segunda-feira, 22 de março de 2010

Raul de Carvalho: Poeta do silêncio, solidão e revolta

Raul Maria de Carvalho nasceu em Alvito, Baixo Alentejo, a 4 de Setembro de 1920. Em rescaldo de Dia Mundial da Poesia e em homenagem ao meu amigo António Passo, pai de uma amiga de quem tenho as maiores saudades, a Teresa, sugiro uma revisitação. O Município em que nasceu lançou o ensaio de Maria Luísa Leal, A Construção do Sujeito na Poesia de Raul de Carvalho (tese de mestrado). e já assinara antes uma esclarecedora nota biográfica que aparece no volume da Obra Poética, a ler sem falta. Porque nos fala de um homem que trilhou os caminhos da verdade e da coerência e essa é a sua bagagem, poética e cultural, o seu "ofício de viver". E pode acompanhar-se Eduardo Lourenço dizendo que "a outra metade da inesgotável imagem de Campos, recriação e aprofundamento original de uma similar sensibilidade, revive na obra de Raul de Carvalho, um dos mais autênticos e puros poetas do seu e nosso tempo. A torrente admirável do seu lirismo encobre um pouco o secreto gesto que nela está empurrando sem cessar a 'solidão do homem para um ponto que fica algures no universo'. Na sua poesia se unificam e resgatam até os bocados a mais que havia na jarra definitivamente partida de Pessoa". Vale a pena contribuir para a sua voz poética saia do silêncio, até para o vingar da via-sacra que sofreu em vida e depois da morte, com os longos anos de indiferença e esquecimento. É incompreensível que tantos ignorem este talento poético e negligenciem a sua "poética", "claramente torrencial e arrebatada, calorosa e serena, se afirma como um rio caudaloso que navega por águas que não deixam lixos acumulados nas margens que o percorrem". "Poeta do silêncio, da solidão e da revolta, cantor desesperado de esperanças ou alegrias que a vida muito cedo fez soçobrar", este trabalho crítico, feito com empenho e entusiasmo realça a voz perdida, a "sua linha poética maldita ou ousada, sempre sincera e apaixonada. Porque o fardo da vida que carregou e povoa os versos que nos deixou, não é mais do que a certeza de que escrever foi (ainda) uma e mesma forma de se sentir vivo, tudo poder suportar e calar, "estar fora" desta sociedade em que de todo se não quis integrar. E isso nunca escondeu nem lhe perdoaram." Poeta que assumiu "as palavras como arma na forma de estar ao serviço da verdade e exprimir em sinceridade esse profundo e magoado grito". A edição deste apaixonado ensaio de Maria Luísa Leal e a romagem-homenagem na sua terra natal foi um pretexto para revisitar Raul de Carvalho. Dedico-te (adivinhe o próprio quem) um dos seus iluminados poemas: "Deito fora as imagens, Sem ti para que me servem as imagens? Preciso habituar-me a substituir-te pelo vento, que está em toda a parte e cuja direcção é igualmente passageira e verídica. Preciso habituar-me ao eco dos teus passos numa casa deserta, ao trémulo vigor de todos os teus gestos invisíveis, à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve a não ser eu. Serei feliz sem as imagens. As imagens não dão felicidade a ninguém. Era mais difícil perder-te, e, no entanto, perdi-te. Era mais difícil inventar-te, e eu te inventei. Posso passar sem as imagens assim como posso passar sem ti. E hei-de ser feliz ainda que isso não seja ser feliz."