terça-feira, 30 de março de 2010

O regresso à tradição: Uma Maçonaria de homens e mulheres


Do GOMP, um artigo a revisitar. Sobre a resistência em aceitar mulheres maçons (maçonas ou maçons? Poetisas ou poetas?, basicamente a mesma questão). Annie Besant (antecessora de Mahatma Gandhi). Josephine Baker. Louise Michel (dirigente da Comuna de Paris). Todas maçons. A exclusão de mulheres da Maçonaria é um fenómeno recente. Em Junho do ano passado, visitei a exposição 100 anos de Maçonaria Feminina, em Inglaterra (!).
Sabine de Steinbach (filha do arquitecto Erwin de Steinbach (1244-1318)), autora das representações da igreja e da sinagoga no portal Sul da catedral de Estrasburgo, faz remontar o precedente ao século XIII. As corporações inglesas de Chester, num texto de 1327 e de York (1350) e na Guilda de Norwich, em 1375, referem-nas. Na Idade Moderna, os estatutos da Loja de York de 1693, usou-se a forma explícita de “aqueles” e “aquelas”. Só em 1723, as Constituições de Anderson as excluem: “As pessoas admitidas como membros de uma loja devem ser homens de bem e leais, nascidos livres e de idade madura e circunspecta, nem servos, nem mulheres, nem homens sem moral ou de conduta escandalosa, mas sim de bons costumes”. A interdição feminina mantém-se até hoje e ficou um dos Landmarks da Ordem. Esta atitude dever-se-á ao facto de a Maçonaria inglesa ter seguido o modelo organizativo dos "clubes" que, século e meio depois, se tornariam num ex-libris da Inglaterra vitoriana – os "clubes para cavalheiros”, que acabaram por, gradualmente, abrir as portas às mulheres à medida que o século XX se aproximava. Contra as referências favoráveis às “mulheres e filhas” dos maçons na enciclopédia de Mackey (1874), apontaram-se, como fundamento da exclusão das mulheres, a dependência económica do marido ou do pai, a fragilidade imposta pela biologia, e a proverbial frivolidade feminina. Até a música do irmão Giuseppe Verdi se lhe refere: “La donna è mobile qual piuma al vento, muta d’accento e di pensier’”.
Em abono da verdade se diga que a regra da exclusão nunca foi aplicada com todo o rigor.
Desde 1738, em Rouen, que há notícias da iniciação de mulheres em França, pondo os maçons franceses do século XVIII perante um dilema: Que fazer com as irmãs? Se não podiam aceitar a participação de mulheres (para não colidirem com a linha da maçonaria inglesa, garante da regularidade), também não a podiam recusar. Porque elas não o permitiam. Para contornar a interdição, apareceram as ordens andróginas. Ragon de Bettignies enumera 26: Ordem dos Cavaleiros e Damas da Âncora, 1746; da Bebida (Baixo-Languedoc), 1705; da Centena (Bordéus), 1735; do Carvalho (Dinamarca), 1777; do Machado (Maçonaria florestal), da Felicidade (Paris), 1742; dos Cutileiros e Cutileiras (Paris), 1747; dos Feuillants e das Damas Philéides, 1805; da Fidelidade; do Cacho (Arles); da Honra (Paris), 1777; da Liberdade (Paris), 1710; da Medusa (Toulon); da Misericórdia; do Monte Tabor (damas escocesas, Paris), 1810; Mopses (Viena), 1710; Cavaleiros e Damas da Perseverança 1769; Cavaleiros e Damas Philacoreites ou Amantes do Prazer (1788); da Maçã Verde, 1789; dos Cavaleiros Remadores e Damas Remadoras (Rouen), 1738; da Ribalderie (Paris), 1712; da Rosa (Paris), 1778; das Damas Rosa-Cruz e dos Cavaleiros da Benemerência, 1770; dos Trancordius (várias províncias do Sul de França); do Navio (Estados Unidos), 1745; e das Amazonas (Estados Unidos), 1840. Em França e nas áreas de influência do Grande Oriente de França surgiram, a partir de 1744, as Lojas de Adopção, que funcionavam como uma “janela aberta” às mulheres, que mantinha uma condição de inferioridade do ponto de vista maçónico, uma vez que os trabalhos só podiam ser abertos na presença de oficiais da loja masculina adoptante. A loja de adopção mais antiga foi a Loja da Felicidade, ao Oriente de Dieppe (1766-1773). Em 1782 reergueu colunas, composta só por mulheres, filhas, irmãs ou parentes de maçons. Até à Revolução de 1789, eram frequentadas sobretudo por damas da alta nobreza (Madame de Lamballe - dama de companhia de Maria Antonieta - duquesa de Bourbon, Madame Helvétius (viúva do filósofo e alto-funcionário da corte de Luís XV, em cujo “salon” nasceu uma das mais ilustres lojas maçónicas da História: a Loja das Nove Irmãs, cujo venerável foi Benjamin Franklin e onde foi iniciado Voltaire). Depois do período revolucionário, a imperatriz Josefina, 1ª mulher de Napoleão, tentou reavivar as lojas de adopção, em 1805. Durante a Comuna de Paris de 1871, há relatos da participação de uma loja de mulheres nas grandes manifestações de Abril. Uma das principais dirigentes da Comuna, Louise Michel, “A Virgem Vermelha”, tornou-se maçon, iniciada na Loja A Filosofia Social, em 1904. No início do século XX, a Grande Loja de França tentou ressuscitar a Maçonaria de Adopção, e levantaram colunas várias lojas entre 1901 e 1935. O ritual foi modernizado e, em 1906, foi-lhe imposta uma Constituição que a mantinha sob a tutela da Obediência e das lojas masculinas adoptantes. Em 1935, a Grande Loja de França deu a "independência" às lojas femininas que, em 1945, constituíram a União Maçónica Feminina (A Grande Loja Feminina de França), a partir de 1952. A Maçonaria feminina teve um desenvolvimento assinalável nos últimos tempos. Nos países de língua inglesa é designada ‘Co-Masonry’ e na Alemanha é representada pela Ordem Humanitas. Uma Maçonaria de homens e mulheres é o ponto de chegada natural da co-existência de maçons de ambos os sexos trabalhando em conformidade com uma filosofia assente na igualdade do género. As suas origens remontam ao Direito Humano de Maria Deraisme ( 1828-1894) e ao “Rito egípcio”, fundado em 1784 por Cagliostro/Joseph Balsamo (1743-1795), que chegou a presidir a sessões mistas, em Lisboa, em 1788, no local onde se ergueu a antiga sede da Caixa Geral de Depósitos, ao Calhariz. Chegados ao 3º milénio profano, após uma prolongada e sofrida luta das mulheres em defesa da emancipação e do reconhecimento dos seus direitos, a parceria homem-mulher tornou-se tão natural como o ar que respiramos. A Maçonaria, que sempre esteve na vanguarda das causas do progresso da humanidade, não pode fechar os olhos à evidência da Natureza nem aos ventos da História. O futuro é o da igualdade natural entre os maçons de ambos os sexos. Desbastou-se muita pedra bruta para chegar à pedra polida da verdadeira tradição maçónica - desde Sabina da catedral de Estrasburgo, no século XIII, passando pela inspiração de Mozart e Schikaneder que, em 1791, revelaram o percurso iniciático cumprido, de forma solidária, por Tamina e Pamino nesse exemplo de pedra cúbica, que é a ‘Flauta Mágica’. (JPRF - MM)