sábado, 28 de dezembro de 2013

Criação do Triângulo Livre e Soberano de São João, a Oriente de Sintra, ECLIPSE

MQI, foi constituído o Triângulo ECLIPSE, a Oriente de Sintra. Vivat! Vivat! Vivat! - [Tudo o que tocas] [Tudo o que vês] [Tudo o que provas] [Tudo o que sentes] [Tudo o que amas] [Tudo o que odeias] [Tudo em que não confias] [Tudo o que guardas] [Tudo o que dás] [Tudo com o que lidas] [Tudo o que compras] [Suplicas, te emprestam ou roubas] [Tudo o que crias] [Tudo o que destróis] [Tudo o que fazes] [Tudo o que dizes] [Tudo o que comes] [E todos os que conheces] [Tudo o que desdenhas] [E todos contra quem lutas] [Tudo o que é presente] [Tudo o que já la vai] [Tudo o que está por vir] [E tudo sob o sol] [está em harmonia] [Mas o sol é eclipsado] [pela lua]. Saudações fraternas. Fiat Lux.
FORMAÇÃO DO TRIÂNGULO ECLIPSE
À Glória do Grande Arquitecto do Universo
Cartas Patentes de Constituição e Consagração de um Triângulo Maçónico Livre, Regular e Soberano de São João.
EX TENEBRIS AD LUCEM
A todos os Maçons livres e aceites, a todos os Irmãos e Irmãs espalhados pelos dois hemisférios,
Nós, homens e mulheres de honra e probidade, nascidos livres e reconhecidos de idade legal e boa reputação, tendo sido regularmente recebidos no grau de Mestre Maçon numa Loja Justa e Perfeita, Anabela Melão, Mestre Maçon João Bernardo, Mestre Maçon Fátima Machado, Mestre Maçon
Fazemos saber que, em virtude da nossa regularidade na Arte Real e segundo a vontade todos os Irmãos e Irmãs aqui reunidos,
CONSTITUÍMOS UM TRIÂNGULO MAÇÓNICO LIVRE E SOBERANO A Oriente de Sintra Com o nome distintivo de ECLIPSE
Dado ao Vigésimo Sétimo dia o mês de Dezembro de 2013, dia do Patrono São João de Inverno. Neste data, num lugar Santo, Iluminado e Secreto, abrigado pelo Mistério e o Amor Fraternal, os Irmãos e Irmãs Fundadores citados, acompanhados de Testemunhas Visitantes seguidamente listadas, abriram regularmente os Trabalhos à Glória do Grande Arquitecto do Universo, na presença do Livro da Lei e constituíram o Triângulo Maçónico Eclipse. O Triângulo irá reunir-se nas datas previstas no seu Regulamento Interno, para praticar os três Graus Simbólicos, segundo o Rito Escocês Antigo e Aceite. Os Irmãos e Irmãs presentes, por unanimidade, designaram para dirigir os trabalhos do Triângulo a Irmã Anabela Melão, munida da confiança dos seus Irmãos e Irmãs e dos seus títulos autênticos, com plenos poderes para, sempre que trabalhe com um número regular de Irmãos de modo a que possa elevar o Triângulo a Loja Justa e Perfeita por uma sessão, proceder a Iniciações de Aprendizes, passagens ao Grau de Companheiro e elevações ao Grau de Mestre. Pedem expressamente a todos os Maçons espalhados pela superfície da terra e a todas as Lojas regularmente formadas no seio da Maçonaria Universal, que reconheçam o Triângulo Maçónico Eclipse, como um Triângulo Livre e Soberano de São João, a Oriente de Sintra, como regular e constituído segundo os princípios da Muito Respeitável e Muito Antiga Confraria dos Maçons Livres e Aceites. Declaram finalmente que ninguém poderá ser admitido aos trabalhos do Triângulo Maçónico se não for Maçon regularmente iniciado ou candidato aceite segundo os critérios tradicionais da Ordem. V.'.M.'. Anabela Melão


Todos erramos ....mas o que interessa é o Amor.

Magnífico artigo do José Luís Nunes Martins, no I
- Todos erramos
"Apontamos quase sempre o dedo a quem erra... Condenamos os outros com enorme facilidade. Compreendemo-los pouco, perdoamo-los ainda menos
Apontamos quase sempre o dedo a quem erra... Condenamos os outros com enorme facilidade. Compreendemo-los pouco, perdoamo-los ainda menos. Mas, será que atirar pedras é o mais justo, eficaz e melhor?
Temos uma necessidade quase primária de julgar o comportamento alheio, de o analisar e avaliar ao mais ínfimo detalhe, sempre de um ponto de vista superior, como se o sentido da nossa existência, a nossa missão, passasse por sentenciar todos quantos cruzam a sua vida com a nossa... condenando-os... na firme convicção de que assim estamos a ajudar... a melhorar.
Comete erro em cima de erro quem se dedica a julgar os erros dos outros....
Julgamos de forma absoluta, na maior parte das vezes, generalizando um gesto ou dois, achando que cada pequena ação revela tudo quanto há a saber sobre determinada pessoa... mais, achamos que cada homem ou é bom ou é mau... como se não fossemos todos... de carne e osso... de luz e sombras.
Já a nós não nos julgamos nem nos deixamos julgar. Consideramos que, no caso específico da nossa vida, são tantos os factores que têm de se levar em conta (quase todos atenuantes) que se torna impossível qualquer tipo de veredicto... optando, assim, por uma espécie de arquivamento dos processos dada a complexidade das questões. Reconhecemo-nos incapazes de ponderar tudo... mas se em nós não conseguimos avaliar o erro, por que razão estamos tão à vontade quando se trata do dos outros?
É curioso, e uma prova da inteligência comum, que partindo da verdade universal de que todos erramos, nos sirva mais isso para nos desculparmos a nós mesmos do que aos outros...  afinal, nós não somos superiores àqueles que passamos a vida a condenar. Por isso, devíamos ser capazes de os desculpar tanto quanto o fazemos a nós próprios. Mais, pode acontecer que alguém tropece, depois de nós, numa pedra que nós não atirámos para fora do caminho...
Quem erra, faz-se vagabundo. Vai contra a sua vontade mais profunda, afasta-se da verdade. Erramos de cada vez que nos deixamos levar pela tentação das paixões momentâneas, pelos juízos precipitados e levianos... sempre que nos deixamos seduzir pelas falsas e brilhantes luzes das aparências... ao errar afastamo-nos de nós mesmos, perdemo-nos... em vazios.
Acreditamos que as nossas sentenças revelam, através do nosso sempre muito afiado sentido de justiça, a superioridade moral de uma vida acima do comum... quando afinal tal consideração apenas nos afasta, ainda mais, da verdade de nós mesmos.
Numa vida acabada é sempre mais fácil dar sentido ao erro... Mas, no dia-a-dia desta nossa existência a fazer-se, quem comete o maior erro: o que não tenta para não errar ou o que erra tentando acertar?
Precisaremos sempre de quem nos anima a corrigirmo-nos, não de quem nos reprova e só sabe magoar...
Não somos seres perfeitos a quem o erro degrada, mas antes seres imperfeitos a quem o erro pode ensinar.
Errando, posso ter noção do que sou, de onde estou e do caminho que devo fazer.
Na desorientação geral do nosso tempo, há algo que se pode (e deve) fazer: ir ao encontro de quem falha e aceitá-lo como igual. Construindo um caminho conjunto, longe dos julgamentos... para mais perto da perfeição.
O mais justo, eficaz e melhor será mesmo compreender e perdoar, pois quem erra, engana-se. A si mesmo. E isso, na maior parte dos casos, já é pena suficiente.
Nunca faltará quem nos julgue... mas muito mais valioso será quem, com humildade, nos aceite... quem nos ame, apesar de tudo."

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Pedro Passos Coelho - Sua Excelência, o princípe Maquiavel!



Marques Mendes vaticinou e aí está a sua "solução", eleita a Plano B, do Gov. O Conselho de Ministros começou ontem a discutir o problema, sem ter chegado a uma solução final. Como responder ao chumbo do TC que travou o corte das pensões na Administração Pública? Eis o que divide o Gov. E a tese com mais adeptos é a lançada por Marques Mendes: aplicar uma solução “mista”, aumentar já o IVA, medida que seria anulada quando e se um novo corte nas pensões (as do sector público e as do privado) entrasse em vigor. Passos Coelho lançou mãos à cabeça quando soube do chumbo do TC. Mas quando falou com Poiares Maduro ao telefone (o PM estava em Bruxelas), depois de uns tantos diazepam, lá estabilizou num relativo optimismo - se bem que uns Haldol ou Priadel pudessem ter efeitos a médio prazo mais sustentados, mas disso qualquer psiquiatra lhe passará receita. Quando falou aos jornalistas, na sexta-feira, Passos pôs os ovos todos no mesmo cesto (qual galarucho de uma capoeira em processo de cozedura lenta): voltar ao corte nas pensões a pagamento - todas elas -, aproveitando a “porta aberta” que lhe entreabriu o acórdão do TC para uma reforma da Segurança Social. Soluções maquiavélicas. 
Falo de populismo blindado e de Maquiavel. Eis Passos Perdido feito “maquiavélico”. Até aqui aplica a famosa frase: “Na conduta dos homens, especialmente dos príncipes, contra a qual não há recurso, os fins justificam os meios.” “Contra a qual não há recurso”, isso significa que teremos que aceitar resignados as arbitrariedades do príncipe e os meios que sua alteza julgar apropriados para nos governar. É imperioso que a sociedade interponha recursos contra o príncipe. A política portuguesa está reduzida a um absolutismo plebiscitário. O aforismo positivista de que “contra fatos não há argumentos.”está em causa. Tem de estar. Uma política baseada em soluções de vingança e revestida com silêncios premiados ao jeito do "padrinho" não pode ser aceite, sob pena de nos venderem numa qualquer feira da Ladra (apropriadissimo adjetivo para o caso). 

Se o País está em em regime de exceção, Acordem! Encontrar soluções que aproveitem minusculos trilhos da lei para conspirar contra a é um golpe de estado palaciano feito pelo governo contra o País. Que a fogueira se eleve ao status do incêndio maior em que já vivemos. Perdemos tudo, que nos reste a alma e o sangue dos filhos de Viriato. 
O pragmatismo pode funcionar para as alianças e conluios com que o bloco central pretende armadilhar as nossas vidas, como se fôssemos marionetas ou pierrot's agachados ante o malfadado voto. 
O ténue consolo vem do futuro. À revelia do poder, a opinião pública vai assimilando com suor e lágrimas, e é com toda essa humidade que a corrosão da blindagem virá antes do que se pensa.
Contra maquiavéis, ainda que de segunda, marchar, marchar!

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

"Ó! Grande Arquiteto do Universo ..."

"Ó! Grande Arquiteto do Universo, cuja luz se traduz no esplendor do sol e cuja energia produz vida em todos os seres, irradia-me com a tua chama sagrada. Arrojo-me a participar dos teus mistérios, porém necessito da tua força, preciso da tua beleza. Desperta-me para a vida, para que eu saia da zona de sombra. Estende o meu olhar para que eu possa ver a luz do saber, da mesma forma que meus olhos contemplam o purpúreo do pôr-do-sol. Faze-me sábio, assim poderei compreender melhor os mistérios que ensinaste aos meus Irmãos. Prudente, serei capaz de contribuir com a realização do todo. Anseio pelo saber, não para seguir as pegadas dos Mestres, mas para procurar o que eles procuraram. Faze-me forte para que eu possa, com as próprias mãos, desbastar minha “Pedra Bruta” e cavar masmorras ao vício, e com arrojo. E coragem ingressar na senda da virtude. Busco a tua força, não para superar os meus Irmãos, mas para estar apto a lutar contra o maior dos meus inimigos – eu mesmo. Faze-me belo, para que eu seja a mudança que tu desejas ver no mundo, enche o meu coração de Luz e de poesia, assim poderei embelezar as minhas ações e ungir o meu espírito com a essência do amor fraterno. Aspiro a tua forma, não pela virtude dos gestos, mas para que eu possa revelar o meu Mestre Interior. Faze-me justo e perfeito para que eu chegue a ti com a mente clara, as mãos limpas e o olhar sincero. E quando a chama da vida em meu corpo se apagar, como se apaga o sol ao final de cada dia, possa o meu espírito olhar para ti, sem qualquer mácula ou vergonha. Assim seja!" Interpretação e livre adaptação do autor da obra “O Desbastar da Pedra Bruta” – António Augusto Queiroz Baptista a uma oração de origem Xamã.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Anselmo Borges: "Natal: a História no seu reverso"!

Anselmo Borges: "Natal: a História no seu reverso", Texto de Anselmo Borges no DN de 21.Dez: "Há um testemunho de Kant que diz bem da sua grandeza de filósofo e de homem. Poucos dias antes de morrer - 12 de Fevereiro de 1804 -, confiou a amigos: "Senhores, eu não temo a morte, eu saberei morrer. Asseguro-vos perante Deus que, se sentisse que esta noite iria morrer, levantaria as mãos juntas e diria: Deus seja louvado! Mas, se um demónio mau se colocasse diante de mim e me insinuasse ao ouvido: Tu tornaste um homem infeliz, ah! então seria outra coisa."
Afinal, o que é mais importante e decisivo não é a dignidade de todos e a sua felicidade? Não é devido ao seu combate ímpar pela liberdade e dignificação de todos que o mundo se inclina unânime, com respeito, perante a memória de Mandela?Este é também o segredo do Papa Francisco: renovar a Igreja, evangelizá-la, para ela poder, por palavras e obras, evangelizar o mundo: levar a todos a notícia boa e felicitante do Deus de Jesus Cristo. O seu programa de pontificado, na exortação "A Alegria do Evangelho", de que aqui já dei conta, é simplesmente este: o Evangelho. Para isso, há um método, um caminho, uma luz: ler o mundo a partir de baixo, dos pobres, dos excluídos, e agir em consequência, isto é, colocando-se no seu lugar e, a partir desse lugar, que é o lugar de Deus, cumprir a sua missão. Para que todos possam realizar a dignidade de homens e mulheres e alcançar a alegria e a felicidade, para lá do consumismo e materialismo reinantes: "Deus quer a felicidade dos Seus filhos também nesta Terra, embora estejam chamados à plenitude eterna", escreve Francisco. Normalmente, a História é lida a partir dos vencedores, mas a missão da Igreja é lê-la e ensinar a lê-la a partir das vítimas, dos perdedores. Uma revolução das consciências, que, em termos cristãos, se chama conversão, metanóia, mudança de mentalidade e de horizonte.
Então, o centro não é a Igreja nem os dogmas nem as leis, mas Cristo, o Evangelho e as pessoas. "Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do Seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes". "Uma fé autêntica - que nunca é cómoda nem individualista - comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um pouco melhor depois da nossa passagem por ela."
A Igreja tem de avançar sem medo. Francisco repete: "Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas fora a uma Igreja doente pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa protecção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta", "sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida".
Afinal, os preceitos dados por Cristo "são pouquíssimos". E Francisco tem um sonho: "Sonho com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal proporcionado mais à evangelização do mundo actual do que à sua autopreservação." Para isso, Francisco convoca todos para uma reforma, a começar pelo papado: "Uma corajosa reforma, que toque tanto o espírito como as estruturas." Se se não quiser ficar só com uma parte minúscula da História - a História dos triunfadores -, é preciso recuperá-la e reconstruí-la na sua maioria: os escravos, os colonizados, as mulheres, os velhos, as crianças, os mortos, os drogados, os humilhados, todas as periferias. Isso: o reverso da História, a História recuperada no seu reverso. Para haver Natal de e da humanidade, como anunciaram os anjos aos pastores pela noite dentro: "Não temais, anuncio-vos uma grande alegria, que será a de todo o povo: nasceu-vos um Salvador". Natal feliz!"

Jesus não faz anos dia 25 - Bento Domingues

"1. Não há ano zero. Sabemos que, sob o Império Romano, o tempo era contado a partir da fundação de Roma. Quando, no séc. VI d.C., a Igreja romana decidiu contar os anos a partir do nascimento de Jesus Cristo, deparou com um problema. A festa já era celebrada no dia 25 de Dezembro. Ficou determinado que o ano I começaria no 1º de Janeiro seguinte, que corresponderia ao ano 754 da fundação de Roma. O ano anterior (753) foi designado o ano I a.C.. Resultado: passamos do – 1 para o +1. Os cristãos começaram a celebrar a Páscoa muito cedo, mas só encontramos referências ao Natal a partir do ano 354. Ao escolher celebrar a festa do Natal a 25 de Dezembro estava-se, de facto, a cristianizar a festa pagã do Sol invictus, que marca o renascer do sol, depois do solstício de Inverno. Bela inculturação.
Para Jesus, como para qualquer ser humano da Antiguidade, excepto príncipes e alta linhagem, é ignorada a data exacta do nascimento. Há uma hipótese em 365 de que tenha sido a 25. Quanto ao ano, estamos um pouco melhor, pois sabemos que Jesus nasceu nos últimos tempos de Herodes, o Grande (1), que morreu em 750 da fundação de Roma, o que corresponde a menos 4 do calendário actual. No séc. VI, um monge, um certo Dionísio, o Pequeno, ao fazer o cálculo enganou-se em cerca de quatro anos, mas as contas não foram alteradas. Daí que o nascimento de Jesus, calculado segundo a numeração actual, deve ser situado aproximadamente, cinco ou seis anos antes. Não há qualquer indicação acerca do mês.
Valerá a pena toda essa contabilidade? Serve, pelo menos, para não deixar que a figura de Jesus resvale para o puro mito, como diziam alguns autores dos séculos XVIII e XIX. É imensa a literatura em torno da problemática do Cristo da fé e do Jesus da história. Jesus não deixou nada escrito e não sabemos o que os seus discípulos contaram.
2. Deixando de lado todo o conjunto de textos apócrifos, temos quatro narrativas do Evangelho consagradas no cânone: Marcos, Mateus, Lucas e João, com muito em comum, mas também com diferenças. Marcos pretende mostrar que Jesus é Filho de Deus. A preocupação de Mateus é situar Jesus Cristo na linha dos descendentes de David, como membro da casa de Abraão, numa perspectiva de cumprimento da esperança messiânica de Israel. Lucas, como ele próprio diz, conhece os trabalhos realizados por outros narradores, mas a sua intenção é de ir mais ao fundo. Sente necessidade de tudo investigar desde a origem para garantir ao amigo Teófilo a certeza da sua fé. Para a narrativa de João, escrita 40 a 50 anos depois da de Marcos, a partir de uma comunidade composta de cristãos vindos do judaísmo e do paganismo, Jesus é a luz do mundo.
Há quem diga que, de Jesus, só temos interpretações. É claro que os evangelistas não procuraram fazer a sua biografia, segundo os critérios actuais da elaboração histórica. Interessava-lhes a significação da presença de Jesus Ressuscitado nas comunidades, mediante a criatividade do seu espírito que procura fazer novas todas as coisas. Não podem, no entanto, apagar alguns dados históricos. Jesus nasceu por volta do ano 4 a.C.. Viveu, em Nazaré, a sua vida de infância e de adulto, mais ou menos, até aos 27 anos. Durante algum tempo foi discípulo de João Baptista. A partir de determinada altura, seguiu o seu próprio caminho, de taumaturgo e pregador peripatético, à maneira de alguns filósofos. As suas posições nem sempre coincidiam com as dos fariseus, saduceus, essénios, baptistas, herodianos e zelotas. Com a pregação do Reino de Deus desencadeou um movimento popular político-religioso que cedo chegou aos ouvidos dos sacerdotes e saduceus, levantando suspeitas e interrogações no Sinédrio.
Jesus ter-se-á rodeado de 12 homens – número simbólico - que se tornaram seus discípulos e admiradores, só que nem sempre o compreendiam. Por volta dos 30 anos fez uma viagem a Jerusalém para celebrar a Páscoa. A sua pregação e acção profética no Templo suscitam complicações religiosas e políticas. Celebra uma ceia pascal de despedida com os discípulos. É preso e julgado pelo Sinédrio como blasfemo, com sentença de pena de morte. Entregue ao governador romano da Judeia, Pôncio Pilatos, é condenado à morte por crucifixão. O papel das mulheres discípulas tem de ter sido muito relevante, pois as narrativas masculinas não as conseguiram ocultar.
3. Segundo os textos do Novo Testamento, houve muita competição entre os discípulos e interpretações diversas do papel de Jesus, na história humana. Provocou cristologias muito arriscadas, segundo os contextos religiosos e culturais. Ninguém se apresentou como seu concorrente ou para o substituir. Tudo o que ficou escrito é sempre a respeito de Jesus, o Cristo, que será nosso contemporâneo até ao fim dos tempos. Cada pessoa e cada geração poderão perguntar-se: que tem ele a ver comigo, que tenho eu a ver com ele? O Evangelho ainda não está todo escrito. Está a acontecer. O encontro marcado com o Senhor da história depende do encontro com as vítimas da história. Ele não vive só no céu e no sacrário. É o clandestino que vive em todos os que aceitam a sua companhia.
1) Mt 2, 1; Lc 1, 5" (Bento Domingues)

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

O último abraço que me dás (de António Lobo Antunes para Luís Costa)


"Ali, na sala de quimioterapia, jamais escutei um gemido, jamais vi uma lágrima. Somente feições sérias, de uma seriedade que não topei em mais parte alguma, rostos com o mundo inteiro em cada prega, traços esculpidos a fogo na pele
O lugar onde, até hoje, senti mais orgulho em ser pessoa foi o Serviço de Oncologia do Hospital de Santa Maria, onde a elegância dos doentes os transforma em reis. Numa das últimas vezes que lá fui encontrei um homem que conheço há muitos anos. Estava tão magro que demorei a perceber quem era. Disse-me - Abrace-me porque é o último abraço que me dá, durante o abraço - Tenho muita pena de não acabar a tese de doutoramento e, ao afastarmo-nos, sorriu. Nunca vi um sorriso com tanta dor entre parêntesis, nunca imaginei que fosse tão bonito.
Com o meu corpo contra o dele veio-me à cabeça, instantâneo, o fragmento de um poema do meu amigo Alexandre O'Neill, que diz que apenas entre os homens, e por eles, vale a pena viver. E descobri-me cheio de respeito e amor. Um rapaz, de cerca de vinte anos, que fazia quimioterapia ao pé de mim, numa determinação tranquila: - Estou aqui para lutar e, por estranho que pareça, havia alegria em cada gesto seu. Achei nele o medo também, mais do que o medo, o terror e, ao mesmo tempo que o terror, a coragem e a esperança.
A extraordinária delicadeza e atenção dos médicos, dos enfermeiros, comoveu-me. Tropecei no desespero, no malestar físico, na presença da morte, na surpresa da dor, na horrível solidão da proximidade do fim, que se me afigura de uma injustiça intolerável. Não fomos feitos para isto, fomos feitos para a vida. O cabelo cresce-me de novo, acho-me, fisicamente, como antes, estou a acabar o livro e o meu pensamento desvia-se constantemente para a voz de um homem no meu ouvido - Acabar a tese de doutoramento, acabar a tese de doutoramento, acabar a tese de doutoramento - porque não aceito a aceitação, porque não aceito a crueldade, porque não aceito que destruam companheiros. A rapariga com a peruca no braço da cadeira. O senhor que não olhava para ninguém, olhava para o vazio. Ali, na sala de quimioterapia, jamais escutei um gemido, jamais vi uma lágrima. Somente feições sérias, de uma seriedade que não topei em mais parte alguma, rostos com o mundo inteiro em cada prega, traços esculpidos a fogo na pele. Vi morrer gente quando era médico, vi morrer gente na guerra, e continuo sem compreender. Isso eu sei que não compreenderei. Que me espanta. Que me faz zangar. Abrace-me porque é o último abraço que me dá: é uma frase que se entenda, esta? Morreu há muito pouco tempo. Foda-se. Perdoem esta palavra mas é a única que me sai. Foda-se. Quando eu era pequeno ninguém morria. Porque carga de água se morre agora, pelo simples facto de eu ter crescido? Morra um homem fique fama, declaravam os contrabandistas da raia. Se tivermos sorte alguém se lembrará de nós com saudade. De mim ficarão os livros. E depois? Tolstoi, no seu diário: sou o melhor; e depois? E depois nada porque a fama é nada.
O que é muito mais do que nada são estas criaturas feridas, a recordação profundamente lancinante de uma peruca de mulher num braço de cadeira. Se eu estivesse ali sozinho, sem ninguém a ver-me, acariciava uma daquelas madeixas horas sem fim. No termo das sessões de quimioterapia as pessoas vão-se embora. Ao desaparecerem na porta penso: o que farão agora? E apetece-me ir com eles, impedir que lhes façam mal: - Abrace-me porque talvez não seja o último abraço que me dá.
Ao M. foi. E pode afigurar-se estranho mas ainda o trago na pele. Durante quanto tempo vou ficar com ele tatuado? O lugar onde, até hoje, senti mais orgulho em ser pessoa foi o Serviço de Oncologia do Hospital de Santa Maria onde a dignidade dos escravos da doença os transforma em gigantes, onde só existem, nas palavras do Luís, Heróis.
Onde só existem Heróis. Não estou doente agora. Não sei se voltarei a estar. Se voltar a estar, embora não chegue aos calcanhares de herói algum, espero comportar-me como um homem. Oxalá o consiga. Como escreveu Torga o destino destina mas o resto é comigo. E é. Muito boa tarde a todos e as melhoras: é assim que se despedem no Serviço de Oncologia. Muito boa tarde a todos e até já, mesmo que seja o último abraço que damos."

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

O Homem, a Vida e a inevitabilidade da Morte

Alguns amigos suscitaram-me uma reflexão especial que aqui vos deixo. Sobre a vida e a morte. 
Quem não experimentou já a doce tentação de procurar outra vida na morte? Feitos à imagem de Deus, segundo o conceito do Génesis, o direito à felicidade surge como uma emanação desse Deus de amor joanino. Porque hei-de não ter tudo nesta vida se a outra me trará a plenitude que desejo? "O que está preparado para morrer não receia a morte, qualquer que seja, ainda que venha de improviso". (Sto Agostinho)
Por outro lado, a antevisão (ou diria mesmo, a experimentação) da morte pode fazer com que mudemos a nossa vida, como que iniciaticamente, encetando novas atitudes e comportamentos, porque,  a final, ante a visão da morte percebemos o valor inexcedível da vida, tal como a conhecemos e concebemos. “Imaginai que estais vendo uma pessoa que acaba de exalar o último suspiro; considerai esse cadáver deitado ainda no leito, com a cabeça pendida sobre o peito, os cabelos em desalinho banhados ainda nos suores da morte, os olhos encovados, as faces descarnadas, o rosto acinzentado, a língua e os lábios cor de ferro... o corpo frio e pesado. Empalidece e treme quem quer que o vê. Quantas pessoas, à vista de um parente ou de um amigo morto, não mudaram de vida e não deixaram o mundo! (Santo Afonso Maria Ligório)
E que espécie de vida (a havê-la) encontraremos do outro lado? São Francisco de Assis disse: “Louvado sejas, meu Senhor, Por nossa irmã a Morte corporal, Da qual homem algum pode escapar. Ai dos que morrerem em pecado mortal! Felizes os que ela achar Conformes à tua santíssima vontade, Porque a morte segunda não lhes fará mal! Louvai e bendizei ao meu Senhor, E dai-lhe graças, E servi-o com grande humildade.” A que "morte segunda" se refere e porque é que esta não nos fará mal? 
Sartre tentou perceber n'“A Náusea”, a própria existência como um absurdo porque, embora se tenha projetos, sonhos e aspirações, temos também essa consciência da morte, então porque se há-de procurar tão avidamente atingir essa felicidade se um dia deixarei de existir? A existência não tem razões, nem explicações, ela não se justifica por si mesma. Para Sartre, foi o homem que criou Deus e, por isso, já que nele o homem concebe o absoluto, a sua natureza jamais O alcançará. A existência não seria a necessidade de estar vivo mas a de simplesmente estar presente.
E eis a questão: “Sobrevivemos à morte?”
“Porque o salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor." Romanos 6:23. Que vida eterna é essa? A de uma existência desmaterializada mas, ainda assim, vivenciada? Seja qual for a resposta a que cheguemos, e lembrando Mandela, diria que: “A morte é inevitável. Quando um homem fez o que considera seu dever para com seu povo e seu país, pode descansar em paz. Acredito ter feito esse esforço, e é por isso, então, que dormirei pela eternidade” - Nelson Mandela
Melhor ainda é a visão de Manuel Bandeira: "O HOMEM E A MORTE - O homem já estava deitado Dentro da noite sem cor. Ia adormecendo, e nisto À porta um golpe soou. Não era pancada forte. Contudo, ele se assustou, Pois nela uma qualquer coisa De pressagio adivinhou. Levantou-se e junto à porta - Quem bate? Ele perguntou. - Sou eu, alguém lhe responde. - Eu quem? Torna. – A Morte sou. Um vulto que bem sabia Pela mente lhe passou: Esqueleto armado de foice Que a mãe lhe um dia levou. Guardou-se de abrir a porta, Antes ao leito voltou, E nele os membros gelados Cobriu, hirto de pavor. Mas a porta, manso, manso, Se foi abrindo e deixou Ver – uma mulher ou anjo? Figura toda banhada De suave luz interior. A luz de quem nesta vida Tudo viu, tudo perdoou. Olhar inefável como De quem ao peito o criou. Sorriso igual ao da amada Que amara com mais amor. - Tu és a Morte? Pergunta. E o Anjo torna: - A Morte sou! Venho trazer-te descanso Do viver que te humilhou. -Imaginava-te feia, Pensava em ti com terror... És mesmo a Morte? Ele insiste. - Sim, torna o Anjo, a Morte sou, Mestra que jamais engana, A tua amiga melhor. E o Anjo foi-se aproximando, A fronte do homem tocou, Com infinita doçura As magras mãos lhe cerrou... Era o carinho inefável De quem ao peito o criou. Era a doçura da amada Que amara com mais amor." 
É um poema maravilhoso que retrata aquela primeira visão da morte a que estamos habituados, o pavor de morrer. Ele não quer abrir a porta ao terrível esqueleto, pelo contrário, refugia-se no leito, negando a morte, recolhendo-se no seu refúgio e conforto. E surpreende-se, finalmente, quando percebe que a morte não é tão terrível quanto supunha. E lá esta ela representada por uma doce mulher, um anjo, quase a imagem de uma mãe, trazendo conforto, carinho e paz por confronto com a vida "passada". Como se os extremos do sentimento com relação à morte pudessem confluir. 
A morte pode até ser as duas coisas ao mesmo tempo. Algo que traz medo pela dissolução e pelo desconhecido, mas inevitável. E se nessa inevitabilidade formos capazes de ver a mãe ou a avó (ou o anjo) que se foram e que nos deram calor e colo, essa segunda imagem dá-nos o refúgio acomodado e sereno para a certeza da vinda da morte.
A morte pode entrar na vida, ou porque a procuramos nós mesmos ou porque ela nos procura. A intensidade do sofrimento e da dor da perda da vida talvez dependa da imagem que cultivemos da morte: a de um anjo negro ou a de um anjo branco. E se for para cairmos nos braços de uma mãe ou de uma avó, pode mesmo a morte vir a ser a melhor vida que já tivemos. Anabela Melão

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Sobre a hipocrisia dos falsos lobos e dos falsos cordeiros ....

A hipocrisia fede quando alimentada pelo desejo de se sobrepor ao outro que o hipócrita entende atravessar o seu caminho. A sentença filosófica Hobbesiana ("Omini Lupus Omini" - "O homem é o lobo do homem") demonstra bem como a hipocrisia se instala por dentro e por fora do hipócrita. "Lobo na pele de cordeiro" é um lema que hoje se inverteu na "hipocrisia do bem" - "O cordeiro na pele de lobo" dá-se particularmente bem na habilidade de sobrevivência no sistema corrupto e cruel, adequando-se ao pensamento e ao comportamento da maioria, de maneira mais ou menos disfarçada, como uma capa protetora identitária, que o hipócrita, habilidosamente retira no momento certo e específico, assim convertendo ora o lobo em cordeiro ora o cordeiro em lobo. Porém, basta uma pequena brecha, um pequeno descuido, para que se revele a sua verdadeira identidade, e, em segundos, iluminar o lobo solitário, cansado da sua própria farsa. A hipocrisia é a hipocrisia, numa concepção maniqueísta entre bem e mal ou não, uma preparada máscara de aparência fingidora, que se importa com o belo fútil que se corrompe e é finito. O hipócrita é acomodado com as facilidades proporcionadas pelo mero facto de o ser, evitando assim os esforços e sacrifícios exigidos aos que não se vestem com a mesma pele, chegando facil e inusitadamente aonde quer. O lobo luta por si só e usa os outros, suga as energias dos que não são seus interpares, força os outros a para trabalhar para ele e, sobretudo, a trabalhar para os seus próprios objectivos, limitando-se a esperar, acomodado. Já o cordeiro disfarçado de lobo protege-se do mal com o mal, não significa que ele pratica o mal, ele finge, assim como o lobo finge praticar o bem. Retomando a questão: é preciso caracterizar a hipocrisia numa concepção maniqueísta entre o bem e o mal? Perceber o que é do bem e o que é do mal, é muito relativo e até dogmático. Se seguirmos a frase hobbesiana: "o homem é o lobo do homem", pode-se, num certo momento ser o lobo e noutro momento ser o cordeiro, consoante mais convenha, pelo que é a relatividade do momento que pontua o sentido da hipocrisia. A única coisa que importa é que, independentemente do momento e das conveniências, recusemos a ser, quer o lobo quer o cordeiro, mas apenas e tão-somente nós próprios, uma parta nossa de lobo e outra parte nossa de cordeiro, mas ambas nossas. Sem perder a coluna, a alma, e, sobretudo, sem perder a vergonha. (AM)

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

O valor facial da mentira "política" - Ferreira Fernandes

Sobre o valor facial da mentira, Por Ferreira Fernandes

UM PROFESSOR do Laboratório de Expressão Facial da Emoção, da Universidade Fernando Pessoa, no Porto, vai propor que o próximo Código Penal permita a análise das expressões faciais nos inquéritos da polícia. Ele diz que os interrogatórios de suspeitos deveriam ser filmados, para que os especialistas possam separar a verdade da mentira: "Na face vê-se tudo", garante. Enfim, o "Lie to Me" a passar do canal Fox para a PJ.
Nada contra, e até simpatizo com a iniciativa do professor que faz pela vida (vai fornecer a lista de peritos que as polícias vão precisar). O que não entendo é a pouca ambição na escolha do nicho de mercado.
Já o patrono da universidade do professor - Fernando Pessoa ("O poeta é um fingidor./ Finge tão completamente, etc.")... - se tinha dedicado às mentirinhas de um grupo social irrelevante. O professor eleva a fasquia dos candidatos a analisar, os criminosos (mais numerosos e com maior impacto social que os poetas), mas mesmo assim a léguas das preocupações actuais dos portugueses. Hoje, estes o que queriam era meter a análise das expressões faciais não no Código Penal, mas no Código Eleitoral.
Por exemplo, quando um político em campanha diz que não mexe nos subsídios, no caso de ser promessa vã, topa-se na face? Levanta as sobrancelhas? Gira os olhos? Passa a mão na melena?...
"Na face vê-se tudo", garante o professor. Chamou-nos ceguinhos. «DN» de 18 Out 11

Indignados, ainda e sempre - Baptista-Bastos

Sobre os "indignados", por Baptista-Bastos (trago de novo pela sua actualidade)
"TUDO INDICA que o capitalismo está sem resposta para os desafios que lhe estão a surgir, um pouco por todo o lado. (...) O empreendimento totalitário do "mercado" começa a fazer emergir novas formas de cidadania, com o pessoal mais novo a repegar nas bandeiras dos seus pais e a dar um outro sentido à resistência ideológica. Os turiferários do sistema podem esbracejar contra o movimento geral de protesto, alegando que o capitalismo tem sempre encontrado formas de se renovar, mas os seus argumentos não passam de autolimitações de recurso. A verdade é que os sinais são facilmente apreensíveis e negar ou contornar esta recomposta versão da luta de classes é tapar o sol com a peneira.
Sempre que nos mobilizamos estamos a decidir. E, lentamente embora, tudo induz a uma mudança considerável de mentalidades. Os mais jovens, sendo os porta-vozes do descontentamento generalizado, não se contentam com ser sujeitos passivos daquilo que lhes impõem. Os modernos mecanismos de informação e de relação uns com os outros representam uma etapa importante dos laços sociais, reatados, com outros métodos, após décadas de manipulação e de propaganda.
A verdadeira dimensão da acção dos "indignados" é, ainda, imprevisível e, acaso, não imaginável quanto aos resultados finais; no entanto, a própria distribuição assimétrica do protesto admite o renascimento de uma certa forma de convívio. Ora, o poder sempre combateu a convivialidade para discricionariamente governar, mesmo em democracia.
Algumas débeis adaptações que o capitalismo tem feito às exigências históricas nasceram das acções conjuntas dos "indignados" dessas épocas. O "equilíbrio pelo terror", da guerra-fria, permitia algumas cedências, e uma confortável estabilização das classes trabalhadoras. A implosão do "socialismo real" e a queda do Muro inverteram, ou subverteram, como se queira, o estado de coisas. Esta situação concebeu um desafio ético, que o capitalismo ignora e espezinha, como se está duramente a ver. A ausência de discussão e de debate, a ascensão de uma Direita integrista e intolerante criaram um vácuo insuportável, a que a Esquerda não soube ou não quis dar resposta, por inércia, incompetência e traição.
Os "indignados" emergem, inorganicamente, à margem dos partidos e das organizações sindicais, pela simples razão de que não se sentem representados nem defendidos. Este tipo de iniciativas, sem fórmulas nem linhas regulamentadas, pode fazer despertar os nossos adormecimentos e as nossas fatigadas indiferenças. E repor em causa as origens dos poderes que dominam os valores morais, e nos causam desgraça, infelicidade e medo." «DN» de 19 Out 11

"Nem tudo é economia!" - Baptista-Bastos

Relembro, porque continua pertinente o artigo "Nem tudo é economia!", do Baptista-Bastos
"QUE NOS aconteceu para nos acontecer esta gente? Claro que esta gente é a soma de numerosas parcelas de indigência política, que fomos adicionando a uma espécie de esperança renovada de cada vez que o Governo mudava. Tínhamos perdido a fé na ideologia, negligenciando que outra ideologia seria a substituta da que perdêramos. Fé. Isso mesmo. Entráramos nos domínios do irracional. A consciência das nossas derrotas acentuou o oportunismo de muitos. Sabemos quem são. Estão nos jornais, nas televisões, nas grandes empresas, na política. O geral está subordinado ao individual, e implica que os comportamentos ou o escrúpulo de cada um sejam determinados pelas rígidas referências da nova ideologia.
Olhamos para esta gente, lemos e ouvimos o que esta gente diz e, com nitidez crescente, percebemos que a deriva das suas impreparações chega a ser criminosa. Fazem, decidem, ordenam, desconhecendo, ignorando ou descurando os resultados. Subsiste uma relação pouco estruturada, e por isso mesmo mais perigosa, com um nacionalismo rudimentar. A expressão da actividade governativa reflecte o que se passa na Europa do Partido Popular. O predomínio da Direita e da Extrema-Direita espelha-se na prática do Executivo de Passos Coelho. Só não vê quem não quer ver ou não lhe interessa ver.
Os diversos sectores da sociedade portuguesa estão a ser atingidos por uma ordem "reformista", que tende a ocupar todo o espaço de definição política. Não há "reforma" nenhuma: apenas se manifesta a vontade de uma regressão, que caracteriza a lógica da subordinação política à finança e à economia. Nem tudo é economia, como persistentemente no-lo impingem. Há valores que a economia espezinha, através de um diferencialismo que alimenta a exclusão, a dualização socioeconómica e, por consequência, o desemprego e todo o cortejo de misérias. Passos Coelho não só obedece à cartilha como a ultrapassa em zelo e solicitude.
Estamos numa situação social e política muito delicada e perigosa. A teoria do quero, posso e mando não conduz a soluções viáveis; momentaneamente pode, acaso, resultar, mas apenas momentaneamente. Inculcam-nos a ideia de que não há alternativa. A salvaguarda da nossa saúde mental impele-nos a contrariar esta tese. Em nada, em nenhuma actividade humana há, somente, uma saída. Outras alternativas teriam de nos ser apresentadas. Mas essa ausência de propostas também faz parte da lógica do sistema.
Já o escrevi e repito-o: Pedro Passos Coelho abriu a caixa de Pandora e não sabe, nem pode, voltar a fechá-la. Curiosamente, ele é, a um tempo, refém das resoluções que toma e da surpresa que elas lhe provocam, por conduzirem à desagregação social. Um processo de desestruturação está em marcha. Temos força e convicções para o fazer parar? Eis a questão." «DN» de 26 Out 11

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Esperança gramatical (Ricardo Araújo Pereira conjuga o verbo falir)

Esperança gramatical (Ricardo Araújo Pereira conjuga o verbo falir)
E quando o leitor pensava que já tinha ouvido tudo acerca da crise, de repente fica a saber que, gramaticalmente, é muito difícil que Portugal vá à falência. 
E, enquanto for gramaticalmente impossível, eu acredito. Justifico esta ideia com a seguinte teoria fascinante: normalmente, considera-se que o verbo falir é defectivo.
Significa isto que lhe faltam algumas pessoas, designadamente a primeira, a segunda e a terceira do singular, e a terceira do plural do presente do indicativo, e todas as do presente do conjuntivo. Não se diz “eu falo”, “tu fales”, nem  “ele fale”. Não se diz “eles falem”. Todos os modos e tempos verbais do verbo falir se admitem, com excepção de quatro pessoas do presente do indicativo e todo o presente do conjuntivo.
Em que medida é que isto são boas notícias? O facto de o verbo falir ser defectivo faz com que, no presente, nenhum português possa falir. Não é possível falir, presentemente, em Portugal.
“Eu falo” é uma declaração ilegítima. Podemos aventar a hipótese de vir a falir, porque “eu falirei” é uma forma aceitável do verbo falir. E quem já tiver falido não tem salvação, porque também é perfeitamente legítimo afirmar: “eu fali”. Mas ninguém pode dizer que, neste momento, ”fale”. Acaba por ser justo que o verbo falir registe estas falências na conjugação. Justo e útil, sobretudo em tempos de crise. Basta que os portugueses vivam no presente – que, além do mais, é dos melhores tempos para se viver – para que não “falam” (outra conjugação impossível). Não deixa de ser misterioso que a língua portuguesa permita que, no passado, se possa ter falido, e até que se possa vir a falir, no futuro, ao mesmo tempo que inviabiliza que se “fala”, no presente. Se eu nunca “falo”, como posso ter falido? Se ninguém “fale”, porquê antever que alguém falirá? Talvez a explicação esteja nos negócios de import/export. Nas outras línguas, é possível falir no presente, pelo que os portugueses que têm negócios com estrangeiros podem ver-se na iminência de falir. Mas basta que os portugueses não falem (do verbo falar, não do verbo falir) acerca de negócios com estrangeiros para que não ”falam” (do verbo falir, não do verbo falar).
Eu tenho esse cuidado, e por isso não falo (do verbo falir e do verbo falar). Bem sei que o prof. Rodrigo Sá Nogueira, assim como outros linguistas, se opõe a que o verbo falir seja considerado defectivo. Mas essa é uma posição que tem de se considerar antipatriótica. É altura de a gramática se submeter à economia. Tudo o resto já se submeteu.

"Precisa-se de matéria prima para construir um País" - Eduardo Prado Coelho

Recordo pela sua pertinente actualidade este artigo do Eduardo Prado Coelho. "Precisa-se de matéria prima para construir um País", Eduardo Prado Coelho - in Público
A crença geral anterior era de que Santana Lopes não servia, bem como Cavaco, Durão e Guterres.
Agora dizemos que Sócrates não serve.  
E o que vier depois de Sócrates também não servirá para nada. 
Por isso começo a suspeitar que o problema não está no trapalhão que foi Santana Lopes ou na farsa que é o Sócrates.  
O problema está em nós. Nós como povo.
Nós como matéria-prima de um país. 
Porque pertenço a um país onde a ESPERTEZA é a moeda sempre valorizada, tanto ou mais do que o euro. 
Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família baseada em valores e respeito aos demais.
Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais  
poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nos passeios onde se paga por um só jornal E SE TIRA UM SÓ JORNAL, DEIXANDO-SE OS DEMAIS ONDE ESTÃO.
Pertenço ao país onde as EMPRESAS PRIVADAS são fornecedoras particulares dos seus empregados pouco honestos, que levam para casa, como se fosse correcto, folhas de papel, lápis, canetas, clips e tudo o que possa ser útil para os trabalhos de escola dos filhos... e para eles mesmos.
Pertenço a um país onde as pessoas se sentem espertas porque
conseguiram comprar um descodificador falso da TV Cabo, onde se frauda a declaração de IRS para não pagar ou pagar menos impostos.
Pertenço a um país: 
-Onde a falta de pontualidade é um hábito; 
-Onde os directores das empresas não valorizam o capital humano. 
-Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e, depois, reclamam do governo por não limpar os esgotos. 
-Onde pessoas se queixam que a luz e a água são serviços caros. 
-Onde não existe a cultura pela leitura (onde os nossos jovens dizem que é 'muito chato ter que ler') e não há consciência nem memória política, histórica nem económica. 
-Onde os nossos políticos trabalham dois dias por semana para aprovar projectos e leis que só servem para caçar os pobres, arreliar a classe média e beneficiar alguns.
Pertenço a um país onde as cartas de condução e as declarações médicas podem ser 'compradas', sem se fazer qualquer exame.
-Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no autocarro, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não lhe dar o lugar.
-Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o peão.
-Um país onde fazemos muitas coisas erradas, mas estamos sempre a criticar os nossos governantes.
Quanto mais analiso os defeitos de Santana Lopes e de Sócrates,  
melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem corrompi um guarda de trânsito para não ser multado. 
Quanto mais digo o quanto o Cavaco é culpado, melhor sou eu como português, apesar de que ainda hoje pela manhã explorei um cliente que confiava em mim, o que me ajudou a pagar algumas dívidas.
Não. Não. Não. Já basta. 
Como 'matéria prima' de um país, temos muitas coisas boas,  
mas falta muito para sermos os homens e as mulheres que o nosso país precisa.
Esses defeitos, essa 'CHICO-ESPERTERTICE PORTUGUESA' congénita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até se converter em casos escandalosos na política, essa falta de qualidade humana, mais do que Santana, Guterres, Cavaco ou Sócrates, é que é real e honestamente má, porque todos eles são portugueses como nós,  ELEITOS POR NÓS. Nascidos aqui, não noutra parte...
Fico triste. 
Porque, ainda que Sócrates se fosse embora hoje, o próximo que o suceder terá que continuar a trabalhar com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. 
E não poderá fazer nada...
Não tenho nenhuma garantia de que alguém possa fazer melhor,  
mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a  
erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá. 
Nem serviu Santana, nem serviu Guterres, não serviu Cavaco,  nem serve Sócrates e nem servirá o que vier.
Qual é a alternativa ? 
Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei  
com a força e por meio do terror ?
Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa 'outra coisa' não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados... igualmente abusados !
É muito bom ser português. Mas quando essa portugalidade autóctone começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, então tudo muda... 
Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam um messias. 
Nós temos que mudar. Um novo governante com os mesmos portugueses nada poderá fazer. 
Está muito claro... Somos nós que temos que mudar.
Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda a acontecer-nos:Desculpamos a mediocridade de programas de televisão nefastos e, francamente, somos tolerantes com o fracasso. 
É a indústria da desculpa e da estupidez.
Agora, depois desta mensagem, francamente, decidi procurar o responsável, não para o castigar, mas para lhe exigir (sim, exigir) que melhore o seu comportamento e que não se faça de mouco, de desentendido.
Sim, decidi procurar o responsável e ESTOU SEGURO DE QUE O ENCONTRAREI  QUANDO ME OLHAR NO ESPELHO. AÍ ESTÁ. NÃO PRECISO PROCURÁ-LO NOUTRO LADO.
E você, o que pensa ?... MEDITE !"

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

O olhar de Miguel Veiga sobre "este" PDS!

"Quem fez o Passos Coelho primeiro-ministro? Uns tipos do piorio, que existem em Portugal. Um é Miguel Relvas, o outro é Marco António. Andaram durante um ano e meio a bater as distritais para angariar votos. A realidade é esta. Quem está no poder é o aparelho [não o PSD], quanto a isso não há dúvida. Encontra algum social-democrata no Governo? Nem um. Estes tipos não têm convicções. Simplesmente não têm uma ética de convicções e, portanto, não têm uma ética de responsabilidade. Querem o poder pelo poder. Estão centralizados, incrustados e vivem num regime de sucessão eterna, quase dinástico, que se torna opressivo e do mais fechado que há. O regime é auto-fágico. Vão-se reproduzindo e é como um panzer. Levam tudo à frente. (...) Vejam o que fizeram à Manuela Ferreira Leite e ao Pacheco Pereira. Todos expurgados, considerados inimigos. Fecharam as portas do partido e ninguém lá entra. (...) Estes que lá estão não são os homens de Estado. São políticos do aviário." - Miguel Veiga (em 1974, ao lado Francisco Sá Carneiro, Magalhães Mota, Pinto Balsemão e outros, foi um dos fundadores do Partido Popular Democrático (hoje PSD))

Portugal, um País nu - nas palavras de Eduardo Lourenço

"Portugal é, neste momento, um país nu. Quer dizer, um país nem nenhum álibi histórico, entrincheirado na sua confinada faixa atlântica, sem possibilidades de sonhar outro sonho que não o seu próprio, caseiro. Nós passámos séculos a fugir de nós mesmos enquanto apenas portugueses. Fuga simultaneamente estelar e criadora que não nos permitiu nunca que nos encontrássemos connosco mesmos. Fomos sempre outros. Essa fuga é agora impossível. Chegou a hora desse encontro secularmente adiado para o qual ninguém sabe até que ponto estamos colectivamente preparados. Uma das tentações que nos espreita é de novo a invenção de mitos, de esquemas orientadores, destinados a superar imaginariamente os obstáculos inevitáveis de o nosso longo passado de irrealismo histórico e político acumulou. A nossa aventura histórica é a de um povo que viveu sempre em bicos de pés, , acima das suas possibilidades reais, esperando tudo de milagres que às vezes aconteciam, de dons sebastiões e de caldos de portaria, a ponto de converter esta existência pícara em segunda natureza. Quando os desastres aconteceram, descobriu-se-les logo o antídoto, criando a especialidade lusitana por excelência de transfigurar os alcáceres-quibires reais em aljubarrotas fictícias. O espaço para estes jogos e miragens históricas desapareceu, sumiu, como dizem os brasileiros, com a supressão dos horizontes quiméricos do nosso pseudo-imperialismo. Encurralados na nossa autêntica realidade, não podemos nem devemos procurar saídas que continuem a ser, como sempre foram as nossas, "portas pintadas na parede". Temos de ajustar-nos ao que realmente somos e podemos para a partir daí construirmos um Portugal possível e não uma quimera. O que somos é considerável e nada desprezível, como nos grandes momentos de realismo e unanimismo pátrio o provámos. E o que podemos, se soubermos adequar os meios de que dispomos à invenção do país possível, permite a esperança de dominar o desafio incomum que a situação actual e a nossa aposta histórica requerem. Mas é perfeitamente inócuo e nocivo recriar sob outra roupagem novos "orgulhosamente sós", ou exaltar-se com o pavor suposto ou efectivo que inspiramos neste momento a um "certo mundo" como demagogos em delírio apregoam." Eduardo Lourenço, Expresso, 03-05-1975

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Maçonaria e o "drama social" actual. Impõe-se Intervir!

Comungo das palavras do Past Grão Mestre do Grande Oriente Lusitano (GOL), António Arnaut, ao afirmar que não entende o silêncio da maçonaria perante o “drama social que estamos a viver”, defendendo que as ordens maçónicas devem “realmente intervir” contra “este capitalismo opressivo”. Não compreende porque a maçonaria não se recusa ao papel de “cúmplice” e não se manifesta publicamente contra “este capitalismo opressivo”. “Todos aqueles que sentem o povo e a Pátria não podem ficar calados, sob pena de serem cúmplices do drama social que estamos a viver”, disse. O GOL “devia realmente intervir” e condenar publicamente “este capitalismo opressivo”, tal como as restantes ordens maçónicas. “A maçonaria devia ter dito aquilo que disse o Papa Francisco: o neoliberalismo faz os fortes mais fortes, os fracos mais fracos e os excluídos mais excluídos”, complementou. Tanto mais porque “trata-se de uma intervenção no plano dos direitos humanos, da dignidade do homem e da própria defesa da identidade e da soberania da Pátria”, mas a maçonaria tem abdicado desse papel: “devia ter uma palavra e tem estado calada. Devia fazer alguma coisa. Devia realmente utilizar os instrumentos do ofício: a régua e o esquadro, que significam a retidão e a justiça, e o compasso, que significa o livre pensamento e a liberdade”. “Chegámos a este ponto mais por culpa dos socialistas, dos social-democratas e democratas-cristãos do que propriamente dos neoliberais”, acusou o ex-grão-mestre, que denunciou “os que passaram para o neoliberalismo, que se venderam”. Estas são algumas das ideias do seu novo livro “Iluminuras - Adágios, incisões e reflexões”.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Todos os Irmãos, de Todas as Religiões, em Todo Mundo, Unidos!

Nos Vedas, sobre a harmonia das religiões, lê-se: “A Verdade é uma; os sábios a chamam por nomes diversos”. Este sentimento ecuménico que fomenta a união, nos corredores do tempo, de pessoas iluminadas de diferentes religiões, em diferentespartes do mundo, é bem claro na resposta do pensador romano Quintus Aurelius Symmachus a Santo Ambrósio, o dogmático bispo de Milão:“O cerne de tão grande mistério”, que teria dito Symmachus, “jamais poderia ser atingido seguindo-se apenas uma estrada”. E Ibn’Arabi, o grande místico sufi do século XIII, escreveu no Tarjuman al-Ashwaq (A Interpretação do Amor Divino): "Meu coração é capaz de toda forma Clausura para o monge Templo para ídolos Pasto para gazelas A Caaba do devoto As tábuas do Torá O Corão O amor é meu credo Não importa em que direção Ele conduz os meus camelos O Amor ainda será Meu credo e minha fé." Igualmente, Apuleius, o filósofo platónico do século II, tinha a firme convicção de que o Divino era “adorado através do mundo, de diversas maneiras, segundo costumes variáveis e sob múltiplos nomes”. Lembrando, afinal, que "Cada irmão é diferente. Sozinho acoplado a outros sozinhos." (Carlos Drummond de Andrade, in 'Boitempo')

O que não fica em "segredo" do "segredo de (in)Justiça)!

Ainda em resposta à iniciativa da Procuradoria-Geral da República sobre o segredo de justiça, em que a PGR pretende ouvir os grupos profissionais ligados ao sector judiciário, ao estudo do Direito, à investigação criminal e à comunicação social, a formulação de algumas perguntas foi mal recebida. Pelo questionário - que tem um núcleo-base de perguntas, variando consoante a classe profissional ouvida -, quer-se saber em que circunstâncias deve ser decretado o segredo de justiça e que valores deve proteger, e pedem-se sugestões de medidas para prevenir as infracções. Pelo meio, porém, pergunta-se ao destinatário se "alguma vez teve conhecimento pessoal de uma dessas situações" (de violação de segredo de justiça), se "pode identificar os processos" e "os autores". António Marinho E Pinto disse já que "Os responsáveis pelo processo onde haja violação do segredo de justiça devem ser objecto de averiguação imediatamente. Finalmente alguém toma uma iniciativa para pôr cobro a esta farsa em que está transformada a Justiça, permanentemente a atirar lama para a dignidade das pessoas nos órgãos de informação". Paulo Saragoça da Matta diz que a auditoria da PGR faz lembrar uma velha máxima: "É preciso fazer alguma coisa, para que tudo fique na mesma. Ou seja, haver ou não inquérito é irrelevante para o que é realmente importante: tornar excepcionais as violações de segredo de justiça, até porque já são excepcionais os casos de existência de segredo de justiça". "Tenciono responder, menos àquelas duas perguntas, em que se pedem explicitações relacionadas com a minha vida profissional", diz Ricardo Sá Fernandes. Alfredo Maia, presidente do Sindicato dos Jornalistas, diz que ainda vai analisar o pedido, mas tem uma certeza: "Não responderei àquelas duas perguntas". "Parece uma caça às bruxas. Em que é que isto vai melhorar a situação da Justiça? E numa altura em que tantas alterações estão em curso na Justiça, isto pode contribuir para criar mais conflitos e desconfiança no sector", comenta Fernando Jorge, presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais.
Ora tudo isto me faz lembrar que "Aqui importa-se tudo. Leis, ideias, filosofias, teorias, assuntos, estéticas, ciências, estilo, modas, maneiras, pilhérias, tudo vem em caixotes pelo paquete. A civilização custa-nos caríssimo, com os direitos de Alfândega: e é em segunda mão, não foi feita para nós, fica-nos curta nas mangas..." - Eça de Queiroz, in Os Maias

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Sempre a pedagogia dos oprimidos a falar mais alto ---- Escolas públicas, ainda, e Crato.

Relendo A Pedagogia dos Oprimidos, de Paulo Freire ...
Quando Paulo Freire estava no exílio no Chile nos anos 60, estabeleceu o seguinte diálogo com alguns camponeses:
"Depois de alguns momentos de bom debate como um grupo de camponeses o silêncio caiu sobre nós e nos envolveu a todos. O discurso de um deles foi o mesmo. A tradução exacta do discurso do camponês chileno que ouvira naquele fim da tarde.
— Muito bem — disse-lhes eu. — Eu sei. Vocês não sabem. Mas por que é que eu sei e vocês não sabem?
Aceitando o seu discurso, preparei o terreno para minha intervenção. A vivacidade brilhava em todos. De repente a curiosidade se acendeu. A resposta não tardou.
— O senhor sabe porque é doutor. Nós, não.
— Exacto, eu sou doutor. Vocês não. Mas, por que eu sou doutor e vocês não?
— Porque foi à escola?
— Porque seu pai pôde mandar o senhor à escola. O nosso, não.
— E por que os pais de vocês não puderam mandar vocês à escola?
— Porque era camponês?
— É não ter educação, posses, trabalhar de sol a sol sem direitos, sem esperança de um dia melhor.
— E porque ao camponês falta tudo isso?
— Porque Deus quer.
— E quem é Deus?
— É o Pai de nós todos.
— E quem é pai aqui nesta reunião?
Quase todos de mão para cima, disseram que o eram. Olhando o grupo todo em silêncio, fixei-me num deles e perguntei-lhe:
— Quantos filhos você tem?
— Três.
— Você seria capaz de sacrificar dois deles, submetendo-os a sofrimento para que o terceiro estudasse, com vida boa no Recife? Você seria capaz de amar assim?
— Não.
— Se você — disse eu —, homem de carne e osso, não é capaz de fazer uma injustiça dessa, como é possível entender que Deus o faça? Será mesmo que Deus é o fazedor dessa coisa?
Um silêncio diferente, completamente diferente do anterior, um silêncio no qual algo começava a ser partilhado. Em seguida:
— Não. Não é Deus o fazedor de tudo. É o patrão!

A humilhação da classe docente - a perspectiva de uma professora emigrada


A humilhação da classe docente, por Isabel Rodrigues, DN Opinião
"Acordei indignada! Não, indignada não é a palavra mais adequada. Talvez, chocada, envergonhada, incrédula, sejam adjectivos mais representativos daquilo que senti numa manhã desta semana, quando, ainda na cama, lia as notícias sobre Portugal. E pergunta o leitor o porquê da minha indignação, se o que abunda no país são vozes de indignação! Passo a explicar. Estou fora do país há cerca de nove meses e como tal faço os possíveis por acompanhar de perto, ou pelo menos o mais perto que me é possível, a situação e assuntos do país. E acreditem que indignação é coisa que não tem faltado quando se trata de ver o que se passa em Portugal.
Mas esta semana foi a gota de água. Pelo menos para mim. Estando atentos e fazendo as contas, pode o leitor pensar que sou mais uma daquelas jovens que seguiu o conselho do nosso primeiro-ministro e emigrou.
Pois bem, não foi bem assim. Emigrei, é certo, até já tinha pensado em fazê-lo anteriormente, mas a realidade é que foi a paixão pelo ensino que me impediu de fazer as malas mais cedo e partir.
Foi preciso uma paixão maior, para me fazer mudar de ideias. As coisas do coração são assim. Já dizia o dito popular que o amor surge quando menos esperamos e leva-nos para onde nunca imaginámos.
E foi desta forma que uma professora de História, com 30 anos, com oito anos de tempo de serviço, veio parar a Oslo.
Agora que já me apresentei, posso explicar o porquê da minha indignação: o estado do ensino em Portugal. Mas sinceramente nem sei muito bem por onde começar.
Pelas políticas economicistas que no início dos últimos anos lectivos têm afastado milhares de docentes das escolas; dos financiamentos públicos às escolas privadas; do atabalhoamento com que o país é brindado todos os inícios de anos lectivos; da precariedade profissional da classe docente, do achincalhamento de que é alvo, da culpabilização dos professores pelos maus resultados dos alunos nos exames; da burocratização que o ensino se tornou, que quase impede o professor de fazer aquilo que realmente gosta e o realiza: ensinar?
Não fartaria pano para mangas, pois qualquer um destes assuntos daria muito que falar. Mas a minha última indignação é mesmo a prova de avaliação de competências que os docentes contratados terão de realizar a 18 de dezembro.
Manobra de encaixe financeiro para uns, humilhação da classe docente para outros. Para mim, uma vergonha nacional sem precedentes.
E atenção, não sou contra qualquer avaliação, desde que esta seja respeitadora e igualitária. Se um professor deve fazer uma prova das suas competências, terão, na minha opinião, todos os outros funcionários públicos de o fazer.
Não passa pela cabeça de ninguém impedir um médico, um enfermeiro, um advogado, um economista, um engenheiro, do exercício das suas funções, para as quais se qualificou, só porque não realiza uma prova de competências.
Parece-me que o Ministro da Educação se está a pôr em cheque quando ele próprio põe em causa a legitimidade e competência das próprias Universidades nesta matéria.
Os professores estudam quatro ou cinco anos para tirar uma licenciatura e mais um ano de estágio pedagógico, com aulas assistidas por orientadores e coordenadores científicos das universidades, e depois surge alguém com a brilhante ideia de dizer que afinal nada disto tem importância e que se têm de dar provas de competência anuais.
Retirar crédito ao cidadão comum, já o português está habituado, mas às Universidades digamos que não é assim tão frequente.
Mas voltemos um pouco atrás. Partindo do pressuposto que a dita prova se realiza a 18 de dezembro.
O que pretende o Ministério da Educação com esta prova? Supostamente melhorar a qualidade do ensino. Mas como melhora se só cerca de 20.000 professores (de cerca de 120.000) irão realizar a prova?
Conhecimentos científicos e pedagógicos não são algo que se avalie de ânimo leve. Gostava apenas que os teóricos da Educação, não falassem e opinassem de realidades que desconhecem com a leviandade com que frequentemente o fazem.
Ouvi-los-ei com gosto no dia em que, dentro de uma sala de aulas, um deles consiga ensinar um qualquer conteúdo programático a uma turma de 28 alunos desmotivados e com problemas sociais graves (de fome e violência, por exemplo).
Esperam os nossos governantes algum tipo de respeito quando colocam no mesmo texto legislativo, a prova dos professores, lado a lado, com as informações dos testes intermédios e exames nacionais? Estamos a falar do mesmo assunto? Os critérios serão os mesmos?
Esperam algum tipo de respeito, quando a um mês da realização da dita prova, ainda não apresentaram a matriz? O que se pretende com isto? Eu tenho uma resposta: humilhar socialmente a classe docente. Descredibilizá-la perante a opinião pública. Sem margem de manobra para se preparar, a maioria dos professores contratados vai-se espalhar ao comprido, numa prova que vai ser toda ela feita para esse efeito.
E a sociedade em geral, cansada e amargurada como sempre, irá tratar de enxovalhar e dizer "É assim mesmo. Andam lá e nem sabem o que andam a ensinar", esquecendo-se que é isso mesmo que a tutela quer.
E o que se pretende ao colocar professores do quadro a vigiar os seus congéneres precários? Fragmentar a classe. Nem quero imaginar o ambiente de Guerra Fria que se vive nas salas de professores, quando se sabe que "aquele", "aquele" e "aquela" vão/deverão estar do outro lado da barricada a vestir a pele do lobo.
Mesmo partilhando dos medos dos contratados, haverá sempre professores do quadro que, por medo e pressão, irão vigiar a prova.
E, já me esquecia, a cereja em cima do bolo: o professor contratado ainda vai ter de contar os trocos para ir fazer a prova: 20 euros cada prova, 20 euros se se quiser a revisão de prova e 15 euros por cada prova a mais que um professor queira fazer (desgraçados daqueles que possuem habilitações que lhes permitem concorrer a mais do que um grupo de recrutamento).
Parece-me que é dinheiro fácil. Muito fácil até. Vai começar com os professores contratados. Mais ano menos ano estender-se-á aos professores do quadro.
E, ou muito me engano, ou isto será estendido às restantes classes profissionais que trabalham no funcionalismo público, pois é, simultaneamente, dinheiro e despedimento fáceis.
Não se esqueça o leitor que as cobaias de qualquer experiência da tutela na Função Pública têm sido os professores.
Chorei, chorei de raiva e de indignação. Não por mim, que decidi no dia em que fiz as malas para sair do país, não voltar a sentir o que sentia todos os dias 1 de Setembro.
Chorei pelos meus colegas que respeito e a quem estão a destruir e adiar sonhos.
Pelos meus ex-alunos, inseridos num jogo em que mudaram as regras a meio do jogo. Pelas gerações mais novas, que não terão direito a uma Educação como eu e a minha geração tiveram: feita por pessoas com ideais e apaixonadas pelo seu trabalho.
Estão a destruir um sistema de ensino. Um pilar fundamental de qualquer sociedade. Tem as suas lacunas e aspectos negativos, mas sem dúvida um dos melhores.
Não é por acaso que há cada vez mais profissionais de recursos humanos estrangeiros a fazer feiras de emprego em Portugal, para ir buscar profissionais altamente qualificados a custo zero. Mas enfim, é tão bom para as elites governar um país sem massa crítica.
Chorei porque me senti impotente. Por norma sou optimista e costumo ver os aspectos positivos das coisas, mas neste caso a visão já está tão turva... Vejo uma classe docente cansada e desmotivada, sem forças para lutar.
Pior que isso, vejo uma sociedade cada vez mais virada para os seus próprios problemas, sem grandes razões para ser feliz, focada numa quase sobrevivência que facilmente resvala para a indiferença dos problemas dos "outros", que afinal também são tão "nossos"!
A luz ao fundo do túnel vai afunilando e, nesse momento, lembro-me do poema que imortalizou Martin Niemoller:
"Quando os nazis vieram buscar os comunistas, eu fiquei em silêncio; eu não era comunista.
Quando eles prenderam os sociais-democratas, eu fiquei em silêncio; eu não era um social-democrata.
Quando eles vieram buscar os sindicalistas, eu não disse nada; eu não era um sindicalista.
Quando eles buscaram os judeus, eu fiquei em silêncio; eu não era um judeu.
Quando eles me vieram buscar, já não havia ninguém que pudesse protestar."
E fico profundamente triste."