segunda-feira, 29 de março de 2010

SEGUROS E ERROS MÉDICOS: Conhece-se já a vacina?


A Lei nº 67/2007 aprovou o regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado. Com ela, os erros cometidos por funcionários, trabalhadores, colaboradores, e dirigentes das várias hierarquias, de que decorram danos para os particulares, são passíveis de gerar o dever de indemnizar. Para além de os gestores e dirigentes públicos começarem a mostrar algum nervosismo com a questão, e de os civis começarem a ganhar consciência dos seus direitos de cidadania, as seguradoras revelam uma inabilidade crónica para lidar com seguros para cobrir danos por actos no exercício da função administrativa, atingindo toda a cadeia hierárquica decisora, erros judiciários (na função judicial), entre outros. Igualmente, o erro médico, ou sejam o erro cometido por funcionário-médico integrado numa estrutura em hospitalar em que o Estado seja accionista, tem gerado grande impasse. Morre-se mais por erros médicos do que por acidentes de viação, dizem as estatísticas. Calcula-se que, por ano, 3 000 portugueses sejam vítimas de erros fatais durante intervenções cirúrgicas e muitos outros ficam com sequelas permanentes. Um seguro de responsabilidade civil - que permita que todos os doentes sejam indemnizados, independentemente do apuramento criminal da responsabilidade - é a receita da Deco para fazer valer os direitos de quem perde a saúde nos hospitais. O bastonário da Ordem dos Médicos apoia a obrigatoriedade dos seguros de responsabilidade civil, embora ressalve que a estimativa de que morrem 3 000 hospitalizados por erros médicos "não é consistente", uma vez que resulta da extrapolação para a realidade portuguesa das estatísticas americanas. "Não se sabe ao certo o número de vítimas de erros médicos em Portugal", sublinha Pedro Nunes.
Ainda que se desconheça o número certo de casos, alguns ficaram na memória pelos piores motivos, como o do doente operado, em 1993, a uma úlcera no Hospital Espírito Santo (Évora) e que ficou com uma pinça no abdómen é um deles. 12 anos depois, o tribunal condenou o médico e o hospital a pagarem uma indemnização de €20.000 ao doente que, entretanto, teve de submeter-se a outra cirurgia para remover o utensílio que foi esquecido no seu corpo. Um caso que bem tratado, do ponto de vista jurídico, daria azo a outra indemnização - a de violação do direito à justiça e a uma decisão em prazo razoável. Aconteceu esta semana: a maior indemnização devido a um erro hospitalar. A Comissão de Acompanhamento do caso das seis cegueiras provocada por cirurgia, no Santa Maria, propôs o pagamento de € 246.000. O juiz desembargador Eurico Reis considera que se tratam de indemnizações justas, no que concorda a julgar pelos míseros iniciais € 32.000 oferecidos. Para o hospital, «o número elevado de utentes lesados e os contornos do sucedido justificaram a atribuição de um carácter excepcional ao acompanhamento desta situação, através de um meio célere e alternativo de mediação, inspirado no modelo da arbitragem voluntária». Um imperativo a que se submeteu depois das avaliações dos relatórios clínicos de avaliação social, perícias médico-legais e demais elementos considerados necessários à instrução integral do processo de avaliação dos eventuais danos e respectiva indemnização. Causa: uma troca de medicamento na farmácia do hospital, na sequência da qual, o Ministério Público acusou, em Dez/2009, um farmacêutico e uma técnica de farmácia e diagnóstico como autores, na forma de dolo eventual e em concurso real, de 6 crimes de ofensa à integridade física grave.
O aparente sossego da classe médica provém do sistema assente na identificação do culpado e na prova de culpa (ainda que a título de omissão ou negligência), donde decorre que, para que a vítima seja ressarcida, é preciso imputar judicialmente a responsabilidade a determinado agente individualmente identificado. Ora, como as omissões ou negligências médicas são de difícil prova, os processos arrastam-se em pareceres, exames, perícias e testes, antes de se chegarem aos tribunais e por lá se arrastarem também. O que a Deco defende é uma mudança de paradigma, à semelhança do que já aconteceu nalguns países europeus, isto é, que os doentes tenham sempre direito a uma indemnização desde que se prove que foram vítimas de falha médica, independentemente de se identificar ou não o responsável. Esta seria a solução mais justa e cuja não concretização de deve única e exclusivamente a uma questão que em tudo é alheia ao Direito: as famosas "razões economicistas". A criação de um seguro de responsabilidade civil - obrigatório para todas as unidades de saúde, como no sector automóvel - garantiria o pagamento das compensações. O absurdo é que só as unidades privadas são obrigadas por lei a seguro de responsabilidade civil. Do Instituto de Seguros de Portugal e da Associação Portuguesa de Seguros dizem-nos que existem algumas companhias que fazem este tipo de seguro, só não nos souberam dizer quais, os números de casos levados a tribunal, a taxa de sucesso e por aí fora. Disseram-nos alguma coisa, é facto, mas, como sempre, ficou muito mais para dizer. Ou seja, entre os erros médicos e os seguros o que faz mesmo falta é uma vacina: para a incompetência.