sábado, 14 de julho de 2012

Cidadania e Maçonaria - a propósito das palavras de António Arnault

"O homem é um animal essencialmente político", disse Sócrates. Os tempos que atravessamos exigem de todos os cidadãos uma intervenção activa e esclarecedora, já que a imagem da Nossa Augusta Ordem, que aspira a ser composta por homens "justos e perfeitos" vêm sendo posta em causa. Tal como a romã vê os seus gomos vermelhos e sadios invadidos por um entremeio branco que adultera o mel do gomo conferindo-lhe o indesejável fel. Tal como o jóio vitupera o trigo - " O Reino dos Céus, disse o Cristo, é semelhante a um homem que semeou boa semente no seu campo. Mas, enquanto os servos dormiam, veio um inimigo dele, semeou joio no meio do trigo e retirou-se. Quando a erva cresceu e deu fruto, então apareceu também o joio. Chegando os servos ao dono do campo, disseram-lhe: - Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde, pois, vem o joio? E ele lhes disse: - Homem inimigo é que fez isso. Os servos continuaram: - Queres, então, que o arranquemos? Não, respondeu ele, para que não suceda que, tirando o joio, arranqueis com ele também o trigo. Deixai crescer ambos juntos até à ceifa; e no tempo da ceifa direi aos ceifeiros: -Ajuntai primeiro o joio e atai-o em feixes para o queimar; mas o trigo recolham no meu celeiro" (Mateus, 13:24-30) - As nossas Lojas foram avassaladas por alguns homens de má índole que derramam a desgraça, o escárnio e o maldizer sobre os homens de puro coração. Em tempos como este, o silêncio seria a posição mais cómoda, mas penso que é altura de atar o joio em feixes e atear-lhe fogo. Entendo, pois, que, em vez do acobertado silêncio impõe-se a cidadania. O melhor amigo e o mais chegado Ir.'. com quem convivi, numa relação de grande proximidade, era um ancião inglês, que já não havia grau maior a que pudesse aspirar, nem maiores reconhecimentos que lhe pudessem conferir, e foi ele que me explicou, com os vagares e a experiência de quem vai acima da Mestria, que sempre que um cidadão se omite do exercício dessa responsabilidade interventiva de cidadania, renuncia, também aos princípios a que se ajuramentou, a começar pelo da defesa da "Liberdade", e, dentro deste, a defesa da normalidade e da regularidade jurídica e institucional. Entre nós, já presenciei responsáveis por G.'.L.'. defenderem uma moderada (ou até nula) intervenção e outros uma activa intervenção. Não falo, evidentemente, de debater nem a partidarização nem a politização, falo numa actuação firme que pugne pela manutenção do Estado de Direito. Silenciarmo-nos ante a instalação de um status quo adverso aos interesses dos cidadãos, olhar para o lado e oferecer a inércia como a única resposta à destruição do Estado Social, é compactuar com a implementação de um tipo de regime que esteve na base de intervenções históricas dos movimentos maçónicos de outros tempos. Recuso-me a deixar que a história se repita e a fazer parte de um conluio iníquo que atenta contra todos os princípios  da Maçonaria. ("Primeiro levaram os judeus, Mas não falei, por não ser judeu. Depois, perseguiram os comunistas, Nada disse então, por não ser comunista, Em seguida, castigaram os sindicalistas Decidi não falar, porque não sou sindicalista. Mais tarde, foi a vez dos católicos, Também me calei, por ser protestante. Então, um dia, vieram buscar-me. Mas, por essa altura, já não restava nenhuma voz, Que, em meu nome, se fizesse ouvir." [Poema de Martin Niemoller]).  Calar a voz dos instruídos e dos que assumem a discussão dos assuntos de interesse público, seja em trabalho dentro ou fora de Lojas, é o sonho de todas as ditaduras. Nos tempos que correm, o silêncio não serve.  Não "nos" serve e não serve a sociedade melhor a que aspiramos. Os regimes não democráticos (e não lhes chamo "ditaduras" porque não nos faltam exemplos de supostas "democracias" em que a prepotência impera) instituem-se pelo "poder da força". A começar pala força das ideias. Pela aculturação dos cidadãos. Resta-nos combater essa "força institucionalizada" com o "poder das ideias". A Maçonaria foi e é escola de livres pensadores, homens a quem os interesses, sejam eles de que índole forem, não resgatam nem compram. Porque os Maçons não se vendem a valores profanos. Assiste-nos, pois, o dever de não renunciar aos princípios de "liberdade", de "democracia" e de "república", sob pena de renunciar à nossa própria cidadania, que, recorde-se, jurámos defender. Por isso, o Maçom está ligado umbilicalmente à ideia da livre cidadania. É-lhe intrínseco o papel de "homem do leme". Seja o leme das ideias, seja o leme da intervenção. Um homem bom é-o em todas as suas dimensões de vida. Só assim a sociedade compreenderá, e tendencialmente aceitará, esse bando de homens livres. E os respeitará. A liberdade democrática posta em evidência na nossa vida mais não é que o resultado do trabalho árduo feito a coberto da Loja, da escola aprendida e apreendida "entre colunas"! Esta intrépida defesa pelo ideal democrático, enquanto único regime tolerante de uma Maçonaria aberta, impõe-se como uma "virtude". Dizia-me ainda aquele Maçon, que, qualquer Ir.'., enquanto homem e cidadão, não pode ser um "ignorante político", nem um ser alheado, porque jurou ser um "homem livre". Hoje, ser-se um homem interventivo na sociedade é, também, ser livre e de bons costumes. Aquele que, que na sua atuação de cidadão (comunitária), propugna pelos ideais de liberdade (democracia plena), igualdade (justiça social) e fraternidade (realização coletiva) é verdadeiramente um maçon. E, como dizia esse bom e estimado Ir.'., sempre que um Maçon enjeite o exercício desses seus deveres, face ao que ajuramentou, comete um perjúrio. E com estas palavras suscito o pensamento de hoje: saibamos ser cidadãos porque foi isso também exactamente o que jurámos! Conheço os silêncios impostos, os estatutos de cidadania cerceados e as recomendações de inércia, por parte de algumas Lojas - assim como sei de outras que estão cada vez mais activas na defesa da Liberdade e da Democracia, pela acção dos Ir.'. na sua vida profana. Se estivesse sujeita a uma forma de estar que me fosse espiritualmente e, em consciência, adversa, estaria na disposição de, ao estar "acordada" para a Maçonaria "adormecer" para a vida? Sei que não. Aos cinquenta e um anos, passadas quase duas décadas sobre a minha iniciação, incrustou-se, em mim, esta vontade de ser melhor cidadã, agindo, não silenciando, ainda que isso fosse o comportamento "recomendável"! E isto, em Portugal, ainda parece ser muito desconfortável para alguns Ir.'. que, fazendo lembrar aqueles criticos que nada fazem mas que criticam tudo o que os outros fazem, preferem cruzar os braços ou mesmo deixá-los cair. E quando julgo chegado o momento de "acordar", sinto-me entristecida, a um canto, lembrando que, entre ordens de inacção que, caso me fossem dadas, me feririam a consciência, ainda prefiro o sono dos justos. -  "Fios d'ouro puxam por mim A soerguer-me na poeira - Cada um para o seu fim, Cada um para o seu norte... - Ai que saudade da morte... Quero dormir... ancorar... Arranquem-me esta grandeza! - P'ra que me sonha a beleza, Se a não posso transmigrar?... " (Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão').

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Semana em revista – até 13, sexta!


Estimativas do Banco de Portugal apontam para uma recessão de 3% este ano e para a estagnação em 2013. O número de desempregados chegará a um milhão. E, entretanto, debateu-se, no Parlamento, o Estado da Nação.
Um ano volvido sobre a entrada da troika, a perda de soberania que muitos anteviam como consequência revelou-se uma realidade. Quando um Tribunal com a natureza e as competências do Constitucional, em resposta à justificação de “emergência” com que o Governo pretendeu legitimar a suspensão da lei – numa “suspensão da Constituição” na linha da suspensão da democracia defendida por Ferreira Leite - a suspensão da democracia é o próximo passo ou está já contido neste? – profere uma jurisprudência, no mínimo original, que difere para 2013 a produção de efeitos da declaração de inconstitucionalidade, a troco de questões economicistas, de facto, está mesmo ameaçada a soberania.
Passos Coelho vê-se agora a braços com um problema resultante da economicidade da decisão – problemazinhos vai ele tendo que cheguem embora vá fazendo ouvidos de mercador e passando em frente como se nós fôssemos os cães e o Governo a caravana - o de encaixar no Orçamento de Estado 2013 a solução para cobrir a fatura dos dois mil milhões de euros, dividindo-a, assim numa espécie atípica de injustiça distributiva entre os funcionários públicos e os “outros”.
É certo que, com o mesmo rigor com que o seu ministro dileto vai dizendo e fazendo umas atrás de outras, o Primeiro-Ministro garantiu Pedro Passos Coelho, garantiu ainda que o governo "não está nesta altura a preparar qualquer aumento de impostos". Pouca diferença faz! Com a rapidez com que os seus vassalos se vão embrulhando em trapalhadas, dizendo heresias e cometendo barbaridades, caso seja necessário, amanhã, com a bica reforçada e as torradas saem uns aumentozitos aqui e acoli, coisa pouca! Ou não fôssemos nós piegas e pacientes!
Não sei se Seguro pretende abandonar a corte da abstenção violenta e do falar manso quando diz “Desça à terra senhor primeiro-ministro”, já que ele próprio também vai mostrando que nem sempre encontra terreno firme quando tenta pisar o chão. Mas gostei de o ver manusear com preparação os números do desemprego, das empresas falidas e das famílias em dificuldades para, por fim, acusar o (des)governo de ter falhado “na receita” e informar que vai propor à 'troika' um programa de recapitalização das empresas nacionais com um valor mínimo de três mil milhões de euros e financiado com parte das verbas não utilizadas pela banca. Saia-se bem se assim fosse e fizesse!
Jerónimo de Sousa, no estilo de sempre, afirmou que a revolta "está a crescer" – e eu confirmo já que não conheço melhor indicador de stress que os motoristas de táxi, e esses, com que falo todos os dias, estão “nervosos”! Evidentemente que tem toda a razão em falar de mais injustiças e de mais exploração, de mais desemprego, de mais pobreza, de mais recessão económica, de menos soberania, de maior endividamento e de maior dependência do exterior.
Louçã, mais drástico, tem uma saída para o Governo: a sua própria recomendação - Que emigre, pois naturalmente! E não se inibe de dizer que o Governo está "paralisado por intrigas internas" e que levou o País a um estado de "claustrofobia social", considerando que perante este "falhanço estrondoso" era "altura de se ir embora". E fala de mais buraco e de mais dívida.
E quem cá está “fora” vai-se indignando com verborreias nunca antes vistas de histórias rocambolescas de palhaços-pierrots de fazer ruborizar Maquiavel. Bem que disse o Baptista Bastos: “o que é a dignidade em política, quando a estratégia da dissimulação se substituiu ao princípio da honra."?
“Estamos a navegar numa noite escura e sem bússola”, afirma Viriato Soromenho Marques.
Portugal é inconstitucional!, diz o Daniel Deusdado.
Tudo acertado. E posto isto, venha amanhã que é sexta-feira, 13! Que mais pode acontecer neste dia agoirento para os cavaleiros templários? Bom, mais uma coisinha: Tomar é terra de Templários. O pai da minha filha tem costela de Tomar. A mãe tem costela templária. E a rapariga casa amanhã. Há ou não gente com coragem?!

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Porque as mulheres ainda não podem fazer as perguntas certas?!


Porque as mulheres ainda não podem fazer as perguntas certas, por Naomi Wolf
"Ainda estamos a recuperar, nos Estados Unidos, da celeuma inteiramente previsível sobre uma peça publicada por Anne-Marie Slaughter, antiga directora de Planificação de Políticas no Departamento de Estado e professora na Universidade de Princeton, intitulada “Porque as Mulheres Ainda Não Podem Ter Tudo”. A resposta era previsível porque o artigo de Slaughter é publicado nos EUA por um elenco rotativo de mulheres poderosas (muitas vezes brancas) mais ou menos todos os três anos.
O artigo, independentemente de quem o tenha escrito, lamenta invariavelmente o “mito” de um equilíbrio entre a trabalho e a vida pessoal para as mulheres que trabalham fora de casa, apresenta o telhado de vidro e a exaustão trabalho-casa como uma revelação pessoal, e culpa o “feminismo” por manter esse esquivo “ideal de ter tudo.” E consegue sempre evitar os principais elefantes políticos na sala – o que é especialmente irónico neste caso, já que Slaughter está cansada de formular políticas.
Os problemas com esses argumentos são inúmeros. Para começar, o equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal deixou de ser um assunto das mulheres. Por todo o mundo desenvolvido, milhões de homens que trabalham e têm filhos pequenos também lamentam as horas que passam longe deles, e regressam a casa para suportar o fardo das tarefas domésticas partilhadas. Isto era um “assunto das mulheres” talvez há 15 anos, mas agora é uma tensão ambiental da vida moderna para uma geração de mulheres e homens comprometidos com a igualdade de género.
Tais argumentos também ignoram o facto de que as mulheres trabalhadoras mais prósperas e os seus parceiros transferem esmagadoramente o desequilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal para mulheres de rendimentos mais baixos – esmagadoramente mulheres de cor. Podemos abordar a questão de como empregar essas prestadoras de cuidados de um modo ético e sustentável; as amas-secas em Nova Iorque e noutras cidades estão a organizar-se para garantir um sistema de salários indexados ao mercado, de férias pagas e de licenças por doença. Ou, como acontece tantas vezes numa sociedade racista, podemos apagar completamente da fotografia as mulheres que tratam das crianças da elite. 
Para além disso, um ambiente corporativo inflexível e hostil à família já não é a única escolha para mulheres que trabalham. Muitas, principalmente nos EUA, deixaram esse mundo para iniciar os seus próprios negócios.
Mais significativamente, os norte-americanos têm uma tendência notável para reduzir problemas que outros abordaram com políticas públicas a uma questão de “escolha” privada e mesmo de psicologia pessoal. Mas a verdadeira questão não é se as “mulheres podem ter tudo”. Em vez disso, é se um sofisticado profissional de política externa pode escrever como se países como o Canadá ou os Países-Baixos simplesmente não existissem.
No Canadá, casais com um bebé podem intercalar licenças de seis meses a um valor de 90% do salário. Nos Países-Baixos – o melhor caso que já presenciei – as famílias podem tirar um dia de folga por semana, e o governo subsidia cuidados de dia a tempo inteiro. Esta solução não foi enquadrada como um “assunto das mulheres”, mas como um benefício familiar. E as mulheres holandesas simplesmente avançaram, preocupando-se com outros objectivos interessantes nas suas vidas pessoais e familiares.
Na América, pelo contrário, a Câmara do Comércio e outros grupos de interesse empresariais pressionam fortemente os políticos para nem sequer proporem tais soluções. Sabem que ganham milhares de milhões de dólares quando contratam mulheres a níveis salariais mais baixos que os dos homens, e garantir o conflito entre o trabalho e a vida pessoal faz descarrilar as carreiras das mulheres antes que se torne demasiado caro compensá-las de modo justo. 
Claro que a Europa não é o Nirvana da igualdade de género. Em particular, o local de trabalho corporativo nunca será completamente favorável à família até que as mulheres participem das decisões de gestão mais importantes, e as posições nos lugares de gestão de topo da Europa permanecem esmagadoramente ocupadas por homens. Na verdade, as mulheres ocupam apenas 14% das posições dos conselhos de direcção europeus.
A União Europeia está a considerar legislar no sentido de compelir os conselhos de direcção a manter uma determinada proporção de mulheres – até 60%. Esta proposta de mandato nasceu da frustração. No ano passado, a vice-presidente da Comissão Europeia Viviane Reding lançou um apelo para a acção voluntária. Reding convidou empresas para se comprometerem a objectivos de equilíbrio de género de 40% de membros femininos em conselhos. A fundação Forte, na América, seguiu esse caminho com a sua lista própria de “mulheres prontas para conselho”. Mas o apelo de Reding à Europa foi considerado um falhanço: apenas 24 empresas lhe responderam. Precisamos de quotas para garantir que as mulheres possam continuar a subir de um modo justo a escada corporativa, ao mesmo tempo que equilibram o trabalho e a família?
“Pessoalmente, não gosto de quotas”, disse Reding recentemente. “Mas gosto do que as quotas fazem.” As quotas provocam acção: elas “abrem o caminho à igualdade e rompem o telhado de vidro”, de acordo com Reding, um resultado presenciado em França e outros países com provisões juridicamente vinculativas para colocar mulheres em posições empresariais de topo. 
Entendo as reticências de Reding – e a sua frustração. Também não gosto de quotas; são contrárias à minha crença na meritocracia. Mas, quando consideramos os obstáculos para conseguir o ideal meritocrático, parece realmente que um mundo mais justo tenha que ser temporariamente mandatado.
Afinal, quatro décadas de provas mostram-nos agora que as empresas tanto na Europa como nos EUA estão a esquivar-se à contratação meritocrática e à promoção de mulheres a posições de topo – não importando quanta “pressão suave” seja exercida sobre elas. Quando as mulheres conseguem atingir o topo do poder empresarial – como, por exemplo, aconteceu recentemente a Sheryl Sandberg no Facebook – captam muita atenção precisamente porque permanecem a excepção à regra.
Se existissem políticas públicas apropriadas para ajudar todas as mulheres – fossem directoras-gerais ou as que tratam dos seus filhos – e todas as famílias, Sandberg não seria mais merecedora de notícia do que qualquer outra pessoa altamente capaz numa sociedade mais justa. E lamentos como o de Slaughter não seriam necessários. "

sábado, 7 de julho de 2012

Estado de choque constitucional!


Estado de choque constitucional (2) (delitodeopinião), por André Couto | 06.07.12
"(Por me parecer de leitura obrigatória, transcrevo a declaração de voto do Juiz do Tribunal Constitucional, Carlos Pamplona de Oliveira, a quem deixo a minha vénia.)
DECLARAÇÃO DE VOTO
 1. Em meu entender, a Constituição protege especialmente o sistema de segurança social, no qual inclui o regime de pensões de proteção da velhice e invalidez, "independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado" – artigo 63º, em especial o seu n.º 4. Isso significa que, em princípio, a redução do montante das pensões já fixadas é proibida, por representar uma restrição a um direito constitucionalmente garantido. Ainda assim, em caso de emergência nacional é possível suspender esse direito, embora por um período limitado, até "ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional" (n.º 4 do artigo 19º da Constituição). Ora a verificação de uma situação de emergência nacional levaria a considerar outros cortes na despesa do Estado, designadamente, as decorrentes de cerimoniais e de despesas de representação protocolar, antes de reduzir o montante das pensões de proteção da velhice e invalidez.
2. Nos termos dos n.ºs 1 e 4 do artigo 282º da Constituição, o julgamento do Tribunal Constitucional que declara a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, como é o caso presente, "produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional", a menos que fundamentadas razões de interesse público de excecional relevo exijam que o efeito da declaração de inconstitucionalidade tenha alcance mais restrito.
O Governo não estava impedido de apresentar ao Tribunal Constitucional as suas razões quanto à não inconstitucionalidade das normas em causa. 
Não o fez.
Para além disso, precavendo a hipótese de julgamento adverso, teria até o dever de invocar, se as houvesse, as razões de excecional interesse público que, em seu entender, imporiam uma restrição dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. 
Também não o fez.
Perante tais omissões, o Tribunal não pode afirmar – com a segurança e o rigor que lhe são exigidos – que há razões de excecional interesse público que impõem uma restrição dos efeitos do seu julgamento, pois fá-lo com base na mera suposição do "perigo" de insolvabilidade do Estado como decorrência da normal vigência dos efeitos do seu julgamento, circunstância que, como se viu, não foi sequer invocada pelo órgão a quem cabe, em primeira linha, a defesa de um tal interesse.
Não acompanhei, por isso, a restrição de efeitos decidida pelo Tribunal. - Carlos Pamplona de Oliveira."

Existir é Ser Possível Haver Ser, de Álvaro de Campos


"Ah, perante esta única realidade, que é o mistério, Perante esta única realidade terrível — a de haver uma realidade, Perante este horrível ser que é haver ser, Perante este abismo de existir um abismo, Este abismo de a existência de tudo ser um abismo, Ser um abismo por simplesmente ser, Por poder ser, Por haver ser! 
— Perante isto tudo como tudo o que os homens fazem, Tudo o que os homens dizem, Tudo quanto constroem, desfazem ou se constrói ou desfaz através deles, Se empequena! 
Não, não se empequena... se transforma em outra coisa — Numa só coisa tremenda e negra e impossível, Urna coisa que está para além dos deuses, de Deus, do Destino —Aquilo que faz que haja deuses e Deus e Destino, Aquilo que faz que haja ser para que possa haver seres, Aquilo que subsiste através de todas as formas, 
De todas as vidas, abstratas ou concretas, Eternas ou contingentes, 
Verdadeiras ou falsas! Aquilo que, quando se abrangeu tudo, ainda ficou fora, Porque quando se abrangeu tudo não se abrangeu explicar por que é um tudo, Por que há qualquer coisa, por que há qualquer coisa, por que há qualquer coisa! 
Minha inteligência tornou-se um coração cheio de pavor, E é com minhas idéias que tremo, com a minha consciência de mim, Com a substância essencial do meu ser abstrato Que sufoco de incompreensível, Que me esmago de ultratranscendente, E deste medo, desta angústia, deste perigo do ultra-ser, Não se pode fugir, não se pode fugir, não se pode fugir! 
Cárcere do Ser, não há libertação de ti? 
Cárcere de pensar, não há libertação de ti? 
Ah, não, nenhuma — nem morte, nem vida, nem Deus! Nós, irmãos gêmeos do Destino em ambos existirmos, Nós, irmãos gêmeos dos Deuses todos, de toda a espécie, Em sermos o mesmo abismo, em sermos a mesma sombra, Sombra sejamos, ou sejamos luz, sempre a mesma noite. 
Ah, se afronto confiado a vida, a incerteza da sorte, Sorridente, impensando, a possibilidade quotidiana de todos os males, Inconsciente o mistério de todas as coisas e de todos os gestos, Por que não afrontarei sorridente, inconsciente, a Morte? Ignoro-a? Mas que é que eu não ignoro? 
A pena em que pego, a letra que escrevo, o papel em que escrevo, 
São mistérios menores que a Morte? Como se tudo é o mesmo mistério? 
E eu escrevo, estou escrevendo, por uma necessidade sem nada. 
Ah, afronte eu como um bicho a morte que ele não sabe que existe! 
Tenho eu a inconsciência profunda de todas as coisas naturais, Pois, por mais consciência que tenha, tudo é inconsciência, Salvo o ter criado tudo, e o ter criado tudo ainda é inconsciência, Porque é preciso existir para se criar tudo, E existir é ser inconsciente, porque existir é ser possível haver ser, E ser possível haver ser é maior que todos os Deuses. " (Álvaro de Campos, in "Poemas")

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Miosotis: não esquecer quem somos!


O pensamento humano nunca se perde, mas esvai-se, ante a opressão, sobretudo a política. Tive ontem mais um jantar-tertúlia e vi-me invadida entre símbolos, notando que um dos menos conhecidos é, precisamente, o miosótis. 1934: Hitler ascende ao poder. A maçonaria alemã que, até então, contara com dias gloriosos, compunha-se de colunas perfeitas, nelas incluindo os mais ilustres filhos da pátria alemã (Goethe, Schiller, Lessingn…) era demasiado perigosa – como o é sempre para qualquer regime ditatorial – era um “bem” espiritual a exterminar. Mal a G.’.L.’. Alemã do Sol pressentiu o grave perigo que se avizinhava, foram muitos os maçons que se forçaram à clandestinidade e que substituíram o óbvio Compasso e Esquadro por uma pequenina flor azul: o miosótis. Passou a ser aquela despretensiosa flor azul que, adornando-lhes as lapelas, os identificava dentro e fora dos campos de concentração. Em 1945, quando cai o terror nazi, erguem-se, de entre a morte anunciada, maçons ingleses, americanos, franceses, dinamarqueses, tchecos, poloneses, australianos, canadenses, neozelandeses e brasileiros. Desde monarcas a presidentes, desde comandantes a soldados. Entre aqueles alemães maçons sobreviventes, o miosótis viveu, simbolizando a força da memória da histeria coletiva nazi, como penhor da consciência alemã, como a prova de que a velha da fraternidade da civilização alemã se manteve viva na barbárie.
Em 14 de junho de 1954, quando a G.’.L.’. Zur Sonne foi reaberta, em Bayreuth, pelo Venerável Theo Vogel, núcleo da G.’.L.’. Unida da Alemanha, que melhor lembrança do que o miosótis para a representar, homenageando os que sobreviveram àqueles anos de obscurantismo, "para além da força humana". O VM da Loja Leopold ZurTreue (agora nº 151), quando colocou, emocionado, na sua lapela aquela joia recuperada a partir de emendas de solda, tornou-se testemunha do fim de uma parte negra da História, também para os maçons. Quando os G.’.M.’. se encontraram nos USA, o G.’.M.’. da recém formada G.’.L.’. Unida da Alemanha, entregou, simbolicamente, a todos os representantes das Grandes Jurisdições presentes um pequeníssimo miosótis, como hoje o conhecemos.
A mística da flor que, para além de estar associada às forças britânicas que serviram na Alemanha, na região do Rio Reno, está ainda ligada a uma Loja, jurisdicionada à G.’.L.’. Unida da Inglaterra, a Forget-me-not Lodge nº 9035, em Ludgershall, Wiltshire, que adoptou a flor(zinha) como seu estandarte.
Sendo, aparentemente, tão pequena, aquela mimosa florzinha azul é um sinal de fraternidade e, ainda hoje é um dos símbolo mais usados pelos maçons alemães, tanto que, e em muitas L:., o miosótis passa de M.’.M.’., como símbolo de resistência, de uma história de honra, fraternidade, liberdade e de amor, perante a adversidade da arrogância, a força da prepotência, a imposição do autoritarismo, e ficou, entre nós, como uma lembrança da força, da luta, da sobrevivência, de um acto de guerrilha por ideais: Um dote de liberdade para as futuras gerações de maçons livres.

Falta de identidade do Tribunal Constitucional e crises para bastardos!


A verdade é que a cadeira de Direito Constitucional, nem na Faculdade de Direito, é muito valorizada, e, a grande parte dos alunos, um dia juristas, advogados, magistrados, nem lhe percebem, as demais das vezes, a serventia. O Tribunal Constitucional que o aplica, por excelência, é, também, menos e menos, reconhecido como um último reduto da mãe-democracia, e, mais a mais, como “apenas” garante da omnipresente e omnipotente atividade do Estado. Existem já vozes que defendem a sua extinção, e, em sua substituição, a criação de uma secção constitucional no Supremo Tribunal de Justiça, aproveitando, assim, para recolocar em cima da mesa a questão do método de eleição e de recrutamento dos juízes e da eficácia do sistema.
O Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade da suspensão do pagamento dos subsídios de férias ou de Natal a funcionários públicos ou aposentados, justificando a decisão, nove votos contra três, alegando que “a dimensão da desigualdade de tratamento que resultava das normas sob fiscalização” violava o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição, aplicando uma medida que “se traduzia numa imposição de um sacrifício adicional que não tinha equivalente para a generalidade dos outros cidadãos que auferem rendimentos provenientes de outras fontes” e concluiu que a diferença de tratamento era “de tal modo acentuada e significativa” que não era justificável pelas “razões de eficácia na prossecução do objetivo de redução do défice público”. “Apesar da Constituição não poder ficar alheia à realidade económica e financeira, sobretudo em situações de graves dificuldades, ela possui uma específica autonomia normativa que impede que os objetivos económico-financeiros prevaleçam, sem qualquer limites, sobre parâmetros como o da igualdade, que a Constituição defende e deve fazer cumprir”, refere o acórdão.
Mas aquele tal último reduto da defesa dos particulares sai seriamente prejudicado com aqueloutra conclusão: “atendendo a que a execução orçamental de 2012 já se encontra em curso avançado”, o TC restringiu os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, não os aplicando à suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal, ou quaisquer prestações correspondentes aos 13.º e, ou, 14.º meses, relativos ao ano de 2012.
Repare-se que recorre a uma argumentação extra-juridica para fundamentar uma decisão que tem, tão-somente, de ser jurídica. Questões de oportunidade ou de conveniência vêm a despropósito e é, provavelmente, um reflexo da politização da decisão do TC, filha do método de eleição dos próprios juízes.
Aproveitando o jeito Até já o Primeiro Ministro vislumbrou que, assim como assim, se o pretexto é o da “igualdade”; então que se “iguale”: imponha-se o corte salarial a todos os trabalhadores!, ou seja, terá de ser encontrada uma “medida equivalente, alargada a outros portugueses”, que não especificou, a introduzir no Orçamento de Estado para 2013. Até porque para “satisfazer o compromisso solene do país” de ajustamento orçamental, “os sacrifícios não podem ficar confinados a esses cidadãos”.
Esta “igualização” é comovente! Porque vai sempre no único sentido possível: o de tornar mais pobre a classe média, reduzindo-a, acabando com ela!
E dizemos isto com sustentação. Como é que a Conta Geral do Estado de 2011 mostra que 25 gestores de 13 entidades não sofreram qualquer redução salarial? De que serviu e qual a penalização por não ter sido aplicada a decisão do segundo semestre de 2010 do corte salarial de 5% para os gestores públicos e do congelamento de prémios? De que valeu decisão em 2011 de cortes entre os 3,5% e 10 % nos salário dos funcionários públicos que recebessem mensalmente mais de 1500 euros brutos? É porque aquelas criaturas de um deus à parte não foram alcançadas pelo braço negro da crise! Mais. A Inspeção-Geral de Finanças detetou que em duas instituições houve uma “atribuição generalizada de prémios de desempenho” e que foram atribuídos carros de forma permanente a alguns funcionários, para uso regalado durante o fim-de-semana e feriados (com portagens e combustíveis pagos pelo estado). Não falamos de carrinhos de linhas!
Razão tem Fernando Sabino “Para os pobres, é dura lex, sed lex. A lei é dura, mas é a lei. Para os ricos, é dura lex, sed latex. A lei é dura, mas estica.”

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Tolerância. Amor. E a compatibilidade com a "perfeição"!?


Deixo-vos um texto triste, para reflexão.
O que leva alguns Ir.'. a criticarem tão severamente outros?  
A Primeira Carta de São João adverte: “Se alguém disser: “Eu amo a Deus”, mas aquele que odiar o seu irmão, esse é um mentiroso, pois aquele que não ama o seu irmão a quem vê, não pode amar a Deus a quem não vê.””Nós recebemos de Cristo este mandamento: “Quem ama a Deus ame também o seu irmão” (1 Jo 4, 20-21).
Nós que buscamos a perfeição (ou a perfectibilidade), enquanto reflexo da criação divina, devemos indagar-nos até que ponto, de que forma, qual a extensão e a abrangência desta almejada “perfeição”, em nós e nos outros.
Por certo que não temos em mente aquela “perfeição”, [do latim perfectione] – 1. Conjunto de todas as qualidades, a ausência de quaisquer defeitos. 2. Que atingiu o grau máximo em uma escala de valores. 3. Apuro, esmero, maestria, precisão, perícia, primor, requinte. Ou, ainda, o Ser Perfeito [do latim perfectu] – 1. Que reúne todas qualidades possíveis. 2. Que atingiu o mais alto grau em uma escala de valores; incomparável, único, sem igual. 3. Que corresponde a um modelo, conceito ou padrão considerado ideal; exemplar, modelar. 4. Executado sem defeito; primoroso, impecável. 5. Que não enseja dúvida alguma; cabal; completo; total. 6. Excelente, ótimo, irrepreensível.
O amor fraternal que temos ao nosso Ir.’. é, em essência e por natureza, um amor tolerante: Ou é um amor orgulhoso, arrogante, intolerante, na medida em que exigimos do outro o “nosso” padrão de perfeição? Se um Ir.’. se afasta de outro, porque o seu padrão de “perfeição” é outro supostamente mais alto, mais perto dos cânones etimológicos do vocábulo, é tolerante? Ensaia na sua vida essa prática de amor tolerante de aceitação e de compreensão?
"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós” (Antoine de Saint-Exupery). “Passar” pela vida dos outros é suficiente para a dádiva da minha parca e destreinada perfeição ao outro? Vamos trilhando o caminho inóspito de perfeição possível e tropeçamos na nossa “perfeição”, tão diferente da perfeição dos outros, a que afasta? A ostraciza!? 
E a tolerância? A tal qualidade que nos leva a aceitar as diferenças dos outros na esperança egoísta de que eles assim aceitem as nossas! A solidão que, às vezes, é um caminho de vida pessoal, pode também ser um caminho maçónico. Quantos caem no adormecimento!? Talvez, numa escola de supostos livres pensadores, ainda tenhamos muito a aprender sobre o grau de perfeição que cada um deve exigir do outro e de si mesmo. E compreender que a tolerância é a ponte que nos permite estar nesta fraternidade, numa cadeia de união fortalecida. 
Sem esse amor fraternal, tolerante, a “perfeição”, enquanto parâmetro de avaliação e de ponderação entre irmãos, choca-me e pode ser uma “pedra de tropeço”! 
Recordo aqui o Hino à Tolerância, do Agostinho da Sulva: “Já será grande a tua obra se tiveres conseguido levar a tolerância ao espírito dos que vivem em volta; tolerância que não seja feita de indiferença, da cinzenta igualdade que o mundo apresenta aos olhos que não vêem e às mãos que não agem; tolerância que, afirmando o que pensa, ainda nas horas mais perigosas, se coíba de eliminar o adversário e tenha sempre presente a diferença das almas e dos hábitos; dar-lhe-ão, se quiserem, o tom da ironia, para si próprios, para os outros; mas não hão-de cair no cepticismo e no cómodo sorriso superior; quando chegar o proceder, saberão o gosto da energia e das firmes atitudes. Mais a hão-de ter como vencedores do que como vencidos; a tolerância em face do que esmaga não anda longe do temor; então, antes os quero violentos que cobardes.
Mas tu mesmo, Marcos, com que direito és tolerante? Acaso te julgas possuidor da verdade? Em que trono te sentaram para que assim olhes de cima o resto dos humanos e todo o mundo em redor? Por que tão cedo te separas de compreender e de amar? Tens a pena do rico para o pobre, dás-lhe a esmola de lhe não fazer mal; baixaste a suportar o que é divino como tu; e queres que te vejamos superior porque já te não deixas irritar por gestos ou palavras dos irmãos. Mais alto te pretendo e mais humilde; à tolerância que envergonha substitui o cálido interesse pedagógico, o gosto fraternal de aprender e de guiar; não levantes barreiras, mas abate-as; se consideras pior o caminho dos outros vai junto deles, aconselha-os e guia-os; não os deixes errar só porque os dominarias, se quisesses; transforma em forte, viva chama o que a pouco e pouco se dirige a não ser mais que um gelado desdém. (Agostinho da Silva, in 'Considerações').
A Tolerância é a justeza, a adaptação, o caminho procurado em confronto com “O aviltante conceito da perfectibilidade humana.” (Fernando Pessoa)
O espelho continua a ser o nosso maior inimigo! E se todos os espelhos de cada um forem os seus piores inimigos, então calcorrearemos as pedras do caminho sozinhos, de costas voltadas para os nossos irmãos, “orgulhosamente sós”. Jamais juntaremos as pedras! Jamais construiremos Templos! Seremos mestres construtores de muros! De muros à nossa volta, intransponíveis! Fronteiras erguidas contra os nossos irmãos? 
Teremos compreendido alguma coisa do que é Maçonaria?

"Falsidade" um conceito em evolução "real"!

"Tomado por imbecil e serve de expressão ao desrespeito. Entre os pérfidos indivíduos práticos de hoje, a mentira há muito perdeu a sua função de iludir acerca do real. Ninguém acredita em ninguém, todos sabem disto. Só mentimos para dar a entender ao outro que nele nada nos importa que não tenha necessidade dele, que nos é indiferente o que ele pensa de nós. A mentira, antigamente um meio liberal de comunicação, tornou-se hoje uma técnica de descaramento com cujo auxílio cada indivíduo espalha em seu redor a frieza sob cuja proteção ele pode prosperar (Adorno, 1993). Assim sendo defini-se o traço da falsidade como uma característica do que não tem veracidade. De fato, algumas pessoas se sentem obrigatoriamente a serem falsas, cínicas, mentirosas, canalhas, desgraçadas, pois se cultua o superficialismo humano, afetivo, estético, econômico, portanto estão distantes de Deus. Desse modo precisamos buscar apoio divino para retirar o espírito maligno que abastece o mal. Força-se uma barra para ter um nível econômico inexistente. Endivida-se para viver uma falsidade. Freqüenta-se uma igreja, mas o coração permanece sujo. Amigos são desleais, portanto nos traem pela inveja. Casam-se obrigatoriamente, uma vez que se sentem impulsionados ao cinismo social. Mostram-se superiores para os vizinhos fofoqueiros. Emagrecem-se com venenos. Tomam bomba para ficarem fortes, entretanto impotentes. Fortões dissimuladamente atacam as moças, mas são penetrados pelos peões. Desse modo, os traços das mentiras, dos engodos, das enganações, e das diversas falsas aparências humanas são pontos notórios nas relações cínicas. As esnobações sociais, políticas, econômicas, e a desfaçatez são gêneros primordiais na falta de moralidade. Tem-se a destruição de relacionamentos pelas diretrizes das mentiras dos parceiros que escondem sua homossexualidade nos banheiros públicos. Contemporaneamente vive-se em uma época em que as aparências estão em primeiríssimo lugar. Não se ama verdadeiramente, uma vez que as relações são construídas através de interesses econômicos, sociais. O orgulho a falta de moralidade, honestidade e a busca acelerada por um enriquecimento, reconhecimento superficial trazem consigo a necessidade incontrolável e quase inadiável de aparentar algo que não tem. A peste da falsidade em sua idéia central nasce da concepção do diabo e traz certos proveitos, como, por exemplo, omitir sua personalidade, sexualidade ou condição. Apresenta-se de maneira diferente para tentar levar vantagens, rentabilidade, crescimento, ascensão social. Essa falta de moralidade, amizade, companheirismo, solidariedade parece ser uma característica comum em nossa época. A ética do mundo tornou-se imoral, portanto lembrar-nos-emos de Rui Barbosa. Ele afirmou certa vez, que de tanto ver triunfar o cinismo, mentira, falsidade. Sentia-se envergonhado de ser um homem de moralidade, honestidade. Algumas pessoas que já conheci jamais poderão ter vergonha de serem honestas, pois nunca tiveram a chance. Portanto algumas criaturas vivenciam a sedução violentadora de palavras mentirosas. Atuam pela permissividade social para trapacear impunemente o outro e, em nome da rentabilidade, são conduzidos a enganar e a se permitirem ser enganados como aliados fiéis do fraudar o outro e ser enovelados na farsa de si mesmos (Caniato, 1999a). A lei que orienta a vida na sociedade do consumo é a de "enganar o bobo" (Ulloa, 2001a, 2001b)". texto de Geovane Leonardo dos Santos Braga, jornalista, mestre pela universidade federal do rio de janeiro, Professor gentilmente enviado a propósito do que os nossos "irmãos" observam neste nosso Portugal.