"Vale de Cavalos, Uma Terra Disputada", de José João Marques Pais. A ler por quem tem paixão por terras ribatejanas. O autor fala do arquivo de algumas cartas do espólio de José Relvas, com “a questão de Vale de Cavalos” abordado em cartas que o proprietário do Solar dos Patudos dirigia à esposa. Quando após José Relvas ocupou o cargo de Chefe do Governo, foi possível anexar a freguesia de Vale de Cavalos ao concelho de Alpiarça, retirando-a do domínio da Chamusca (1919). "A notícia caiu como um trovão entre a população chamusquenha. A partir daí desencadearam todos os mecanismos possíveis para anular esta resolução. No imediato isso não aconteceu e tiveram que esperar até 2 de Setembro de 1926, para, com uma situação política mais favorável, reaverem a freguesia de Vale de Cavalos, o que ocorreu no meio de grandes manifestações de sinal contrário. Em Alpiarça, as águas agitaram-se sob a batuta de José Relvas, tendo ocorrido recontros sangrentos que envolveram trabalhadores de Vale de Cavalos. Por outro lado, no concelho da Chamusca, o tempo era de festa sob a direcção do Dr. Rafael Duque!" - digo eu, para quem o meu avô trabalhou, como capataz - "um dos grandes responsáveis pelo volte-face nas decisões governamentais."
Alguns dados menos conhecidos sobre Vale de Cavalos. Terra que foi de D. Sancho I. Era Vila de Rei. Com ela alargou-se o paul e o vale. Em 1379, já se falava de val de cavalos. Consta das partilhas das duas filhas de Pero Esteves do Cazal. A Constança coube Vila de Rei com o val de cavalos, que entra no convento de St.ª Clara, ficando os casais na tutela deste. O casal de val de cavalos tem menção no códice de 1382, com Vila de Rei ainda em sobreposição. Vila de Rei com val de cavalos são emprazados a Fernão Gonçalves Çafom, e dele para os filhos e neto, Álvaro Fernandes de Carvalho, ficando na família até 1462. Confirma-se a mercê de coutada na quintã e paul de Vila de Rei com o infante D. Henrique. Após esse ano, ficam nas mãos do chanceler-mor, conde palatino, presidente da Casa da Suplicação e do conselho do rei, o Doutor Rui Gomes de Alvarenga. Vila de Rei e Val de Cavalos são comprados aos direitos à viúva e mãe dos Carvalho e coube a Fernão de Melo. O morgado não fica nas mãos do seu filho bastardo, mas nas de uma sobrinha do pai, filha de Gomes Soares, o primogénito do Dr. Rui Gomes de Alvarenga, D. Margarida Soares, que casa com o fidalgo castelhano, D. João Alarcón, vindo para Portugal na comitiva de D. Maria de Castela por altura do casamento com D. Manuel I, como filho da aia da rainha. Vila de Rei foi título dos varões primogénitos do casal que assinavam “senhores de Vila de Rei”. Terras que ficam de fora das terras do morgado de Vila de Rei, e ficam emprazadas a rendeiros. Sobrevivendo às vicissitudes políticas - à perda da independência em 1580 e à restauração em 1640 - os senhores de Vila de Rei mantém-nas até que o 8.º dos senhores se passa de livre vontade para Espanha, depois de ser nomeado por D. João IV governador de Ceuta. Circunstância danosa para o nome da família, com o decretamento do arresto dos bens de Vila de Rei e Val de Cavalos. O património foi reivindicado pelo 1.º conde de Avintes, D. Luís de Almeida, em 1658, e foi-lhe reconhecido o direito em 1677, no tempo de D. António, vindo da relação familiar entre aquele e os Soares Alarcão, por linha feminina. O conde de Avintes dá de subrogação parte dos bens do morgado, onde entravam Vila de Rei, o seu paul e Val de Cavalos, pela quantia de 24$000 cruzados. Foi um seu filho e sucessor, André Lopes de Lavre, que celebrou a escritura do contrato de subrogação em 1719, integrando Vila de Rei e Val de Cavalos. As vicissitudes políticas deixam antever as grandezas e misérias da dita casa que sai de um grande apogeu para o apagamento na época do neto de André Lopes de Lavre. A casa de Lavre ligava-se por casamento à descendência da “Flor da Murta”, Menezes Portugal, pela linha feminina, desde a 1.ª metade do séc. XVIII, ficando os bens do morgado nas mãos do herdeiro comum da família Lavre-Menezes. A casa foi relançada por D. Jorge de Menezes que recuperou parte do seu carisma. A venda dos bens nacionais, a desvinculação dos morgadios e outras alterações profundas do séc. XIX, provocaram a alienação daqueles bens, seguida da extinção definitiva dos morgadios em 1863, que levou à desanexação e à venda parcelar dos casais da antiga legítima dos senhores de Vila de Rei.
A importância do povoado deve-se a vários factores. A sua localização, as características do seu solo e as condições naturais. O étimo latino do nome de Vila de Rei que o remetem para o império romano. O sítio das cercanias de uma tão rica planície, na lezíria do Tejo e o traçado de uma via romana. A sua riqueza natural, que levou à diversificação das culturas e ao empenho na criação de gados. O seu crescimento económico com a aproximação entre a charneca e o campo. Vale de Cavalos, sobrepondo-se a Vila de Rei, conseguiu esta simbiose sem voltar as costas ao passado que a aproximava das terras das Ribeiras de Ulme, Chouto e Muge, mais do que ao Tejo. Vila de Rei com Val de Cavalos acompanharam em importância o engrandecimento dos casais de Ulme e Chamusca, de Muge, Montargil e Chouto. A elevação a matriz da igreja de Val de Cavalos, no séc. XVII, prenunciou a unidade administrativa. O território não foi alheio às grandes correntes de pensamento religioso que caracterizam a mentalidade portuguesa, visíveis no culto a St.ª Maria e ao Divino Espírito Santo, coincidindo um com as concepções dominantes, desde D. Afonso Henriques e o outro, com a contra-reforma, movimentos marcantes que projectaram a nossa forma de ver e de estar no mundo. (Vila de Rei com Vale de Cavalos - A Charneca)
Ah! Como o meu avô, Zé Melão, ficaria contente por recordarem a sua terra e dela dizerem tão bem. E com tanta paixão! É ou não uma terra de encantos?! E é a da minha gente!