No ano da graça de 1850, sai a "Lei das rolhas". António de Oliveira Salazar era um devoto da ideia. Segundo ele "Os homens, os grupos, as classes vêem, observam as coisas, estudam os acontecimentos à luz do seu interesse. Só uma entidade, por dever e posição, tudo tem de ver à luz do interesse de todos". Não podia estar mais feliz o ditador, o partido que tanto se queixa de prepotência do Governo e da omnipresença do PM nos media, defende que a liberdade de expressão tem uma serventia extrínseca à sua dinâmica. Aplica-se quando e se estiver em causa dizer dos outros. Derroga-se quando e se estiver em causa dizer mal dos próprios. Mais, a liberdade de expressão não é nunca para se aplicar dentro de casa, serve apenas para se aplicar na casa dos outros. O Congresso do PSD apresentava-se como uma reunião de damas ofendidas, em defesa dos pergaminhos de muito se falar e tudo se dizer. Acontece que num rasgo infeliz, Santana Lopes, numa demonstração do espírito democrático de que diz tão insuflado, arma um festim de mau senso político e de show-off inoportuno. Inoportuno como só ele! Depois de virgens ofendidas, e com faces ocultas, caíu o véu a Suas Excelências, e sai o paladino da incontinência verbal em defesa da descrição e do silêncio. Depois de recolher 2500 assinaturas para defender uma alternativa, PSL foi claro: se ele governar quase tudo se poderá dizer, desde que o teor do que for dito seja sufragado pelo lider. Ou seja, contra o Lider, nada! Pelo Lider, tudo! É obvio que sabemos que PSL conta em ser ele um dos próximos Lideres - como ele próprio não se cansa de dizer: anda sempre por aí! O Congresso que se afirmava como um exercício de debate e da expressão livre, deixou evidente que "não consegue digerir a ideia, tão comum em Inglaterra, de respeito à informação classificada em tempo de guerra." Quando se trata de poder e de estratégias de poder, vale tudo o que o Poder consinta e na justa medida em que este O consinta. Os objectivos da conquista do poder e da sobrevivência política, na convicção de PSL e do PSD que adoptou a proposta, sobrepõem-se, sempre que se justifique, às manias da Liberdade. Postergam-se aquelas liberdadezinhas incomodativas e embaraçosas. Em tempo de guerra não se limpam armas. Era preciso que PSL e o PSD estivessem onde estão para dizer isto com esta frontalidade: num país que foi alvo de quase 50 anos de ditadura. Em Portugal. Para esta gente, a lealdade ao partido justifica o silêncio, obriga ao silêncio, veta ao silêncio. É este O partido que reclama a liberdade de expressão? Onde está a alma destes livre pensadores? Há livres pensadores do PSD? Este não é um partido de livres pensadores, muito menos um partido de poetas. Este é um partido que penaliza os delitos de opinião e em que o valor da lealdade partidária se sobrepõe ao da individualidade e ao da liberdade pessoal. O que se questiona é como é que alguém dá o seu aval a este negócio PSL/PSD/Américo Amorim (que, por certo, fornecerá as ditas "rolhas", que só da mais pura cortiça servem). O PSD está no fundo. Bateu no fundo. E parece que quer mesmo, que faz questão de, ficar no fundo. Como foi que, em plena campanha, nenhum dos outros candidatos se ergueu para dizer não? Só porque PSL não era candidato, não valia a pena enfrentar o debate, confrontá-lo e dizer não? Ou o PSD só se lembra de regatear a liberdade de expressão quando essa parece ir no sentido da seta? Porque foi que ninguém ousou pensar duas vezes, bater o pé, e recusar uma medida que lembra as boas maneiras estalinista? Vindo de um partido que (trans)porta a bandeira da asfixia democrática como se fosse uma missão e a grita aos setes ventos, quem quer carregar o ónus de transformar o partido de velhos barões cheios de ideias, ideias e ideologias numa corja de seguidores, e de yes man's, de boy's cujo job's dependem apenas da sua competência em calar. Ninguém pode criticar a direcção dirigente nos 2 meses antes das eleições. Foi esta a convenção ante-nupcial proposta por PSL e aprovada pelo PSD. 1 ano antes vale tudo até arrancar olhos, mas partindo do pressuposto que o povo tem memória curta, só contam os 60 dias antes do casamento. Depois, haja infidelidade! A alteração estatutária proposta por Pedro Santana Lopes determina a expulsão dos militantes que apoiem, sejam mandatários ou protagonizem candidaturas adversárias às apresentadas ou apoiadas pelo PSD, e a aplicação da sanção de suspensão até 2 anos ou a expulsão os militantes que violem o dever de lealdade para com o programa, estatutos, diretrizes e regulamentos do PSD, especialmente se o fizerem nos 60 dias anteriores a eleições. Foi o infeliz nado-vivo gerado pelo XXXII Congresso do PSD, em Mafra. E registe-se: com 352 votos favoráveis, 102 abstenções e 76 votos contra. A minoria democrática vergou-se ao poder da maioria ditatorial, nela se incluindo os 3 candidatos a Lider. Em vez daquela regra que determina que "cessa a inscrição no partido dos militantes que se apresentem em qualquer ato eleitoral nacional, regional ou local em candidatura adversária da apresentada ou apoiada" pelo partido, temos agora uma que a aplica igualmente a "candidatos, mandatários ou apoiantes". É a extensão da asfixia. A voluptia da demagogia. A lúxuria da prepotência. E se o PSD também já punia os militantes que violassem os seus deveres (incluindo o de ser leal ao programa, estatutos, diretrizes e regulamentos do partido), mas sem fazer corresponder a esse comportamento qualquer sanção concreta – advertência, repreensão, cessação de funções em órgãos do partido, suspensão do direito de eleger e ser eleito até 2 anos, suspensão de membro do partido até 2 anos ou expulsão, a proposta de PSL tem o (des)mérito de estabelecer um nexo causal entre a violação desse dever de lealdade e a "infração grave, especialmente quando a mesma se consubstanciar na oposição às diretrizes do partido no período de 60 dias anterior à realização de atos eleitorais" nos quais o PSD apresente ou apoie candidatura, as quais serão punidas com a suspensão de membro do partido até 2 anos ou com a expulsão.
PPC desiludiu, mas provavelmente ainda não se acha suficientemente seguro para enfrentar PSL, ainda conta apoios e isso fê-lo perder a oportunidade de se afirmar. PR, que tanto apregoa a ruptura, não rompeu, anuiu. E JAB nada disse, como se esperava. Claro que, no fim do dia, ouvidos consultores e conselheiros, PPC afirmou ter dúvidas sobre a constitucionalidade da proposta de PSL. Mas não é a mesma coisa! Limitou-se a dizer que «espera no próximo congresso poder alterá-la». Para AB, esta não foi uma “posição muito feliz”, apesar de não a considerar “uma lei da rolha, uma asfixia”, mas não a teria proposto nem a teria votado. «Preferia que o PSD não tivesse aprovado, neste congresso, essa disposição», defendeu acrescentando que «devemos respeitar as opiniões dos outros mesmo que não sejam coincidentes com as nossas». Garantiu ainda que «será, seguramente, subscritor de uma proposta de alteração que vise não penalizar militantes por delito de opinião». PR admitiu que se pudesse «teria votado contra», mas mostrou-se compreensivo, por considerar que os partidos «devem ter regras». PSL, sem norte, afirmou, já no fim do Seu Congresso que a norma, além de ser «constitucional», não é uma «lei da rolha». «Acho que o facto da norma ou este tipo de orientação não existirem prejudicou muito o PPD/PSD nos últimos anos», disse. É uma grande verdade. Se calassem tudo e todos ele ainda hoje seria O Lider.
O PS, aproveitando os desastres do PSD/PSL e o enorme sentido de inoportunidade da proposta, criticou esta proposta de alteração aos seus estatutos de cariz «estalinista» e o PSD de impor na sua organização interna um clima de «claustrofobia democrática». «Fiquei incrédulo e estupefacto quando tomei conhecimento dessa alteração estatutária. A confirmar-se essa alteração estatutária, quase 36 anos após o 25 de Abril de 1974, estaremos perante uma verdadeira lei da rolha, uma lei estalinista implementada por um partido democrático», afirmou Vitalino Canas. Este membro do Secretariado Nacional do PS considera que a alteração estatutária dos sociais-democratas «é insólita» e «é possível que nem sequer exista em outros partidos». «No PS não existe isso, nem existirá e, se alguém quisesse que existisse, muitos de nós lutaríamos contra uma norma estatutária com essa natureza», referiu. E rematou a Rangel que, em Bruxelas, tanto criticou o clima de «claustrofobia democrática» alegadamente existente em Portugal. «Nos últimos tempos o PSD tem vindo a sustentar que há claustrofobia democrática. Mas afinal a claustrofobia democrática existe dentro do PSD e não do país», afirmou.
Diria mais, qualquer partido se pode ver confrontado com supostos democratas com alma de Censores Régios, é uma vicissitude de ninguém ser perfeito. Mas, concorde-se, que quem ganha com isto são os seus adversários. Que partido merece ter no seu seio quem saia a público assumir estas aleivosias anti-democráticas? Retira-se aos adversários o trabalho de descobrir quem são, na casa dos outros, as faces ocultas. Pura e simplesmente porque a insanidade mental é tanta e o egocentrismo ainda maior que tais faces não resistem à tentação de se exibir e revelar. A olho nú se vê que o rei esteve sempre nú.