de melhorar o homem, a sociedade, o país, e a família, acaba assim se convertendo em uma fonte de problemas para os seus familiares; e ele, em uma fonte de problemas para a Maçonaria.
Um volume inteiro seria insuficiente para catalogar os males que este inimigo da paz e da harmonia pratica, este bacilo em forma humana que destrói nossa instituição por dentro, qual um cancro a roer-lhe as células, de modo que limitar-nos- emos a expor os mais comuns.
Incapaz de polir a Pedra Bruta que carrega chumbada no pescoço desde o dia em que nasceu, de aprimorar-se moral e intelectualmente, de lutar para subtrair-se das trevas da ignorância e dos vícios que corrompem o caráter; de assimilar conhecimentos maçônicos úteis, sadios e enobrecedores, para na qualidade de Mestre poder transmiti-los aos Aprendizes e Companheiros, o que faz o nosso personagem? Simplesmente coloca barreiras em seus caminhos, de modo a retardar-lhes o progresso! Ao invés de estudar a Maçonaria, para poder contribuir na formação dos Aprendizes e Companheiros, de que modo ele procede? Veda a discussão sobre assuntos com os quais deveria estar familiarizado, fomentando apenas comentários sobre as vulgaridades supérfluas do seu cotidiano! Ao invés de encorajar o talento dos mesmos, de ressaltar suas virtudes e estimular o seu desenvolvimento, o que faz ele? Procura conservá-los na ignorância de modo a escamotear a própria! Ao invés de defender e ressaltar a importância da liberdade de expressão e da diversidade de opiniões para a evolução da humanidade, como ele age? Censura arbitrariamente aqueles cujas idéias não estejam em harmonia ou sejam contrárias às suas! Ao invés de fomentar debates sobre temas de importância singular para o bem da loja em particular e da Maçonaria em geral, como age ele? Tenta impedir a sua realização por carecer de atributos intelectuais que o capacitem a participar deles! E, nos que raramente promove, como se comporta? Considera somente as opiniões daqueles que dizem “sim” e “sim senhor” aos seus raramente edificantes projetos!
Tal como o maçom supersticioso, este infeliz em cujo peito bate um coração cheio de inveja e rancor nutre ódio virulento e indissimulado pela liberdade de expressão, que constitui um dos mais sagrados esteios sobre os quais repousam as instituições democráticas do mundo civilizado, uma das bandeiras que a Maçonaria hasteou no passado sobre os cadáveres da intolerância, da escravidão e da arbitrariedade.
Dos atos indecentes mais comumente praticados por este falsário, o que mais repugna é vê-lo pregando “humildade” aos irmãos em loja, em particular aos Aprendizes e Companheiros, coberto da cabeça aos pés de fitões, jóias e penduricalhos inúteis, qual uma árvore de natal. Outro é vê-lo arrotando, em alto e bom som, ter “duzentos e tantos anos de Maçonaria” e exibindo o correspondente em estupidez e mediocridade. O terceiro é vê-lo trajando aventais, capas, insígnias, chapéus e colares, decorados com emblemas que lembram tudo, exceto os compromissos que ele assumiu quando ingressou em nossa sublime e veneranda instituição.
Cego, ignorante e vaidoso, nosso personagem não percebe o asco que provoca nas pessoas decentes que o rodeiam.
Como já foi dito, a Maçonaria serve apenas de vitrine para ele. Como não é possível permanecer sozinho dentro dela sem a incômoda presença de outros impostores –os quais não têm poder suficiente para enxotar–, ele luta ferozmente para afastar todo e qualquer novo intruso, imitando alguns animais inferiores aos humanos na escala zoológica, que fixam os limites de seus territórios com os odores de suas secreções e não toleram a presença de estranhos. Qualquer irmão que comece a brilhar ao lado desta criatura rasteira é considerado por ela inimigo. A luz e o progresso do seu semelhante o incomoda, fere o seu ego vaidoso. Por este motivo tenta obstaculizar o trabalho dos que querem atuar para o bem da loja; por isso recusa-se a transmitir conhecimentos maçônicos (quando os possui) aos Aprendizes e Companheiros, sobretudo aos de nível intelectual elevado, ou os ministra em doses pífias, para que futuramente não sejam tomados como exemplos e ofusquem ainda mais a sua mediocridade. Um maçom exemplar, íntegro, que cumpre rigorosamente os compromissos que assumiu quando ingressou em nossa Instituição, não raro converte-se em alvo de suas setas, pois seus olhos míopes não conseguem ver honestidade em ninguém; sua mente estragada o interpreta como potencial “concorrente”, que nutre interesses recônditos semelhantes aos seus.
O maçom arrogante mal conhece o significado de nossas belas e simples alegorias. Se as conhece, as despreza. Sua mente acha-se preocupada unicamente com o sucesso de suas empreitadas, em encontrar maneiras de estar permanentemente ao lado das pessoas cujos postos ambiciona. Fama e poder." - Maçonaria Feminina, Áurea Campopiano.'. [Eco e Narciso, de John William Waterhouse, 1903]

Do “conhece-te a ti mesmo” ao “torna-te o que tu és”: Nietzsche contra Sócrates em Ecce Homo.


A partir de uma passagem interessante da autobiografia do filósofo (Nietzsche), trabalharemos dois imperativos gregos, o “Conhece-te a ti mesmo”, do oráculo de Delfos, e o “Torna-te o que tu és”, do poeta Píndaro. Ambos, quando trabalhados a partir da língua grega, se revelam ipsis verbis, e abordam um aspecto muito caro do pensamento de Nietzsche, porque tratam do movimento, do vir a ser. Essa abordagem é tratada na perspectiva da rivalidade de Nietzsche com Sócrates.
Como compreender a máxima de Píndaro, o «Torna-te o que tu és.»? A frase, além de aparecer no subtítulo da obra em questão, aparece, no trecho mencionado, contraposta à outra máxima grega: a máxima de Delfos, atribuída ao oráculo da cidade de Delfos, mas também atribuída a Sócrates. Esta consciência da ignorância está expressa na frase de Sócrates “Só sei que nada sei” é o que permite aproximarmos a máxima do oráculo - o “conhece-te a ti mesmo”, à figura de Sócrates. Em vez de ignorar a própria ignorância, compraz-se em reconhecê-la. Daí a sua sabedoria.
A palavra grega para conhecimento é Gignosko. A máxima de Delfos assim diz: «Gnosi seautón». A primeira palavra é um verbo. O radical da palavra em questão é gen (ao formar a palavra gignosko, está também ligado a outra palavra: gignomai, vir a ser, tornar-se). Trata-se de uma extensa raiz de palavras, todas ligadas a geração, nascimento, origem, linhagem e família. 
A palavra grega gignosko está ligada ao vir a ser pelo radical gen. O sentido socrático para o conhecimento desliga-se desse vir-a-ser, gignomai. Se entendermos que o gen se refere a tudo que nasce e perece e devém no tempo, a postura socrática está alçada pela possibilidade que negue o tempo e, com isso, negue o vir-a-ser. O conhecimento para Sócrates é o conhecimento da imortalidade da alma: aquilo que é, ou seja, que não nasce nem perece. 
A palavra “tornar” está ligada, através do radical gen, a outro verbo, “conhecer”. 
O radical gen, por sua vez, diz-se de tudo aquilo que nasce e perece. A máxima “torna-te o que tu és” é atribuída a Píndaro (o poeta que cantou as Odes Píticas). O imperativo da sua sentença “torna-te aquilo que és” foi cantado em função das façanhas de um desportista vencedor. 
Então o que é que, além de uma palavra com semântica valiosa para os nossos pensamentos, a máxima de Píndaro nos pretende dizer? 
Terá tudo a ver com o acto heroico. Quem é o herói e como se constitui o acto heroico? 
A sentença: «Genói oíos essí matón», torna-te (faça-se) o que (qual) tu és, – eis aqui o radical gen que tanto nos diz. 
Fica agora mais clara a aproximação entre a sentença de Delfos e a de Píndaro. O verso de Píndaro é quase uma paráfrase do Oráculo. Se relacionarmos a segunda parte de ambas as frases, percebemos que há semelhanças entre o “quem tu és” e o “a ti mesmo”. O subtítulo de Ecce Homo diz o seguinte: «wie man wird was man ist», ou seja, “como alguém se torna o que [se] é”. 
A frase “torna-te o que tu és” não relega a noção de vir-a-ser com algo que nunca é, mas antes, de maneira paradoxal une o ser e o vir-a-ser. O conceito de amor fati é a tradução para essa relação do homem com o destino. Amar o destino nesse sentido não é meramente aceitar o destino, mas jogar com ele. Amar o destino não é querer ser amado, querer para si poder, domínio, força, mas jogar, agir, com o futuro, com o movimento deveniente. É “amar os desacertos da vida, os momentâneos desvios, e vias secundárias”. O devir é, por isso, identificado ao ser, e não separado dele. Essa compreensão aproxima-nos da figura de Heráclito, ao jogo da criança apresentado no fragmento DK 52: “Tempo é criança brincando, jogando; de criança o reinado”. 
Pensar o tempo foi a última e a mais difícil tarefa de Nietzsche. O homem joga com o tempo na medida em que se compreende nele. Jogar é tomar parte do tempo, é querer o tempo. Nas palavras de Ecce Homo, é a citação de Píndaro que sugere a aproximação entre o vir a ser do tornar-se e o que é. Tornar-se o que se é, é a fórmula de Nietzsche para uma filosofia que pensa o futuro no presente. A filosofia de Nietzsche move-se por isso numa compreensão cósmica, em que compete ao homem jogar. A obra especificamente genial sob esse aspecto é Zaratustra que faz referência para o que está por vir, num constante elogio ao movimento “para a frente”. “Não pode a vontade querer para trás; não pode partir o tempo e o desejo do tempo – é esta a mais solitária angústia da vontade” (ZA/ZA, II, “Da Redenção”). Há, contudo, que entender que esse “para a frente” do tempo não é pensado separadamente com a eternidade. Se "Assim falou Zaratustra" e as outras obras de Nietzsche são marcadas pela referência e elogio ao tempo que passa, não esqueçamos que Nietzsche é também um entusiasta do eterno. O eterno e o passageiro, o ser e o devir, o tornar-se e o que é, mostram que Nietzsche não vê o mundo como uma dicotomia irreconciliável, mas como uma produção incessante no tempo. Tempo esse que não depende do homem, mas cuja grandeza deste depende de se identificar àquele A ordem dos acontecimentos não é medida pelo mero possível, distinto do efetivo, nem pela conjectura. Todo o pensamento que joga com conjecturas interpreta o já acontecido como possível de ter sido evitado, logo ele pensa o futuro na mesma medida. 
A ponderação e a conjectura não são conteúdos do pensamento de Nietzsche, pois ele acredita que toda a existência humana ou não humana está situada numa irreversibilidade incalculável e inviolável, que, por vezes, ele denomina de "acaso". A palavra "acaso" denomina o que não tem causa, o que é sem causa. O problema é que Nietzsche apresenta uma compreensão da vida e da existência muito além de um mero acaso, sem cair nas garras da finalidade. Ele eleva a compreensão humana do todo ao patamar do necessário sem determinar o conteúdo ou a causa dessas finalidades, ou seja, sem o destituir da liberdade: “Quando vocês souberem que não há propósitos, saberão também que não há acaso: pois apenas em relação a um mundo de propósitos tem sentido a palavra ‘acaso’”. 
Talvez como nota conclusiva seja correta a afirmação de que filosoficamente, Nietzsche, assim como Sócrates, conduziu à aporia todos os saberes humanos. Vale também como afirmação certeira a de que o que se mantém na disposição cósmica da obra de Nietzsche permanece aquela mítica grega, em que as linhas do destino são traçadas e decididas para além da vontade dos homens ou dos próprios deuses. O que equivale a conferir aporia à compreensão humana.
[Do “conhece-te a ti mesmo” ao “torna-te o que tu és”: Nietzsche contra Sócrates em Ecce Homo, Revista Trágica: estudos sobre Nietzsche – 2º semestre de 2012 – Vol. 5 – nº 2]

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Ainda, a importância de dizer NÃO!



«Dizer Não

Diz NÃO à liberdade que te oferecem, se ela é só a liberdade dos que ta querem oferecer. Porque a liberdade que é tua não passa pelo decreto arbitrário dos outros.

Diz NÃO à ordem das ruas, se ela é só a ordem do terror. Porque ela tem de nascer de ti, da paz da tua consciência, e não há ordem mais perfeita do que a ordem dos cemitérios.

Diz NÃO à cultura com que queiram promover-te, se a cultura for apenas um prolongamento da polícia. Porque a cultura não tem que ver com a ordem policial mas com a inteira liberdade de ti, não é um modo de se descer mas de se subir, não é um luxo de «elitismo», mas um modo de seres humano em toda a tua plenitude.

Diz NÃO até ao pão com que pretendem alimentar-te, se tiveres de pagá-lo com a renúncia de ti mesmo. Porque não há uma só forma de to negarem negando-to, mas infligindo-te como preço a tua humilhação.

Diz NÃO à justiça com que queiram redimir-te, se ela é apenas um modo de se redimir o redentor. Porque ela não passa nunca por um código, antes de passar pela certeza do que tu sabes ser justo.

Diz NÃO à verdade que te pregam, se ela é a mentira com que te ilude o pregador. Porque a verdade tem a face do Sol e não há noite nenhuma que prevaleça enfim contra ela.

Diz NÃO à unidade que te impõem, se ela é apenas essa imposição. Porque a unidade é apenas a necessidade irreprimível de nos reconhecermos irmãos.

Diz NÃO a todo o partido que te queiram pregar, se ele é apenas a promoção de uma ordem de rebanho. Porque sermos todos irmãos não é ordenarmo-nos em gado sob o comando de um pastor.

Diz NÃO ao ódio e à violência com que te queiram legitimar uma luta fratricida. Porque a justiça há-de nascer de uma consciência iluminada para a verdade e o amor, e o que se semeia no ódio é ódio até ao fim e só dá frutos de sangue.

Diz NÃO mesmo à igualdade, se ela é apenas um modo de te nivelarem pelo mais baixo e não pelo mais alto que existe também em ti. Porque ser igual na miséria e em toda a espécie de degradação não é ser promovido a homem mas despromovido a animal.

E é do NÃO ao que te limita e degrada que tu hás-de construir o SIM da tua dignidade.» ~ Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'

terça-feira, 23 de setembro de 2014

«A Alemanha o País da prisão perpétua...» - A visão de José António Barreiros



Mais um artigo do José António Barreiros, no seu blog "Patologia Social" a merecer registo.

«A Alemanha o País da prisão perpétua...

Em causa a Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas (Resolução da Assembleia da República nº 8/93 de 20/04, publicada no DR n.º 92, Série I, de 20 Abril 1993), numa dupla vertente: a da conversão de uma pena prevista no ordenamento estrangeiro que o nosso não preveja; a prevalência do nosso sistema legal sobre o estrangeiro onde ocorreu a condenação no que se refere à execução da pena, nomeadamente no que se refere à liberdade condicional. Decidiu-o o Acórdão da Relação de Lisboa de 11.09.2014 [proferido no processo 364/13.6YRLSB-A.L1 -9, texto integral aqui]

Primeiro problema: «O arguido LT foi condenado, por decisão transitada em julgado, por tribunal estrangeiro em pena perpétua, pela prática de um crime de homicídio qualificado, por decisão proferida pelas autoridades alemãs, que só admitem a libertação do arguido, após 15 anos de cumprimento de pena». 

Isto é, estamos ante um Estado, o alemão, integrante da União Europeia, que admite a prisão dita perpétua, a qual pode dar azo à libertação quinze anos, porém, após o seu início, verificadas que sejam certas condições e que, se bem que na prática não gere a prisão por mais de vinte e dois anos, mantém aquela regra da perpetuidade tida como legítima.

Mais um Estado que prevê que o homicídio voluntário seja punido com prisão até cinco anos e em «casos especiais graves» [que não se definem quais sejam] com prisão perpétua, isto é uma variação de penas que mais não é do que o arbítrio concedido à discricionariedade punitiva. 

Para os que têm o germanofilismo jurídico como farol interpretativo do nosso próprio Direito e como critério face ao que é justo porque legal, é caso para pensar.

Assim se transcreve [ver aqui] o § 212 do Código Penal Alemão:

«1) Wer einen Menschen tötet, ohne Mörder zu sein, wird als Totschläger mit Freiheitsstrafe nicht unter fünf Jahren bestraft.

«(2) In besonders schweren Fällen ist auf lebenslange Freiheitsstrafe zu erkennen.»

Segundo problema: prevendo o nosso sistema jurídico condições de execução de pena, nomeadamente no que à liberdade condicional respeita, mais favoráveis do que as que estão previstas no ordenamento do País da condenação, qual deve prevalecer? O Acórdão em referência decidiu que será o português, antes de decorrido o tempo mínimo que a lei alemã previa.

E assim ficou consignado que, fazendo triunfar os nossos princípios jurídicos: 

«I - Tendo-se procedido a revisão de sentença penal estrangeira, no âmbito da qual o Tribunal da Relação converteu para a pena máxima permitida pelo ordenamento jurídico criminal português (25 anos de prisão) a pena de prisão perpétua que havia sido aplicada na Alemanha a cidadão português que aí havia cometido homicídio, e tendo, seguidamente, o condenado, que ali cumpria a pena, sido transferido para Portugal, a seu pedido, para aqui cumprir o remanescente desta, passa a ser a lei portuguesa que, para futuro, regerá todas as questões atinentes à execução da pena. II - Na liquidação de pena dever-se-á fixar a data em que o condenado atingirá o meio da pena, para efeitos de apreciação e eventual concessão da liberdade condicional nesse momento (artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal), o que no caso concreto ocorrerá decorridos 12 anos e 6 meses, ainda que atento o disposto no do § 57º do Código Penal alemão a libertação condicional de recluso em prisão perpétua pressuponha terem sido imprescindivelmente cumpridos 15 anos de prisão efetiva de encarceramento penitenciário.»

sábado, 20 de setembro de 2014

Uma espécie de Justiça de "pão e circo"!




Uma semana absolutamente surrealista para a Justiça, ou que (pouco ou nada) sobra dela!

Primeiro, o sucateiro Godinho leva um golpe de rins que sugerem que a sua visão possa ter a forma de quadradinhos por mais de uma década. Vara, à custa de robalos e alheiras, fica-se por um par de anos, mas em pena suspensa, com certeza, que as alas VIP dos estabelecimentos prisionais ainda não servem tais iguarias. Maria de Lurdes Rodrigues é apanhada por causa de uma coisita de nada, um ajuste directo com adjudicação para um trabalho que uns dizem que não chegou a ser feito e outros dizem que nem foi pago. Vara e Maria de Lurdes Rodrigues até podem nem ser farinha do mesmo saco, mas com agravantes para um e atenuantes para outro, a semana foi uma dor de cabeça. Contudo, parece-me que com Maria de Lurdes Rodrigues há aqui qualquer coisa que soa a caça às bruxas e é bom deixar aqui as palavras de Francisco Proença de Carvalho: «... Condenando ou absolvendo, é fundamental que o sistema de Justiça mantenha um percurso sereno e alheio aos circos mediáticos e ao contexto de crise que assola a sociedade portuguesa. A Justiça deve sempre tomar apenas e só em conta o caso concreto, os factos, as provas e o Direito. E deve evitar cair na tentação de entrar no campo da moral, da opinião e das sentenças "exemplares".» 

Saiu o novo livro do jornalista Gustavo Sampaio, “Os Facilitadores” – o mesmo que escreveu “Os Privilegiados” em que este dá conta de como se fazem os negócios mais poderosos do país nas sociedades de advogados? Parcerias Público-Privadas(PPP), contratos ‘swap', ajustes directos e sem concurso no Estado, privatizações de grandes empresas públicas, grandes concessões. Passa tudo pela mãozinha e pela cabecinha das grandes sociedades de advogados, representantes dos interesses dos maiores grupos económicos e financeiros. Todos os grandes negócios passam por estes influentes ex-políticos e políticos no activo em regime de acumulação, provando que os advogados das grandes sociedades são uma espécie de "vasos comunicantes, fornecedores de contactos, intermediários de relações, facilitadores de negócios, produtores de blindagem jurídica, depositários de informação sigilosa, gestores de influências, criadores de soluções" numa espécie híbrida de "lobbycracia". 

Segue-se uma fantochada em que o tribunal absolveu Oliveira e Costa e Dias Loureiro. Aleluia! A juíza - que deve ser pessoa atinada e de bom senso! - considerou o tribunal comum incompetente para apreciar a acção do BPN contra Oliveira e Costa, Dias Loureiro e outros ex-responsáveis do grupo, anuindo à argumentação da defesa de que a acção seria da competência dos tribunais do comércio (tese que já fora apresentada pela defesa dos réus, e absolveu na primeira instância Oliveira e Costa, Dias Loureiro e outros antigos responsáveis do Grupo BPN/SLN). O despacho da juíza da 11ª Vara Cível de Lisboa, é categórico: "julgo procedente a excepção da incompetência das varas cíveis em razão da matéria quanto aos pedidos de condenação dos RR [réus] a pagar à A [BPN] indemnização e, consequentemente, absolvo da instância os RR [réus].", "a acção da responsabilidade de membros da administração para com a sociedade é da competência dos tribunais do comércio." Estão em causa, segundo o despacho que separou os processos cíveis do criminal, um pedido de indemnização do BPN de 42 M€. A decisão diz respeito a 6 ex-responsáveis do Grupo BPN/SLN: Oliveira e Costa, ex--líder do BPN, Dias Loureiro, Luís Caprichoso e Francisco Sanches, ex-administradores da SLN e do BPN, SGPS, Jorge Jordão, ex-administrador da SLN, e António Franco, ex--administrador do BPN. O BPN já apresentou um recurso no Supremo Tribunal de Justiça. Entretanto, a juíza também recusou o pedido do BPN para que fosse declarada "a nulidade, por simulação, da separação de bens e de partilha" entre Oliveira e Costa e a mulher. salvando-o de pagar a indemnização pedida pelo BPN. Uma juiza com muito "juízo" pariu uma sentença (des)ajuizada! Que extraordinário espectáculo teatral! Uma trágico-comédia digna da falência do sistema judicial a que se assiste, do balcão às galerias! 

Segue-se, quer se queira quer não, o primeiro passo para a legalização do lobbying, com a conclusão do despacho de arquivamento do Departamento de Investigação e Acção Penal de Coimbra relativamente ao caso Tecnoforma que envolve Pedro Passos Coelho, Miguel Relvas e Paulo Pereira Coelho. No despacho, o procurador do DIAP de Coimbra refere que, feita a investigação, "não pode afastar-se" que os responsáveis da Tecnoforma "não tenham tido um acesso facilitado (ou próximo dos decisores políticos) a toda a informação para assegurar o sucesso da iniciativa" e que "através de processos ou termos não completamente esclarecidos, poderão ter influenciado" o estabelecimento das condições de um Protocolo celebrado entre as secretarias de Estado da Administração Local e a secretaria de Estado dos Transportes. Não obstante, o MP entende que a terem existido tais contatos prévios entre responsáveis da Tecnoforma e governantes, "essa atividade não tem que ter um enquadramento necessariamente ilícito do ponto de vista penal (que não é ético ou moral), sendo susceptível de ser tratada no quadro de uma atividade legítima de participação dos administrados nas decisões da administração". Ou seja, "lobbying". Já nos tinha fugido o chão debaixo dos pés agora voou o telhado. Faça-se tudo a céu aberto na paz dos anjos. 

Só para descansar os meus amigos laranjas, clementinas, tangerinas, toranjas e outros afins informo que os crimes de que o primeiro-ministro é acusado já prescreveram. Os tais "alegados" 150 mil euros que Coelho recebeu da Tecnoforma quando era deputado, em regime de exclusividade, que fariam dele um suspeito do crime de fraude e falsificação de documentos, crimes que as más línguas denunciaram, são um inconseguimento jurídico, porque ocorreram entre 1997 e 1999. Ora, como graças aos santinhos luciferianos, tudo está devidamente prescrito, a investigação nem o chega a ser e Passos nem tem de se incomodar a levantar o dito cujo da cadeira para prestar declarações, nem terá sequer que pagar o imposto em falta porque essa obrigação caduca ao fim de quatro anos. Bem que eu ontem dizia que isto nem lhe tiraria uma horita de sono no fim de semana. Coelho está felicíssimo por ser o Primeiro nesta terra de Alices. 



E nós, estupefactos ou talvez já nem por isso, a ver o circo passar, atirando pão a quem assiste à morte da Justiça numa arena romana em qualquer viela deste nosso Portugal!

"As crianças como armas" de arremesso - Uma reflexão a partir da opinião do Paulo Pereira de Alemida



«... Como seres humanos em desenvolvimento e em crescimento, as crianças são - naturalmente - vulneráveis e manipuláveis, estão dependentes da vontade e das ideias de quem por elas é responsável. Cabe - portanto - a quem tem essa responsabilidade saber exercê-la de um modo adulto, saudável, legal, e - de preferência - moralmente aceitável.
A realidade não é - todavia - esta. Os casos em que crianças inocentes são utilizadas como armas varia e é - até um certo ponto - mais ou menos aceite e tolerada pela hipocrisia social ou pela indiferença que orienta muitos dos comportamentos em sociedades onde as solidariedades orgânicas de outrora já pouco ou nada funcionam. Assim sendo, temos situações extremas de recrutamento de crianças para as fileiras de movimentos de guerra e de guerrilha, para movimentos terroristas e fundamentalistas religiosos, sendo estas crianças privadas de qualquer esperança num futuro enquadrado e numa vida de paz e de desenvolvimento harmonioso. Temos - depois - as crianças que são empregues como escudos humanos em situações de conflito aberto e que são submetidas a riscos de vida diários e constantes, sendo estas privadas de uma visão equilibrada e pacífica do mundo, o qual passam a ver como um local de permanente conflito e de guerra, um local atreito a ódios e a guerras motivados pela origem racial e pelo conflito étnico. Temos - ainda - as crianças abusadas sexualmente e obrigadas a iniciar uma vida sexual demasiado cedo ou como relação de dependência de um/a abusador/a, sendo estas amputadas muito cedo do direito e da possibilidade de viverem mais tarde uma vida sexual plena, de acordo com as escolhas que a sua natureza e o seu desenvolvimento físico, emocional, e psicológico lhes deveria possibilitar. Temos - em quarto lugar - as crianças que são vítimas de situações de divórcios e que são utilizadas por um dos progenitores, ou por ambos, para a obtenção de vantagens pecuniárias, para chantagens de circunstância ou para arremesso de frustrações de adultos incapazes, sendo estas igualmente privadas de um desenvolvimento saudável e de uma visão de família e de laços e de relações sociais escorreitas e saudáveis. E temos - finalmente - as crianças que são manipuladas e manipuláveis pelos pais, seja para estarem à chuva e ao frio num protesto - seguramente legítimo - pelo fecho de uma escola, seja para estarem no treino de um qualquer clube de futebol, ou numa qualquer audição para um anúncio de TV do momento, ou para uma telenovela da moda.
Em qualquer um destes casos, uma coisa é certa: as crianças são as vítimas e os adultos os cobardes. Dizer o contrário, tentar fazer acreditar que qualquer uma destas situações é tolerável deve ser - a todos os títulos - social e moralmente condenável.» Paulo Pereira de Almeida, DN

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

11 de Setembro - E de como o Mundo mudou!



O artigo é extenso mas de qualidade. Autoria do meu querido amigo Jorge Silva Carvalho, perito reconhecido nesta área. Fala do 11 de Setembro.
«11 de Setembro
A Mudança induzida pelos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001
Há poucos acontecimentos que, por si, mudam a forma como vivemos, pensamos ou apreendemos a realidade. Assinalou-se este ano o décimo 'terceiro' aniversário de um desses acontecimentos, o ataque às Torres Gémeas em Nova Iorque. Foi um acontecimento decisivo, um ‘game changer’, não somente pela ignomínia dos crimes cometidos naquele dia mas porque, depois dele, o mundo mudou e não apenas no estrito domínio da segurança nacional e internacional.
Mudou radicalmente a prioridade na luta contra o terrorismo, tendo o problema do terrorismo sido elevado a ameaça principal, ocupando o vazio parcial deixado pelo conflito ideológico da guerra-fria. Desde esse momento passou a ser uma directriz indiscutível para as políticas externas dos diferentes países, em particular os do mundo ocidental. Em parte, por força desse dia foram iniciados conflitos, que ainda hoje continuam bem vivos e com efeitos globais, tais como o Iraque, o Afeganistão, etc..
Mudaram as políticas de segurança nacional, em particular na sua vertente de segurança interna, tendo os próprios conceitos sido testados ao limite. Restringiram-se liberdades fundamentais, na medida em que muitos países introduziram legislação que mudou o conceito de direito de opinião e mudou o conceito de liberdade religiosa. Mudou o léxico sobre terrorismo e islamismo, tendo aumentado os estudos sobre religião em geral e sobre o islamismo em particular. Abriram-se novos debates e outros mudaram radicalmente, nomeadamente sobre o multiculturalismo e imigração. Mudaram, por adaptação e especialização, as forças militares e de segurança para este novo combate. Mudaram os ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais, as regras da cooperação judiciária, as regras de cooperação policial e de informações.
Em Portugal, em particular, país costumeiramente avesso à cooperação institucional, o princípio do combate terrorismo mudou radicalmente o espírito e a praxis de cooperação entre forças armadas, forças e serviços de segurança.
Mas sobretudo mudaram os comportamentos. As regras de segurança protectiva, em geral, mudaram tão profundamente que alteraram totalmente o modo de circulação internacional de pessoas e bens. Mudou o controlo de passageiros, mudou o comércio internacional de bens. Mudou a atenção sobre infra-estruturas críticas afectando quer as que eram propriedade dos Estados, quer as de propriedade privada. Os Estados foram forçados a investir fortemente nestes sectores tal como as empresas privadas.
O 11 de Setembro, apesar da sua aparente reduzida dimensão, quando comparado com outros conflitos ou actos criminosos e violentos, teve um impacto que mudou globalmente o mundo numa geração e constituiu, assim, um caso paradigmático da necessidade de dar a maior atenção a duas temáticas que são, actualmente, imprescindíveis na gestão da actividade pública, dos Estados, e na gestão da actividade privada, das empresas, a Gestão da Mudança e o Conhecimento, em particular o Conhecimento numa perspectiva exógena, de inteligência estratégica.
Vivemos numa era de globalização quase absoluta da actividade económica e financeira. As noções de mercado local, regional ou nacional perderam muita da sua importância pela tripla via da internacionalização generalizada das empresas, dos processos políticos e legislativos de integração de mercados económicos e financeiros e do desenvolvimento da sociedade da informação.
Desta complexidade da envolvente resulta um elevado risco. Num ambiente macroeconómico tudo menos optimista, eventos com o impacto do 11 de Setembro podem, para além da mudança já referida, induzir mais restrições num factor já muito afectado pela crise económica e financeira, a confiança dos mercados.
Por estes motivos, os processos de mudança, como os que foram induzidos pelo 11 de Setembro têm de ser geridos em colaboração e em interacção permanente entre Estados mas, também, no seio dos diferentes Estados, entre os actores públicos e privados, numa perspectiva securitária mas, também, numa perspectiva de protecção dos interesses nacionais.
Essa colaboração é obviamente pautada pelo interesse nacional e, em particular pelo interesse público que, infelizmente, no momento actual e nas áreas mais insuspeitas, muitos confundem com interesse ‘do público’, pela forma pública como actos reservados do funcionamento do Estado têm de ser forçosamente expostos nos ‘media’. Assim, por exemplo na questão tão debatida - sempre muito mal debatida, diga-se -, da cooperação, da colaboração ou do apoio dos serviços de informações a empresas públicas ou privadas, é de referir que existe um princípio, à luz do qual essa questão deve ser equacionada, o do interesse estratégico da empresa para o Estado.
A questão que se deve colocar é qual o critério para a definição de interesse estratégico. Uma empresa pode ser detentora de uma infra-estrutura crítica, pode ter um papel fundamental em sectores vitais para o Estado, sectores esses que podem variar consoante o momento, por exemplo, em plena crise financeira, a Banca é claramente um sector estratégico, enquanto que numa crise sanitária ou de saúde, a indústria farmacêutica e uma empresa farmacêutica pode passar a sê-lo. Mas essa relação pode, também, ser mais unilateral e uma empresa ser estratégica para o Estado para a prossecução dos interesses deste em matérias de política externa, de segurança nacional ou na simples facilitação da acção instrumental de determinados órgãos do Estado, como por exemplo os serviços de informações, sem que a própria empresa tenha disso conhecimento ou, tendo, nada ganhe com isso.
Neste caminho, pós-11 de Setembro, cometeram-se muitos erros, aqui e além talvez demasiados. Há sempre aproveitamentos, para concentrar poderes, para enriquecer de forma ilícita, mas, em geral, hoje estamos incomparavelmente melhores em todos os aspectos já referidos.
É de lamentar que Portugal tivesse, em termos de estrutura organizacional e em matéria de competências das estruturas de combate ao terrorismo, ficado aquém do ideal e, até, do necessário tendo, em alguns casos, os interesses corporativos prevalecido sobre o interesse nacional!
No entanto, hoje, os países em geral, os ocidentais em particular e sobretudo Portugal, estão mais competentes e sofisticados em termos da sua estrutura de segurança e informações e do respectivo funcionamento.
Esta evolução positiva tem sido algo comprometida pelo conjunto de medidas restritivas em termos orçamentais no sector público, avulsas e inconsequentes porque não pensadas estrategicamente, verificadas, pelo menos, nos últimos quatro anos e, em particular, nos últimos dois anos. Se a crise financeira aconselhava, e criava uma janela de oportunidade para a reforma neste sector do Estado optou-se antes por evitar e adiar decisões, preferindo-se uma lógica de cortes orçamentais sucessivos, insignificantes quando isoladamente considerados, mas que, cumulativamente prejudicam de forma inexorável a capacidade de funcionamento de um conjunto de serviços necessários e essenciais do Estado, mantendo-se ficcionadamente uma estrutura que, não só o país não pode, no contexto actual, suportar, como mantém muitos dos vícios de sempre.
Acresce que, esta situação foi exacerbada por algum excesso de conservadorismo na separação ente sector público e privado, em alguns casos ideologicamente justificado noutros apenas motivados por puro oportunismo político, e até, por algum enquistamento conceptual e falta de cultura cívica, que perpassa por vários sectores da sociedade, da política às magistraturas.
Enfim, pessoalmente, tive a oportunidade de participar, nacional e internacionalmente, de forma directa ou indirecta, em quase todas as alterações referidas. O período de 2001 a 2010, foram anos duros e muito trabalhosos, mas profundamente recompensadores, dos quais guardarei muitas e boas recordações!
Todos os anos, neste dia, recordo-me disto tudo e todos os anos, neste dia, penso nas pessoas que morreram naquele fatídico dia 11 de Setembro.
Faço por recordar para, em última análise, me recordar porque é que temos de ter um serviço público eficaz, em particular serviços de informações e forças de segurança eficazes e não apenas instituições 'faz-de-conta'. É que o Estado emana da sociedade, sociedade essa que é constituída por pessoas individuais e colectivas que merecem ser protegidas com eficácia.
Assim, é necessário ter a perfeita noção de que estas mudanças são inevitáveis. Acontecimentos como o 11 de Setembro são inevitáveis, mesmo quando queremos acreditar ou quando nos querem fazer acreditar que não. A preparação é fundamental para antecipar a Mudança ou para a liderar o melhor possível.» Artigo escrito em Setembro de 2013 e publicado pela revista Plano.

domingo, 31 de agosto de 2014

E como dizia Pessoa: «Há três espécies de Portugal....»




«Há três espécies de Portugal, dentro do mesmo Portugal; ou, se se preferir, há três espécies de português.
Um começou com a nacionalidade: é o português típico, que forma o fundo da nação e o da sua expansão numérica, trabalhando obscura emodestamente em Portugal e por toda a parte de todas as partes do Mundo. Este português encontra-se, desde 1578, divorciado de todos os governos e abandonado por todos. Existe porque existe, e é por isso que a nação existe também.
Outro é o português que o não é. Começou com a invasão mental estrangeira, que data, com verdade possível, do tempo do Marquês de Pombal. Esta invasão agravou-se com o Constitucionalismo, e tornou-se completa com a República. Este português (que é o que forma grande parte das classes médias superiores, certa parte do povo, e quase toda a gente das classes dirigentes) é o que governa o país. Está completamente divorciado do país que governa. É, por sua vontade, parisiense e moderno. Contra sua vontade, é estúpido.
Há um terceiro português, que começou a existir quando Portugal, por alturas de El-Rei D. Dinis, começou, de Nação, a esboçar-se Império. Esse português fez as Descobertas, criou a civilização transoceânica moderna, e depois foi-se embora. Foi-se embora em Alcácer Quibir, mas deixou alguns parentes, que têm estado sempre, e continuam estando, à espera dele. Como o último verdadeiro Rei de Portugal foi aquele D. Sebastião que caiu em Alcácer Quibir, e presumivelmente ali morreu, é no símbolo do regresso de El-Rei D. Sebastião que os portugueses da saudade imperial projectam a sua fé de que a famí1ia se não extinguisse.
Estes três tipos do português têm uma mentalidade comum, pois são todos portugueses mas o uso que fazem dessa mentalidade diferencia-os entre si. O português, no seu fundo psíquico, define-se, com razoável aproximação, por três característicos: (1) o predomínio da imaginação sobre a inteligência; (2) o predomínio da emoção sobre a paixão; (3) a adaptabilidade instintiva. Pelo primeiro característico distingue-se, por contraste, do ego antigo, com quem se parece muito na rapidez da adaptação e na consequente inconstância e mobilidade. Pelo segundo característico distingue-se, por contraste, do espanhol médio, com quem se parece na intensidade e tipo do sentimento. Pelo terceiro distingue-se do alemão médio; parece-se com ele na adaptabilidade, mas a do alemão é racional e firme, a do português instintiva e instável.
A cada um destes tipos de português corresponde um tipo de literatura.
O português do primeiro tipo é exactamente isto, pois é ele o português normal e típico. 
O português do tipo oficial é a mesma coisa com água; a imaginação continuará a predominar sobre a inteligência, mas não existe; a emoção continua a predominar sobre a paixão, mas não tem força para predominar sobre coisa nenhuma; a adaptabilidade mantém-se, mas é puramente superficial — de assimilador, o português, neste caso, torna-se simplesmente mimético.
O português do tipo imperial absorve a inteligência com a imaginação — a imaginação é tão forte que, por assim dizer, integra a inteligência em si, formando uma espécie de nova qualidade mental. Daí os Descobrimentos, que são um emprego intelectual, até prático, da imaginação. Daí a falta de grande literatura nesse tempo (pois Camões, conquanto grande, não está, nas letras, à altura em que estão nos feitos o Infante D. Henrique e o imperador Afonso de Albuquerque, criadores respectivamente do mundo moderno e do imperialismo moderno) (?). E esta nova espécie de mentalidade influi nas outras duas qualidades mentais do português: por influência dela a adaptabilidade torna-se activa, em vez de passiva, e o que era habilidade para fazer tudo torna-se habilidade para ser tudo.» - FERNANDO PESSOA, Sobre Portugal - Introdução ao Problema Nacional

"Banco bom, banco mau, ou parábola (politicamente incorrecta)" - Ana Luísa Amaral



Banco bom, banco mau, ou parábola (politicamente incorrecta), artigo da Ana Luísa Amaral

«“Espelho meu, espelho meu, haverá banco de espírito mais santo do que o meu?” Isto perguntava o rei, enquanto se mirava e remirava em frente do seu espelho luzidio, agora rasgado ao meio... 

“Espelho meu, espelho meu, haverá banco de espírito mais santo do que o meu?” Isto perguntava o rei, enquanto se mirava e remirava em frente do seu espelho luzidio, agora rasgado ao meio, uma brecha em ziguezague, muito bem concebida pelos seus ministros e depois executada pelos lacaios que ronronavam, felizes, passeando pelo palácio, de barriguinha cheia, porque eram autorizados a comer os restos do faisão e das perdizes assadas que sobravam da mesa real.

Mas o espelho, cindido que estava, respondia a duas vozes. Ora dizia, do seu lado mais aforístico, e até razoavelmente culto: “O teu banco tem o espírito mais santo de todos, o teu banco é rico, logo, tu também o és”, ora afirmava, em tom cortante e incisivo: “O teu banco é mau.”

Por estranho que pareça, nenhuma das respostas inquietava muito o rei. É claro que a primeira lhe era mais tranquilizadora, sobretudo por ser lisonjeira. Mas a segunda também não o fazia perder o sono, que geralmente lhe surgia suave e repousado: é que, depois da declaração aparentemente sobressaltante, o segundo lado do espelho esclarecia, murmurando ao ouvido do rei “... mas não te preocupes, porque a ti propriamente não acontece nada, nem a ti, nem aos teus, nem aos ministros que te aconselham e protegem, e tu continuarás de espírito santo e rico”. E mais dizia, ainda em murmúrio: “Há uns bancos que conheço, os saxões chamam-lhes um nome estranho, diz-se offshore, que quer dizer fora da costa, como um navio ao largo. Não serão, claro, de espírito tão santo como parecia ser o teu, mas para o caso servem muito bem.”

Estes esclarecimentos, ditos em sussurro pelo espelho, só pelo rei eram ouvidos, embora ele depois os transmitisse aos seus ministros, que se regozijavam. Escondidos atrás das portas, os lacaios iam ouvindo também, e o regozijo era-lhes igualmente grande, porque significava mais restos de perdizes assadas e de faisão.

Porém, para qualquer camponês (ou camponesa, bem entendido, mas a partir de agora tudo surgirá no masculino, até porque esta é uma história politicamente incorrecta), saber que havia um “banco mau” e um “banco bom” era motivo de desassossego – palavra que, de resto, um jogral mais tarde até haveria de pôr em livro, embora lhe desse outro sentido. Mas os camponeses eram pouco esclarecidos, gente rude e sem instrução, pobrezinhos que, por mais que plantassem, pouco colhiam, e o pouco que colhiam era-lhes retirado, precisamente porque eram camponeses e rudes, e portanto merecedores de desprezo. Um círculo vicioso, ou, em linguagem mais popular, uma pescadinha de rabo na boca. E havia até ministros do rei, que, quando os camponeses mais jovens se queixavam, os aconselhavam, magnanimamente, a ir para as Cruzadas, dizendo que essa havia sido uma vocação campesina muito antiga; quanto aos camponeses mais velhos, era gleba até ao fim da vida, para eles aprenderem a não serem rudes, e a não terem idade já um pouco avançada, e a não enfermarem de, ainda por cima, serem pobres.

O que mais desassossegava os camponeses era precisamente a resposta a duas vozes. Como podia um banco onde se reflectiam espíritos e santos partir-se ao meio, como o espelho do palácio real, e tornar-se “banco bom” e “banco “mau”? Isto se perguntavam, sem resposta. É que eles sabiam pouco de sacos de moedas trocados de mão em mão, debaixo de mesas e de tronos, ou de favores a convidar a mais favores, ou de como era possível fazer guerras para encher ainda mais os sacos de moedas. Bom e mau, na língua dos camponeses, que eram a esmagadora maioria das criaturas que viviam naquele reino, eram palavras muito simples, que queriam dizer exactamente isso: ou seja, bom queria dizer bondoso, ou quase perfeito, e mau queria dizer maldoso, ou condenável. Como os padres, que eram visitas constantes no palácio real, lhes tinham ensinado, ser bom significava ainda ser recompensado mais tarde (que a recompensa tardava, mas havia de chegar depois, lá no Céu); ser mau significava arder nas chamas eternas do Inferno. E, na curta vida que era a deles, ser mau tinha as suas consequências: ir para a prisão, ser chicoteado, ou até decapitado ou enforcado. Isso era o que dava ser mau.

Ora, decapitações ou enforcamentos, no caso do banco partido ao meio, nem vê-los. E chicote, também não. Nem sequer prisão. Claro que se dizia (mas isto eram rumores) que havia um ministro do rei que havia sido preso, mas era a fingir, porque de facto tinha-lhe bastado uma bolsa de moedas de ouro para ficar refastelado, a descansar no palácio do rei. Dizia-se até (mais rumores, decerto) que a bolsa lhe fora dada pelos outros ministros e que até o próprio rei lá tinha posto meia dúzia de moedas. E que mais reis haviam ajudado. Isto se dizia, entre os camponeses, mas eles eram, como se sabia, gente rude e pouco instruída. E, ainda por cima, pobre. Portanto, para eles não havia respostas. Quanto ao rei, eram sempre as mesmas duas, uma a seguir à outra, por vezes alternadas: ora “banco bom” e “banco mau”, ora “banco mau” e “banco bom”, sendo que a diferença, em termos práticos, era nenhuma.

Esta história não tem muito fim, nem é politicamente correcta, para desassossego de quem a possa um dia ouvir. Porque, à semelhança da imagem que aparece a meio, a do círculo vicioso, que em linguagem popular se diz pescadinha de rabo na boca, o fim é quase sempre igual e repetido. O rei continuou a olhar-se ao espelho, mais ou menos cindido, e a perguntar do seu espírito e do seu banco. Noutros reinos, outros reis iriam perguntar-se o mesmo. E, depois de um pouco de inquietação, todos descansariam com as respostas ouvidas, que diriam os seus bancos santos e de espírito promissor, mesmo podendo ser maus. E nada disto seria incongruente para eles, nem para os ministros, que haviam de descansar também, como os lacaios, espreitando atrás de portas, esperando colher as migalhas das mesas reais.

Nada mudaria. Só os camponeses – e a mudança neles era mais uma questão de intensidade. Ou seja, ficariam cada vez menos instruídos, mais rudes e mais pobres, uns já sem Cruzadas para onde partir, porque os reinos eram todos mais ou menos parecidos, e isto aconteceria de uma forma global, os outros presos para sempre à gleba, até ao fim das suas vidas.

A não ser que, um belo dia, mas isso só acontece nas histórias de fim imoral, pegassem nas enxadas e nas foices e nos ancinhos, e em tudo aquilo que estivesse à mão, e despedaçassem de vez todos os espelhos. Isto, claro, se conseguissem entrar nos palácios, o que era muito, muito difícil, e quase inverosímil. Mas não impossível.» - Artigo de Ana Luísa Amaral, escritora, publicado no jornal “Público” em 28 de agosto de 2014