segunda-feira, 29 de agosto de 2011

PRESSÕES SOBRE O SEGREDO BANCÁRIO - Le Temps

SUIÇA

Pressões sobre o segredo bancário

26 agosto 2011

Le Temps, 26 agosto 2011

“Suíça encurralada para divulgar nomes ao fisco americano”, titula oLe Temps, que explica que Washington “reuniu informações sensíveis que o levam a acusar os bancos helvéticos de ajudarem os seus clientes americanos a não declararem a sua fortuna colocada na Suíça”. Dois anos depois do caso UBS, que obrigou a Suíça a divulgar cinco mil nomes de clientes ao fisco americano, “Washington reclama novamente nomes de clientes. Por exemplo, para dissuadir as fraudes e mostrar que a Suíça já não é um refúgio fiscal seguro”.

“Para os negociadores helvéticos, a questão já não é saber se o país se deve ou não dobrar a esta exigência, mas como”, escreve o diário de Genebra que sublinha que “os Estados Unidos já fizeram saber que uma ‘solução global’ como a que foi concluída com a Alemanha e a Grã-Bretanha não lhe interessa”.

Algumas semanas depois da Alemanha, a Grã-Bretanha acaba, de facto, de assinar um acordo com Berna sobre os bens britânicos colocados na Suíça. “Este acordo permitirá a Londres taxar as contas detidas por cidadãos britânicos nas contas secretas abertas na Confederação Helvética”, explica o Les Echos. Para o diário francês, “ao garantir o anonimato dos detentores das contas”, a Suíça “salvou o essencial do seu segredo bancário”. E, de facto, “conseguiu acabar com a unidade europeia em matéria de luta contra a evasão fiscal”.

"Hamlet não pode ser federalista"

28 agosto 2011 EVENIMENTUL ZILEI BUCAREST

"Os Estados Unidos da Europa que alguns defendem são uma quimera, incompatível com a história e a pluralidade de culturas do nosso continente, afirma o escritor romeno Mircea Cartarescu.

O presidente romeno Traian Băsescu lembrou várias vezes, recentemente, a necessidade de criação dos Estados Unidos da Europa. Mas isso só será possível se os países que deles fizerem parte aceitarem “ceder uma grande parte da sua soberania”, forçados por necessidades económicas e financeiras evidentes nestes anos de crise. Portanto, um mal necessário, uma tática de sobrevivência nesta parte do mundo confrontada com grandes problemas, desequilíbrios e provocações. Não creio que esse cenário seja realista, nem desejável, se tiver como modelo uma federação do tipo dos Estados Unidos da América, como deixa entender a expressão de Traian Băsescu. Mais ainda, não creio que nenhum dos modelos federais hoje existentes no mundo possa servir de modelo a uma Europa unida. Para que a Europa possa funcionar unida (como, de alguma maneira, já faz) precisa de outras bases, específicas do nosso Velho Continente, e não apenas as da sobrevivência económica.

O passado alimenta os nacionalismos europeus

Os Estados europeus, antes de mais, não são retângulos desenhados de forma arbitrária sobre a superfície do terreno. São uma história milenar. Têm a sua própria língua, as suas próprias tradições, a sua própria psicologia, o seu próprio ethos, o seu próprio subconsciente coletivo composto por um conjunto de memórias, de fantasmas, de feridas ainda abertas e de frustrações acumuladas numa história comum. Este passado que escorre de cada pedra alimenta o nacionalismo subsidiário dos povos europeus, os seus complexos de superioridade e de inferioridade. Nada é simples na Europa: nem as fronteiras, nem as leis que diferem enormemente de uns Estados para os outros. Até mesmo o sistema de pesos e medidas é ainda diferente, bem como a circulação à direita ou à esquerda das ruas. Tudo isto, factos insignificantes e genéricos, constituem uma força de rejeição impossível de ignorar entre os Estados do nosso continente.

Esta consciência nacional, ganha durante o período romântico e degenerada sob a forma de nacionalismos chauvinistas, criadores de estereótipos e agressivas, abriu as suas pétalas envenenadas no século passado. O ideal heroico transformou-se num pesadelo de totalitarismos e de guerras mundiais. Dezenas de milhões de cidadãos da Europa foram massacrados em nome do patriotismo e do nacionalismo exacerbados. A Guerra Fria e a Cortina de Ferro entre o Oeste e o Leste do continente também contribuíram para a mutilação da consciência europeia, pelo menos do que ainda resta depois do inferno histórico precedente.

A tendência para a fragmentação baseada em princípios étnicos ainda hoje continua, da Bélgica a ex-Jugoslávia. A isto acresce, ainda, a fragmentação religiosa do continente para além das outras fronteiras como as nacionais, produzindo a famosa falha de Huntington, que também atravessa a Roménia. Que forças centrípetas podem opor-se a terrível força centrífuga do nacionalismo?

Sentimento de pertencer a uma nação

Elas existem, felizmente, e não estão ligadas prioritariamente à centralização e à uniformização legislativa de Bruxelas. Trata-se do espírito europeu. Da formidável aliança cultural e artística do continente que, afinal de contas, gerou a nossa civilização, construída sobre os ombros de Homero, de Sócrates, de Dante, de Leonardo da Vince, de Shakespeare, de Newton, de Vermeer, de Goethe, de Kant, de Beethoven, de Proust, de Einstein, os primeiros que me vêm aos espírito entre os grandes que outrora pensaram e criaram. A Europa é antes e sobretudo um conceito cultural, um estado de espírito, o sentimento de pertencer a uma civilização. É o continente dos museus, das salas de concertos, das catedrais. É o espírito intelectual dubitativo, lento e profundo, encarnado por um Hamlet pensativo (arquétipo do europeu), em oposição ao homem de ação. É a Grécia do presente que toma a América por Roma. Não há nenhum motivo para que Atenas se queira tornar uma Roma.

A Europa unida nunca será unida no sentido da federação de Estados americana. A sua possibilidade é a busca e a descoberta de um ponto de equilíbrio entre o nacionalismo dos Estados que colaborarem e o espírito europeu, do pensamento livre e da criatividade. Mas se o espírito europeu vem carregado de uma burocracia excessivamente centralizada e de uma padronização que não tem em conta as condições locais, como atualmente acontece, haverá poucas possibilidades de união. Poucos governos estarão inclinados a ceder ainda mais soberania dos Estados que representam a um monólito que parece disposto a um tipo de socialismo económico ultraplanificado.

Porque na Europa não cedemos apenas a nossa soberania, mas também a história viva, profundamente enraizada no passado. Para renunciar a esta última é preciso haver esperança em qualquer outra coisa muito melhor."

"VAI ACABAR MAL", diz Manuel Pinho

"Este conjunto de situações não é fruto do acaso, tem cúmplices e só um cego não vê que é sintoma de um mal grave"

• Manuel Pinho, Vai acabar mal [hoje no suplemento Economia do Expresso]:
    ‘(...) Ainda pior do que a crise da economia é estarmos a assistir a situações indignas para o país que causam repulsa e são impossíveis de explicar a um estrangeiro, por exemplo a venda ao desbarato das empresas do sector da energia e das águas, a transferência de superespiões para empresas privadas e a impunidade dos responsáveis pelo maior escândalo financeiro desde Alves dos Reis. Os portugueses são um povo de brandos costumes, mas por este caminho vão perder a paciência e um dia a coisa acaba mal.
    É uma indignidade Portugal vender a pataco as empresas do sector energético e parte do sector das águas. A venda ao desbarato da ADP, Galp, REN e EDP não vai criar mais concorrência, nem resolver qualquer problema financeiro. Trata-se de uma decisão errada por razões de fundo e conjunturais. Por razões de fundo, porque no mundo inteiro 95% dos recursos hídricos mundiais não são geridos por privados e não há país em que o Estado ou interesses nacionais não tenham grande influência no sector da energia. Não é preciso muita imaginação para ver os cenários dantescos que a médio prazo podem resultar por o Estado sair de sectores que têm uma importância estratégica. Por razões conjunturais, porque não passa pela cabeça de ninguém vender as jóias da coroa quando os mercados estão pelas ruas da amargura.
    Ninguém acreditaria se lhe dissessem que Berlusconi ia vender ao desbarato a Eni, Sarkozy a EDF ou Dilma Rousseff a Petrobras, pois não? Ao contrário do que alguns pensam, Portugal não está a fazer figura de bom aluno, está a fazer a figura do aluno que aceita que lhe coloquem orelhas de burro e, ainda por cima, parece gostar de se exibir com elas em público.
    É uma indignidade Portugal assistir impavidamente à transferência de superespiões na posse de informação confidencial sobre a vida de muitos de nós, para o sector privado — nem numa república das bananas uma situação destas poderia acontecer. Ninguém imagina superespiões da CIA a mudarem-se de armas e bagagens para o “Washington Post”, nem Rupert Murdoch a contratar agentes do MI5 para o “News of the World”. O processo de escutas em que este jornal esteve envolvido já levou 10 pessoas para a cadeia, ao encerramento do jornal e Murdoch a ser impedido de comprar a Sky.
    É uma indignidade Portugal ser incapaz de julgar os autores do maior escândalo financeiro dos últimos 50 anos, que vai provocar um rombo no erário público da ordem do custo do TGV. É escandaloso que no processo de venda do BPN o Estado fique com €1000 milhões de créditos que serão escolhidos pelos novos donos do banco, que aliás não têm culpa nenhuma desta situação. Só faltava que o Estado se prontificasse a ficar com créditos que tenham sido concedidos a acionistas do BPN! Nos Estados Unidos, Bernard Madoff foi condenado a 150 anos de prisão, a mulher e a filha mudaram de nome e o filho suicidou-se.
    Em Portugal, quem provocou um rombo de milhares de milhões de euros no erário público goza de total impunidade. Este conjunto de situações não é fruto do acaso, tem cúmplices e só um cego não vê que é sintoma de um mal grave.’"

domingo, 14 de agosto de 2011

"Um Muro entre gerações"


Um Muro entre gerações, 12 agosto 2011, DIE ZEIT HAMBURGO. Brilhante artigo a recordar que foi há 50 anos que o Muro de Berlim se ergueu. E que foi, há mais de 20 anos, derrubado. Mas o "não dito" perdura nas famílias, criando outros muros.
Johannes Staemmler é o jornalista que suscita a questão, com base em testemunhos pessoais. E esclarece que as memórias da construção e da queda do muro não saem com naturalidade, que são "rodadas". O discurso "começa com uma descrição do Unrechtsstaat [expressão dada na RDA, literalmente: Estado de não-Direito] para alcançar a reunificação passando pela revolução pacífica. Mas esta versão coletiva cai num impasse em relação a um capítulo essencial: a terceira e última geração de alemães de Leste. " Os jovens alemães de Leste tinham 8-10 anos quando o muro caiu. Mas o muro perdura "dentro de nós". Têm "lembranças vagas das primeiras tardes nos "Pioneiros" [movimento de enquadramento da juventude comunista]. Os cravos que, com uma confiança cega nos pais e nos professores,..." levavam "para o aniversário do partido. Da sua tristeza quando os pais viam recusada a autorização de saída do território. Hoje como ontem, a vergonha e o orgulho andam de braço dado. Mas isto não é tudo. Também sentimos nas famílias, ainda hoje, a presença do muro, mesmo passados 20 anos sobre a sua demolição. Está erguido entre pais e filhos, impondo uma certa forma de memória e uma triagem das lembranças."
"De repente, os projetos dos nossos pais não contavam para nada. De repente, era como se tudo o que tinham vivido fosse artificial. De repente, os nossos pais tornaram-se frágeis. Descobriram à sua custa que nem o Partido Cristão-Democrata, nem os militantes cumpriam as promessas feitas. Pouco interessava que fossem filhos de operários, de pastores, ou de militantes do partido. Ninguém tinha referências, andava toda a gente à deriva. Este sentimento de confusão que reinava nas famílias e na sociedade em geral unia-nos, a nós, a terceira geração de alemães de Leste. Os nossos avós tinham conhecido a guerra. Desempenharam um papel fundamental na construção da RDA e do novo modo de vida. Os nossos pais nasceram na década de 1950 e 1960 e não conheceram outro país para além deste."
"Entre 1975 e 1985, a RDA viu nascer perto de 2 milhões e 400 mil crianças. São a terceira geração de um país que já não existe. Também não sabíamos nada sobre o novo regime, mas éramos novos e não tínhamos nada a perder. Percebemos melhor as possibilidades que os perigos. Explicámos um pouco o mundo aos nossos pais."
"O profundo sentimento de perplexidade que reinava na época fez nascer uma memória seletiva sobre tudo o que dizia respeito à RDA. Os nossos pais refugiaram-se em lembranças estereotipadas. Falam pouco, limitando-se geralmente a contar o que já não os envergonha hoje. Não querem pôr em perigo a sua nova identidade. Quando recordam a vida que tiveram, dão uma versão cheia de lacunas e refinada. Falam das coletividades onde todos trabalharam. Ou das "manifestações das segundas" e das viagens organizadas. Mas nós, os mais novos, deixamos passar. Até hoje, não lhes fizemos perguntas. Ficamos calados."
"Ficamos calados porque não queremos complicar ainda mais o mundo deles. Estávamos lá quando compraram o primeiro carro, quando fizeram as primeiras viagens ao ocidente, quando perderam o emprego, quando se refugiaram nas suas hortas.
Também não dissemos nada durante o debate público na RDA e no período pós-revolucionário. Éramos muito jovens na altura e não servíamos para participar num debate que apresentava interpretações unilaterais da História. E, para além disso, alguém tinha vontade de dizer publicamente que era do Leste? Estamos integrados, somos ambiciosos, cheios de projetos e, muitas vezes, mais capitalistas do que muitos alemães ocidentais. Preferimos esquecer as nossas origens do que torná-las objeto de debate.
Esta paz, este silêncio teve um preço. Não fazemos perguntas aos nossos pais. Como era viver num Estado totalitário? Como foi possível durar tanto tempo? Como reagiram quando vos disseram que tinham de ir para a tropa quando queriam estudar? Onde está o vosso processo da Stasi, para eu poder ler? Estas perguntas têm de ser feitas para se poder iniciar um novo debate, mais diversificado e mais contraditório do que o anterior.
Queremos outras alternativas, para além de um Unrechtsstaat ou de uma nostalgia insignificante do Leste. Ao acabarmos com o não dito, seremos capazes de derrubar, de uma vez por todas, o muro erguido no seio das famílias."

domingo, 7 de agosto de 2011

A CONSPIRADORA - A não perder!

Em cinema, de que se faz, afinal, a história? Em A Conspiradora, a sua oitava longa-metragem como realizador, Robert Redford relança essas questões a partir da figura, emblemática entre todas, que é Abraham Lincoln (1809-1865) — obviamente não por acaso, uma personagem com importante presença dramática e simbólica na história de Hollywood. É um filme que abre com o assassinato de Lincoln, já que o seu tema nuclear é o pós-Lincoln. Mais exactamente: centra-se no destino de Mary Surratt (Robin Wright), acusada de participar na conspiração para matar aquele que foi o 16º Presidente dos EUA. A odisseia de Surratt envolve uma perturbante carga simbólica (e creio que é importante não divulgar aquilo que lhe acontece nos textos que se possam escrever sobre A Conspiradora: afinal de contas, ela será bem conhecida da maioria dos espectadores americanos, mas ignorada de quase todos os outros). Por três razões fundamentais: 1) - a sua condição de mulher confere-lhe um protagonismo "marginal" no contexto social e político em que os acontecimentos decorrem; 2) - o fim da Guerra Civil (o general Robert E. Lee, das forças sulistas, rendeu-se cinco dias antes de John Wilkes Booth ter disparado contra Lincoln) gerava uma conjuntura fortemente marcada pela pesada herança da escravatura; 3) - enfim, a defesa de Surratt coloca em jogo toda uma série de elementos perturbantes, impensados ou recalcados, sobre o direito de cada ser humano a defender-se e ser defendido à face da lei. Daí a extrema importância, ao mesmo tempo dramática e simbólica, da personagem de Frederick Aiken (James McAvoy), o jovem advogado de defesa de Surratt. Ele é, afinal, o pivot de uma muito clássica lógica liberal de encenação. Liberal, entenda-se, no sentido que liga a palavra à tradição política de Hollywood, tão exemplarmente assumida por Sydney Pollack (1934-2008), grande amigo de Redford e seu director em alguns filmes emblemáticos dessa tradição, incluindo O Nosso Amor de Ontem (1973), Os Três Dias do Condor (1975) e O Cowboy Eléctrico (1979). Trata-se, assim, de questionar qual o lugar do indivíduo no interior de um dispositivo gerido pela realidade, e também pela mitologia, do colectivo — nessa perspectiva, Aiken é um duplo antecipado do cineasta: por ele passam as perguntas apaixonadas, mas contundentes, dirigidas a uma América à procura da sua própria identidade. Vi pela segunda vez e gostei. Lição idêntica à da do Super 8 de ontem: as mulheres têm muita força e a amizade - e o amor - podem tudo!