domingo, 27 de novembro de 2011

Reconhecidamente ... Fado!

"O Fado nasceu um dia, quando o vento mal bulia e o céu o mar prolongava, na amurada dum veleiro, no peito dum marinheiro que, estando triste, cantava, que, estando triste, cantava.
Ai, que lindeza tamanha meu chão, meu monte, meu vale, de folhas, flores, frutas de oiro, vê se vês terras de Espanha, areias de Portugal, olhar ceguinho de choro.
Na boca dum marinheiro do frágil barco veleiro, morrendo a canção magoada, diz o pungir dos desejos do lábio a queimar de beijos que beija o ar, e mais nada, que beija o ar, e mais nada.
Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido que aqui te faço uma jura: que ou te levo à sacristia, ou foi Deus que foi servido dar-me no mar sepultura.
Ora eis que embora outro dia, quando o vento nem bulia e o céu o mar prolongava, à proa de outro velero velava outro marinheiro que, estando triste, cantava, que, estando triste, cantava." José Régio, in 'Poemas de Deus e do Diabo'

Dados mal catalogados da PSP? - incomodam-me!

Parece que a base de dados de informações da PSP contém diversas infracções legislativas, no tratamento de dados pessoais e constitucionais. A Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) já exigiu alterações, mas nada mudou. Na base, há informação sobre "origem étnica, comportamento da vida privada, fé religiosa, convicções políticas, filiações partidárias ou sindicais" de indivíduos, cuja conservação a CNPD considera que devia ser "proibida", a não ser em casos "de absoluta necessidade para os fins de uma determinada investigação criminal". Além disso, mistura tudo nos mesmos ficheiros, desde cadastros de condutores a investigações criminais.
O Ministério da Administração Interna pediu há um ano à CNPD um parecer sobre um projecto de decreto-lei para adaptar aquele sistema "em face das novas orientações da política criminal, da evolução tecnológica e da nova legislação em vigor no sector das polícias e da investigação criminal". A CNPD respondeu em Abril do ano passado, definindo um conjunto de medidas que devia ser tomado para legalizar a base de dados. Logo à partida, a comissão destacou a "desconformidade formal do projecto face às regras constitucionais", alertando para a necessidade de o Sistema de Informações e Operações Policiais (SIOP) ser regulado por uma lei, aprovada pela Assembleia da República, "por tratar de matéria relativa a direitos, liberdades e garantias". A CNPD chama a atenção para a necessidade de os ficheiros do SIOP deverem ser separados de acordo com as suas finalidades, ao contrário do que acontece actualmente. Tudo misturado: "Cadastro de condutores, cadastro de porte de arma, pedidos de detenção, pedidos de paradeiro, medidas de coacção aplicadas a arguidos, investigações criminais e até pedidos de vigilância discreta ou controlos específicos."
A análise da CNPD constatou também que não havia um tratamento diferenciado para o grau de fidedignidade da informação recolhida pela PSP. Ou seja, uma informação cuja origem é absolutamente fiável é colocada ao mesmo nível de outra baseada apenas em "boatos".
Bem sei que já não está na moda falar da história para trás do 25 de Abril e que muitos até acham que tudo era um enorme jardim de rosas sobre este País à beira mar plantado, mas para os que teimam em recordar-se, aqui fica uma nota: os "anónimos" (todos nós) não querem ver-se "mal" catalogados porque ainda há por aqui quem não tenha memória curta. Faço-me entender?!

Estado de excepção - "Os senhores da anomia"

Elucidativo o apontamento de Jaime Freire (escritor (Nov. de 2011) | InVerbis | 26-11-2011) "Os Senhores da Anomia".
Começa o seu raciocínio a partir da violência das medidas enunciadas na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2012, a mando da Troika, e a propósito do tão falado "Estado de Necessidade", e critica que ninguém da «sociedade do espectáculo» tenha vindo a público esclarecer o que é isto do "Estado de Necessidade".
Pelo que explica "Imaginem uma zona chamada Notstand, uma «terra de ninguém» situada algures entre as esferas do direito e da política favorável à invasão da tirania e ao ressurgimento da hidra da Excepção. Na ficção das coisas, a Excepção parte da própria Constituição, mas na realidade (no imaginado far west sem simulacros) a hidra emerge do indistinto e brumoso pântano do Estado de Necessidade. Após a ocupação deste território selvagem, os poderosos invasores, a coberto do Estado de Necessidade ou, o que agora é o mesmo, do Estado de Emergência Financeira, agem politicamente através de decretos de urgência com força de lei violadores da velha (e arcaica) Constituição. Modo de actuar que desvenda a decisão normativa do Estado de Excepção sobre a estranha e indiferente (inter)zona de anomia."
E continua chamando à colação o pensador italiano Giorgio Agamben, cujo «passo na floresta» segue desconstruindo neste pequeno texto, e que "define anomia na sua obra Estado de Excepção (Stato di Eccezione). Trata-se de um fenómeno essencialmente político que acontece numa ordem que (já) não é jurídica. O Estado de Excepção aparece como a inclusão e a captura de um espaço que não está fora nem dentro do Direito. Nas palavras do filósofo, «O Estado de Excepção é um espaço anómico, no qual está em jogo uma força-de-lei sem lei», força que é «uma fictio através da qual o direito procura anexar a própria anomia»."
"Isto é, ao incluir a anomia na Lei os Senhores Absolutos da zona exterior legitimam o advento da violência soberana que suspende selvaticamente o Direito, transcendendo-o. Doravante, é a Necessidade que dita, ou diz, o direito positivo através da violência soberana sem lei.
E desta vez na história, na nossa sociedade desenvolvida e pós-moderna (segundo o mito), nem foi necessário os representantes dos alienígenas declararem formalmente o iustitium para a decisão acontecer, ou se manifestar de forma impiedosa. A essência da ordem antes estabelecida, filha da era das luzes, feneceu perante o charivari (a mascarada) neoliberal do declínio do Ocidente como um boneco de neve no solstício de Verão.
Assim, na desencantada situação artificial em que nos encontramos como avatares do nada, abertos depois do colapso dos gigantes os portões do Inferno, que afinal a Constituição também abraça com paixão, pelo campo dos abandonados andando vem o terror anómico."
Conclui "Em nome de uma dívida infinda, andando vem o terror anómico."
A falta de ordem na desordem é uma consequência e não uma causa, digo eu.

O estado social de Gasparzinho ...

O ministro das Finanças, Vítor Gaspar, está convencido que o Estado social português "é um sucesso", com "muito mais benefícios" do que custos, anunciando o objetivo de assegurar "uma transição bem conseguida para um Estado social mais forte". E está tão convencido que continua "Um Estado social moderno e bem desenhado não é um handicap para a concorrência, é um ativo na concorrência. Um dos objetivos centrais da agenda de transformação estrutural é assegurar uma transição bem conseguida para um Estado social mais forte, sustentável, que apoie o nosso espírito de equipa". Ou seja, tudo o que tem sido feito e não tem sido feito foi, é e será em nome do estado social do Gaspar. Que, coincidentemente ou não, nada tem a ver com o Estado Social, enquanto modelo, nem com o estado social do comum dos mortais. Ou é um génio ou é uma espécie de Gasparzinho. Será um génio com certeza ...

Abstenção violenta ...

Afinal parece que Passos Coelho se incomodou com a "violência" da abstenção do PS.
Ontem, admitiu aceitar “alguma modulação” na aplicação das medidas de austeridade “com impacto social mais pesado”. Trocando por miúdos, a maioria PSD/CDS-PP e o PS podem ainda entender-se sobre uma fórmula que permita aliviar os cortes de subsídios de Natal e férias pelo menos nas pensões entre 485 e 1000 euros. Segundo PPC é possível “fazer alguma modulação”, isto é, tentar “garantir que o valor mínimo a partir do qual a medida será aplicada possa ser um pouco mais elevado e que o valor a partir do qual se consumam os cortes do dois subsídios” também possa ser alterado, explicitou o chefe do Governo. É isso que os deputados “estão a avaliar”.
Amanhã de manhã é votada na especialidade o artigo do Orçamento do Estado que aplica os cortes de subsídios na função pública e nas pensões, tornando a solução definitiva. A isto referia-se o secretário-geral do PS quando dizia que a maioria PSD/CDS-PP “tem 24 horas” para responder às propostas de alteração ao OE propostas pelos socialistas. Mas disse também, em jeito acessório - embora esta afirmação inquine a advertência inicial - “A bola, como se costuma dizer, está do lado do Governo”, que tem uma maioria absoluta e, como tal, “a faca e o queijo na mão”, apontou. É o que todos achamos, claro (daí a relutância em perceber a "violência" da abstenção!!).
Carlos Zorrinho tem feito um esforço notável em fazer passar a mensagem da insistência do PS, em especial “a proposta de devolver um subsídio ou uma pensão, de manter o IVA na restauração, cultura e comidas para bebés”, sublinhando que a maioria tem-se mostrado “irredutível”, e que os socialistas estão a “aguardar propostas” que permitam diminuir “injustiças na repartição de sacrifícios”. Aliás, Carlos Zorrinho tem chamado a si, e muito bem, de uma forma concentrada e aglutinadora, os papéis de negociador - para fora e para dentro - deste OE. E quase que apetece dizer que se alguma coisa se conseguir a ele se deve (faço-me entender?!).
Em resposta, o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, esclarecia que os partidos da maioria “não apresentaram nenhuma proposta sobre a matéria específica do corte de subsídios da função pública”, porque entendem que este aspecto não pode ser alterado, em função dos compromissos assumidos por Portugal com a troika. E lá foi dizendo que se “o PS entender fazer evoluir a sua proposta de alteração para um nível que não ponha em causa” a “neutralidade orçamental, que é absolutamente indispensável”, e “a repartição do esforço que há-de ser feito pelo lado da despesa e da receita”, a maioria está disponível para “fazer a sua apreciação”.
As declarações do primeiro-ministro ao início da tarde de ontem apontavam para alguma evolução nessa posição, quando afirmava, sobre os cortes de subsídios de férias e Natal da função pública e pensionistas, em 2012, que está a ser estudada “a possibilidade de fazer uma modulação na forma como eles serão aplicados”.
Em suma, a única amostra da "violência" desta abstenção (enriquecimento do léxico político que ficamos a dever a António José Seguro) vem do intrépido e incansável Carlos Zorrinho (uma personagem equiparada a Miguel Relvas - o polémico e mal-amado actor principal do dueto PSD-PP - mas do lado do PS e assim para o bonzinho, lá para os lados do Rato).
Obrigado, Carlos por nos revelares a "violência" da abstenção do PS ... seja lá isso o que for!

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Novelas da Justiça ...

E aqui fica o contraditório à polémica do diz que diz, vai ... vai tu, entre os actores da Justiça. O António Marinho e Pinto subscreve este mural, pelo que deixo o seu registo pessoal à consideração dele próprio e de todos.
"A ministra da Justiça", por António Marinho E Pinto, JN
"Depois de andar a acusar-me de lhe dirigir ataques pessoais, a sra. ministra da Justiça veio agora responder à denúncia que eu fiz de ter usado o cargo para favorecer o seu cunhado, Dr. João Correia. Diz ela que não tem cunhado nenhum e que isso até se pode demonstrar com uma certidão do registo civil. Já antes, com o mesmo fito, membros do seu gabinete haviam dito à imprensa que ela é divorciada.
Podia explicar as coisas recorrendo à explícita linguagem popular ou até à fria terminologia jurídica que têm termos bem rigorosos para caracterizar a situação. Vou fazê-lo, porém, com a linguagem própria dos meus princípios e convicções sem deslizar para os terrenos eticamente movediços em que a sra. ministra se refugia.
A base moral da família não está no casamento, seja enquanto sacramento ministrado por um sacerdote, seja enquanto contrato jurídico homologado por um funcionário público. A base moral da família está na força dos sentimentos que unem os seus membros. Está na intensidade dos afectos recíprocos que levam duas pessoas a darem as mãos para procurarem juntas a felicidade; que levam duas pessoas a estabelecerem entre si um pacto de vida comum, ou seja, uma comunhão de propósitos existenciais através da qual, juntos, se realizam como seres humanos. Através dessa comunhão elas buscam em conjunto a felicidade, partilhando os momentos mais marcantes das suas vidas, nomeadamente, as adversidades, as tristezas, as alegrias, os triunfos, os fracassos, os prazeres e, naturalmente, a sexualidade.
O casamento, quando existe, agrega tudo isso numa síntese institucional que, muitas vezes, já nada tem a ver com sentimentos, mas tão só com meras conveniências sociais, morais, económicas ou políticas. Por isso, para mim, cunhados são os irmãos das pessoas que, por força de afectos recíprocos, partilham entre si, de forma duradoura, dimensões relevantes das suas vidas.
É um gesto primário de oportunismo invocar a ausência do casamento para dissimular uma relação afectiva em que se partilham dimensões fundamentais da existência, unicamente porque não se tem coragem para assumir as consequências políticas de opções que permitiram que essa relação pessoal se misturasse com o exercício de funções de estado, chegando, inclusivamente, ao ponto de influenciar decisões de grande relevância política.
Tal como o crime de violência doméstica pode ocorrer entre não casados também não é necessário o casamento para haver nepotismo. Basta utilizarmos os cargos públicos para favorecermos as pessoas com quem temos relações afectivas ou os seus familiares. Aliás, é, justamente, aí que o nepotismo e o compadrio são mais perniciosos, quer porque são mais intensos os afectos que o podem propiciar (diminuindo as resistências morais do autor), quer porque pode ser mais facilmente dissimulado do que no casamento, pois raramente essas relações são conhecidas do público.
Aqui chegados reitero todas as acusações de nepotismo e favorecimento de familiares que fiz à Sra. Ministra da Justiça. Mas acuso-a também de tentar esconder uma relação afectiva, unicamente porque não tem coragem de assumir as consequências políticas de decisões que favoreceram o seu cunhado, ou seja o irmão da pessoa com quem ela estabeleceu essa relação. Acuso publicamente a Sra. Ministra de tentar tapar o sol com a peneira, procurando dissimular uma situação de nepotismo com a invocação de inexistência de casamento, ou seja, refugiando-se nos estereótipos de uma moralidade retrógrada e decadente.
A sra. ministra da Justiça tem o dever republicano de explicar ao país por que é que nomeou o seu cunhado, dr. João Correia, para tarefas no seu ministério, bem como cerca de 15 pessoas mais, todas da confiança exclusiva dele, nomeadamente, amigos, antigos colaboradores e sócios da sua sociedade de advogados. Isso não é uma questão da vida pessoal da Sra. Ministra. É uma questão de estado.
Nota: Desorientada no labirinto das suas contradições, a sra. ministra da Justiça mandou o seu chefe de gabinete atacar-me publicamente, o que ele, obediente, logo fez, mas em termos, no mínimo, institucionalmente incorrectos. É óbvio que não respondo aos subalternos da sra. ministra, por muito que eles se ponham em bicos de pés."
E a novela continua ...

Gritos e silêncios nos palcos da Justiça!

Vera Jardim veio hoje afirmar que todos os protagonistas da justiça "falam demais" e que comunicam entre si "ao pontapé". Diz que na Justiça "toda a gente fala, fala muito e fala notas acima do que deveria falar", o que provoca uma cacofonia que não é entendida pelo cidadão comum.
A picardia é evidente, de facto.
Começando pelas afirmações do presidente do Supremo Tribunal de Justiça que assumiu que lhe dava "muito prazer" que fossem conhecidas as escutas do caso Face Oculta porque os portugueses se "iam rir".
Passando pelas afirmações do bastonário que comparou o comportamento da ministra da Justiça ao de uma "peixeira".
O PGR, entretanto, lá foi pedindo que as buscas a Duarte Lima fossem feitas de forma discreta e acabaram a ser filmadas em directo pelas televisões.
Paula Teixeira da Cruz assumiu, em entrevista à TVI, que o Procurador-Geral da República, ao contrário do que defendeu publicamente, não precisa de um reforço de poderes. E diz Vera Jardim que "A ministra também está a falar notas acima do adequado" e a "introduzir ruídos desnecessários sobretudo em relação ao PGR". Pinto Monteiro fica fragilizado com estas declarações? "Claro que sim", concluiu.
Vera Jardim não poupa criticas ao PGR - "Ele também é um dos que fala demais e, às vezes, fala mal" - mas defende algumas das dificuldades diárias com que se depara Fernando Pinto Monteiro: "Não há cargo mais difícil hoje, em Portugal, do que o de PGR. Pela mediatização de processos criminais, sobretudo os que envolvem pessoas com poder. É criticado porque acusou, criticado porque não acusou...está sempre no furacão mediático". O caso Duarte Lima deixou isso bem patente, diz Vera Jardim, que defende "uma comunicação mínima das autoridades para que as pessoas percebam o que se passa".
Em suma, Vera Jardim assume um "grande respeito" pelo Procurador-geral da República mas diz que o principal problema que assola o Ministério Público não é a falta de poderes do PGR. "O problema é existir um conflito aberto, é bom que se chame os bois pelos nomes, entre o PGR e o Sindicados dos Magistrados do Ministério Público. Sou contra, manifestamente contra, o uso do Conselho Superior do Ministério Público para o desgaste permanente do PGR". Vera Jardim concorda com a manutenção deste sindicato, desde que sirva "para defender os interesses dos procuradores", o que não tem acontecido: "O sindicato tem, a meu ver, manifestamente extravasado as suas competências".
No essencial, concordo com Vera Jardim, mas é um facto que longe vai o tempo das vozes silentes, hoje até o maior dos silêncios pode ser ensurdecedor! Outras épocas!

domingo, 20 de novembro de 2011

As opções remuneratórias de Assunção Esteves

Leio hoje aqui alguns comentários sobre a Assunção Esteves.
A primeira declaração de interesses que aqui deixo é a seguinte: Sou militante de um partido que nunca fez nada por mim, nem era suposto que fizesse - é a minha opinião. Pertenço a uma daquelas associações a que os portugueses tanto gostam de chamar de "lobby", e que nunca fez nada por mim, nem era suposto que fizesse - é a minha opinião. Sou mulher e nunca me vali disso nem era suposto que valesse - é a minha opinião.
A segunda declaração de interesses é esta: contrariamente ao que é uso, como mulher, não gosto de apontar o dedo a outras mulheres. Ou não o faço facilmente.
Conclusão: para os que me acusam de aqui ser "tendenciosa" ora a favor de um partido, ora a favor de um lobby, quero dizer o seguinte: Gosto da Assunção Esteves. E quero lá saber se ela é do PSD! Em rigor, admiro as pessoas quando entendo que devem ser admiradas, independentemente da cor (até porque há outras muito cor-de-rosa, azuis, encarnadas e verdes por quem não nutro a menor admiração)!
Apontam-lhe o dedo porque recebe 7.255 euros de pensão por dez anos de trabalho como juíza do Tribunal Constitucional e porque não lhe é permitido acumular esse valor com o ordenado de presidente do Parlamento, abdicou de receber remuneração pelo exercício do actual cargo, cujo salário é de 5.219,15 euros. Mantém, no entanto, o direito a ajudas de custo no valor de 2.133 euros.
Tudo dentro da lei.
Se outras políticas da nossa praça (apetece-me referir só às mulheres, posso?) tivessem uma centelha de currículo que fosse semelhante ao dela, não teríamos de discutir quotas.
Assunção Esteves emprestou ao cargo uma simplicidade, uma tenacidade e uma humanidade que nunca antes se vira (ou talvez se tenha visto com Barbosa de Melo, com quem cruzei os corredores enquanto adjunta do Secretário-Geral da AR, ao tempo - mas sem aquela graça!). E estou-lhe grata por isso!
Assunção Esteves chegou onde chegou porque mereceu e não o fez à custa de ninguém nem por conta de ninguém.
Esta senhora terá de me comprovar que estou muito errada (ou outros a quem respeito terão de o fazer por ela) para me ouvirem dizer uma palavra que seja contra ela!

Cuidado com os pobres, senão o crime aumenta?


Cuidado com os pobres, por ALBERTO GONÇALVES, DN
"Há dias, um "telejornal" anunciava com alarme que a "crise pode aumentar agressões a profissionais de saúde". Por acaso, a notícia fundamentava-se num relatório que estima a diminuição das agressões a médicos e enfermeiros em 2010 para menos de metade das registadas em 2009 (79 para 174). Os factos, porém, não devem tolher um exercício bastante em voga: prever, com mais impaciência do que preocupação, que a degradação económica conduzirá as respectivas vítimas à violência, ao delito e à perdição sumária.
No caso em questão, seria curioso perceber porque é que um sujeito com dificuldades financeiras tem maior propensão para correr ao tabefe o pessoal clínico que lhe surge pela frente. O responsável pelo relatório sugere uma explicação: os "cortes" orçamentais multiplicarão o número de vezes em que os técnicos do SNS recusarão as exigências dos pacientes, logo a possibilidade de conflito subirá proporcionalmente.
É uma tese interessante. Se fosse plausível, poderíamos esperar o crescimento da pancadaria nas repartições das Finanças, a disseminação da bordoada nas delegações da Segurança Social e, em última instância, o fomento das tareias nos postos de venda da Mercedes, que teimam em negar automóveis a cidadãos de baixos rendimentos.
Absurdo? Não tanto quanto a inclinação para considerar os necessitados, de longa ou curta data, potenciais malfeitores. Mas é essa a ideia que atravessa a sociedade e que os "media", obedientes, reproduzem: a pobreza inspira o crime. Não falo apenas de agressão. Falo (correcção: fala-se) de assaltos à mão armada, roubo por esticão, fogo posto, homicídio e, quem sabe, exposição indecente. Uma espreitadela às manchetes dos últimos meses resume o tom apocalíptico vigente: "Crise faz crescer violência financeira sobre os mais velhos"; "Violência vai generalizar-se devido à pobreza e precariedade"; "Crise pode aumentar pequena criminalidade"; "Criminalidade pode aumentar com a crise"; "Aumento da criminalidade é reflexo da crise"; "Crimes violentos alastram pelo país à medida da crise financeira"; "Ministro admite agravamento da criminalidade violenta"; etc.
As citações acima dizem respeito a ocasiões distintas e provêm de diferentes origens, da PSP ao PS, da APAV àqueles "observatórios" que observam por aí. São, sem dúvida, profecias assustadoras. São, em idêntica medida, desprovidas de fundamento. Consulte-se os dados americanos e europeus disponíveis: se há tendência evidente no Ocidente das últimas cinco ou seis décadas é a subida estatística dos crimes em simultâneo à melhoria das condições de vida. Não pretendo insinuar que o crime é resultado da prosperidade. Talvez resulte da degradação do ensino, das contradições da Justiça, da dependência fomentada pelo estado assistencial, da famosa dissolução dos "valores", de tiques nervosos ou de uma mistura de diversos fenómenos. Certo é que a desonestidade e a carência material não andam forçosamente de mãos dadas. Donde espanta um bocadinho que muita gente presuma o contrário. E espanta imenso que alguns pareçam desejá-lo."

Da servidão às palavras livres - Baptista Bastos

Do conceito de servidão às palavras que se querem livres, por Baptista Bastos, Jornal de Negócios
"A troika está muito contente com a obediência do Governo português às exigências que lhe foram feitas, adicionando aos aplausos uns rebuçados pelos exageros verificados. E o Governo muito contente está em ser como é. O Governo é, não só um submisso acatador das ordens, como um dócil servidor de regras que nada têm a ver com a cultura e a idiossincrasia portuguesas. Já foi dito e redito. Mas o conceito de servidão associa-se a uma espécie de desejo oculto de submissão. O facto de o Governo ter excedido as normas e ter ido muito mais além do estipulado, não abona a conformidade que o devia orientar. Porque, não o esqueçamos, o Governo decide por si, mas representa o País.
O carácter relacional do poder é muito complexo, e permite que, amiúde, o povo vá atrás do que lhe é nocivo. Maquiavel analisou a dependência recíproca do príncipe e dos seus súbditos. Tem acontecido o fenómeno na nossa história. Demasiadas vezes, no meu entender. O desejo de mando está relacionado com a indulgência e a resignação com que ele é aceite pelos comandados.
A troika veio e manifestou intensa alegria pela subordinação do Governo. Os sorrisos eram amplos, escancarados, muito felizes. Aconteça o que acontecer, há uma unidade substancial que foi desfeita. Claro que, cada vez mais acentuada, se demonstra uma erosão das convicções e da autoridade na sociedade democrática. Mas são os próprios Governos que têm abdicado de exercer o poder para que foram mandatados. Evidentemente, uma abdicação desta natureza e com este conteúdo tão significativo, não consegue mobilizar ninguém. Ainda por cima, estamos sujeitos a decisões de "austeridade" notoriamente unilaterais. As grandes fortunas nem sequer são beliscadas, quando as leis da equidade deveriam ser aplicadas com rigor e exigência. Mas este Executivo, não o esqueçamos, ausentou-se das funções comuns a uma sociedade verdadeiramente democrática. E aí reside a questão fundamental: esta democracia existe como tal, ou é, de facto, uma "democracia de superfície"?, destinada a favorecer e a proteger os mais poderosos, a fim de os encaminhar para as zonas de decisão?
Os padrões sociais, que constituem a razão de ser de uma nação, estão praticamente dissolvidos. Este Governo, em vez de procurar estabelecer uma inscrição de progresso no corpo da sua própria intenção, decidiu avançar para um empreendimento de liquidação social. Entrou em beligerância violenta com os sectores da sociedade cujas condições pareciam asseguradas, desde há décadas, devido a lutas tenazes e frequentemente heróicas contra a selvajaria das classes possidentes. A selvajaria está a regressar. Com o regozijo não dissimulado das associações patronais.
O "mercado" e a desregulação, mesmo sem fazermos uma leitura exclusivamente económica do mundo, põem em questão, e em perigo, o próprio sistema que dizem defender. O que estamos a assistir é ao estrebuchar de uma sociedade que eliminou qualquer expressão de justiça, e que tem liquidado todas as manifestações de repúdio e de contestação. Claro que este estado de coisas não pode continuar. E já há muitos indícios da verdadeira dimensão do protesto. Em Portugal, as coisas acontecerão, podem ter a certeza. Só um tolo ou um fanático as não prevê. "

Carta fechada do Chefe de Gabinete da MJ ao bastonário da OA

Carta fechada a Marinho e Pinto - O chefe de gabinete da ministra da Justiça critica o bastonário dos advogados.
"1. Há uma altura na vida em que é preciso dizer basta. E sente-se que chega essa momento quando se ultrapassam os limites da decência e se entra na brejeirice.
As tuas atuais investidas contra o Ministério da Justiça padecem desse mal e revelam uma patologia que a todos envergonha!
Falas quando queres, direito que te assiste enquanto cidadão. E, porque também te dizes jornalista (enfim, uma espécie de jornalista…), sabes bem a forma de manter acesa a chama dos voyeuristas dos costumes, mesmo que inventando factos que não existem para, a partir deles, construíres as mais fantásticas teorias de conspiração. Inventas familiares e cunhados à ministra da Justiça que não existem, projetas nomeações promíscuas no gabinete que também não existem, e esqueces-te que tudo o que dizes pode ser publicamente escrutinado e facilmente desmentido.
Mas, porque também és bastonário, falas muitas vezes quando não deves. Só que há recatos que o dever do cargo exige, cujos limites ainda não percebeste porque não tens consciência da ilicitude sobre muito do que dizes, e porque teimas em manter acesa essa chama populista.
É, por isso, tempo de dizer: basta!
2. Dizem os chineses que não devemos abrir portas que, depois, não possamos fechar. Mas tu praticas o oposto. Abres todas as portas que podes e depois, porque as não consegues fechar, ficas prisioneiro num imenso labirinto, de onde não sabes sair.
Mal não viria ao mundo esse facto — cada um escolhe as prisões em que se quer isolar —, não fosse o caso de igualmente seres bastonário. E não se verificasse essa particular insignificância de que, ao falares, responsabilizas todos os advogados portugueses!
3. Todos sabemos o pretexto: são os malandros de agora que não pagam o apoio judiciário que os outros deixaram!
A dívida herdada pelo atual Governo era de €35 milhões (a propósito: onde andavas tu nessa altura que não se ouvia a tua voz de protesto?), mas é a ministra da Justiça que não paga!? Pois: e a dívida aumentou. Sim, aumentou um pouco menos de €6 milhões. Só que este Governo já conseguiu pagar €6,8 milhões!
Também não te dá jeito que a Portaria de 2008, que deixou cair os mecanismos de fiscalização do sistema de apoio judiciário, e que está na origem de tanta ‘desconformidade’ (chamemos-lhe assim até que os resultados da auditoria sejam publicados…), tenha resultado de um acordo entre ti e o anterior Governo. E ainda é uma maçada que tenha sido dito que o Conselho Geral da Ordem recebe um significativo financiamento do Estado, não é?
De facto, em 2010, foram-te entregues €1.7 milhões. E este ano, até setembro, a verba vai quase num milhão de euros…
4.0 momento é sério! O sistema judicial precisa de reformas profundas. Precisa da intervenção de todas as profissões jurídicas. Precisa de moderação, de algumas cedências e de compromissos estratégicos à volta do essencial. Mas tu abres guerras com quase toda a gente, sem cuidar de perceber o limite ético da crítica, sem teres a dignidade de respeito pela função que desempenhas. E como não tens propostas estruturadas para a reforma do sistema de justiça, vives com um discurso construído de generalidades.
Escolheste o caminho de ser arauto da desgraça, uma figura menor que Portugal bem dispensava nestes tempos de grande urgência nacional. É por tudo isto que repito: basta!" João Miguel Bastos | Expresso | 19-11-2011

Assunção Cristas e as barragens - esclarecimentos

Assunção Cristas foi motivo de graçola quando confiou nos seus adjuntos a propósito de barragens. Para que não a voltem a aconselhar mal e evite expor-se ao ridículo aqui ficam alguns apontamentos.
Ao fim de quatro anos de esforços de organizações ambientalistas e populações locais, começou a haver algum debate público sobre o programa nacional de barragens (PNBEPH).
"Em prol da verdade, vale a pena desmontar alguns argumentos que a propaganda oficial e articulistas mal informados têm vindo a atirar para a arena mediática.
Argumento ridículo 1 – “O investimento é privado.” O investimento inicial nas nove grandes barragens apro­vadas pelo Governo ascende a 3600 M€, o que, somado aos custos financeiros e ao lucro das empresas de elec­tricidade, gerará um encargo global estimado em 16.000 M€ ao longo de 75 anos – que obviamente será pago na totalidade pelos cidadãos-consumidores-contribuintes. Parte deste custo será reflectido na factura da electricida­de, e parte nos impostos, para suportar o défice tarifário e a “garantia de potência” estabelecida na Portaria n.° 765/2010. O que importa é que, entre tarifa e impostos, as novas barragens implicarão um aumento superior a 10% no custo da electricidade.Argumento ridículo 2 – “Independência energética e alterações climáticas.” As nove barragens novas, que iriam espatifar outros tantos rios, produziriam apenas 1,7 TWh/ ano de electricidade, ou seja, 0,5% da energia primária do país ou 3% da procura de electricidade; isto para poupar apenas 0,7% das emissões nacionais de gases de efeito de estufa e 0,8% das importações de combustíveis fósseis. Se, em vez de barragens, investirmos o mesmo dinheiro em medidas de eficiência energética, conseguiremos um efeito cerca de 10 (dez) vezes maior na poupança de emissões e importações, com valor acrescentado para as famílias e as empresas, e efeitos ambientais positivos.
Argumento ridículo 3 – “Armazenar energia.” Argu­menta-se que o esquema da bombagem hidroeléctrica, usando energia barata produzida à noite (eólica e não só) permite armazenar energia; é meia verdade. A ou­tra metade da verdade é que, segundo o PNBEPH, Por­tugal precisaria no futuro de 2000 MW de bombagem hidroeléctrica; ora, entre as centrais já operacionais e em construção, só em barragens preexistentes, já temos disponíveis 2510 MW de potência de bombagem – ou seja, não precisamos de nenhuma barragem nova!
Argumento ridículo 4 – “Energia renovável.” As gran­des barragens estão entre os modos de produção de ener­gia mais agressivos, porque destroem irreversivelmente os solos agrícolas, os ecossistemas, as paisagens natu­rais e humanizadas, o património cultural. O paradigma moderno não é o “renovável”, mas sim o “sustentável” – social, ecológico, económico -, que as novas grandes barragens não respeitam de todo.
Argumento ridículo 5 – “Já pagámos as concessões.” As concessões pagas pelas empresas de electricidade ao Estado serão, em última análise, suportadas pelos consu­midores; ou, se o Estado devolver essas verbas, serão su­portadas pelos contribuintes, o que vai a dar ao mesmo.Para além de uma ou outra gaffe, o silêncio do actu­al Governo neste assunto tem sido ensurdecedor. Não se trata de mera ignorância, porque já foi informado. Será medo de desvalorizar as acções da EDP até à privatização? Ou simples cobardia política para afrontar o lobby do betão e electrão? Ou haverá outras razões ainda menos respeitáveis?Muito se tem falado de outras obras faraónicas, como o aeroporto de Lisboa, as auto-estradas ou os estádios. Está na hora de o programa nacional de barragens ocu­par o lugar que lhe cabe no rol das fraudes cometidas sobre os cidadãos portugueses em nome do “interesse público”." (www.geota.pt) João Joanaz de Melo in Público, 16 de Novembro de 2011.

domingo, 13 de novembro de 2011

Portugal em "estado de sítio" - segundo Garcia Pereira

Garcia Pereira diz que Portugal está a viver «uma espécie de Estado de Sítio que não foi declarado», com medidas que retiram direitos fundamentais aos cidadãos, a pretexto de isso estar no acordo da troika. Um Estado de Sítio que não foi declarado pelas formas previstas na Constituição da República, que «está suspensa de facto». «Sob uma lógica de que, ou está no acordo da Troika, ou está para além do acordo da troika, estamos a assistir todos os dias à liquidação de direitos, liberdades e garantias dos cidadãos», «sem que se levantem vozes, designadamente daqueles que se dizem defensores da Democracia e de um verdadeiro Estado de Direito».
Afirma que as medidas estão a ser tomadas «à margem de quaisquer princípios e preceitos constitucionais» e que «o Tribunal Constitucional é absolutamente cúmplice» desta situação. «O Tribunal Constitucional está hoje transformado num órgão político. Essa marca genética hoje agravou-se de uma forma muito significativa» e os juízes «estão a produzir decisões de conteúdo político, e não de defesa da Constituição, que é a tarefa atribuída ao Tribunal Constitucional».
Diz ainda que «os sacrifícios estão a cair em cima de quem vive do seu trabalho e deixando de fora os rendimentos do capital e aqueles que são os principais responsáveis pela grave crise financeira» que actualmente se vive.
O advogado realça que «doze mil milhões» de euros das tranches da troika são para recapitalizar os bancos, «que ao longo dos anos fizeram lucros fabulosos» com empréstimos do Banco Central Europeu a «um por cento e emprestando ao Estado e a devedores privados a taxas quatro, cinco ou seis vezes superiores».
Na sua perspectiva, em Portugal está-se perante «medidas com carácter de classe, claríssimo, anti-trabalhador».
Garcia Pereira recordou ter-se formado «na escola de homens como Ângelo Almeida Ribeiro e Adelino da Palma Carlos, para quem o pior defeito da advocacia era a subserviência, o medo ou a cobardia de falar, e o primeiro dever era exactamente o de combater todas as injustiças, todas as iniquidades, todas as violações de direitos», afirmou.

Video-vigilância ou video-protecção?


Foi aprovada a mudança da lei que regula a videovigilância. A marcar a mudança, o Governo abandona o termo "videovigilância" e passa a adoptar a designação "vídeo-protecção".
Nas alterações previstas, destaque para uma mudança no papel que a Comissão Nacional de Protecção de Dados tem nestes processos, com a proposta de lei hoje aprovada a determinar que os seus pareceres de autorização se limitem a aspectos meramente técnicos. O Ministério de Miguel Macedo quer que a Comissão deixe de opinar sobre a necessidade e a oportunidade da instalação destes sistemas, se bem que continuará a ter funções de fiscalização do seu funcionamento.
Ou seja, trocando por miúdos, o Governo deu mais chicotada na liberdade individual e na privacidade dos cidadãos, abrindo as portas, sem o controlo devido, à instalação de um sistema de permanente videogilância.
Até aqui, a Comissão, como entidade independente, assegurava que estes sistemas apenas eram instalados em casos limite, já que se trata de um sistema intrusivo (excepcional, portanto). Agora, o Governo dispensa o parecer da única entidade que salvaguardava os dois interesses potencialmente conflituantes – a privacidade e a segurança – optando exclusivamente pela via securitária, menosprezando a salvaguarda da liberdade pois que «quem passa a aferir das condições de recurso a este instrumento seja sobretudo as forças de segurança».
Nos pareceres da CNPD constam a necessidade de se obterem elementos fiáveis e comparáveis, qualitativos e quantitativos, sobre a evolução da criminalidade e das situações de insegurança física e dos bens dos frequentadores da área coberta pelo sistema, a possibilidade de estudar se os resultados obtidos na sua eventual melhoria são ou não obtidos em consequência do emprego da videovigilância e se justificam restringir os direitos fundamentais dos cidadãos titulares abrangidos por esse tratamento.
Agora restam os aspectos técnicos. Que "os aspectos das pessoas" não parece que tenham a menor importância. No que se vai tornando um hábito!

sábado, 12 de novembro de 2011

Porque me atentam os atentados (ou as afirmações de contradita) à liberdade de expressão?


Esta semana assistimos à proclamação de intenções - ou de reconhecimento e/ou de concordância com as intenções de outrém - de Otelo Saraiva de Carvalho, sobre o estado do Estado. ‎Acabei de ler "Otelo, a autodestruição de uma referência", do Nuno Saraiva, publicado no DN.
A propósito, uns levantaram-se indignados, dizendo que o coronel veio incitar as Forças Armadas a um golpe - ou a uma golpada, muito mais à portuguesa e a condizer com o que a quase todos se insurge - que foram "ultrapassados os limites", que é provável, ou seria aconselhável, que pegassem nas armas - e creio que não tinha em mente aquela imagem do menino com a arma na mão de que brotava um cravo vermelho - que desfilassem fardadas pelas ruas, que o melhor era "fazerem uma operação militar e derrubarem o Governo". A indignação destes - que me parece não ser a "indignação" de outros - justificar-se-ía pela intenção de "subversão da democracia e do Estado de direito", vendo mesmo nas palavras de Otelo um apelo a um golpe para pôr os coronéis no poder. Julgaram ver nas declarações de Otelo um "inaceitável atentado à liberdade como um intolerável desrespeito pela Constituição da República Portuguesa."
E eu que acreditava que em Democracia se podia dizer "tudo". Afinal, gerações adiante, parece que começámos a perceber que existe uma "espécie" de democracia - com letra pequena, evidentemente - onde há coisas que não se podem dizer.
Sejam quais forem as intenções de Otelo, quantos militares ouvimos em surdina a afirmar "insurgimentos" semelhantes?
E, note-se, este foi um homem de Abril.
Que se sinta indignado pelo actual estado de coisas ... quem não se sente?
Que tenha legitimidade para o dizer? e outros que nada tiveram a ver com Abril não o dizem também?
Que tem este homem de "diferente"? Porque é que aquilo que sente e que diz lhe é especialmente imputável?
E respondem-me, precisamente por isso é que tem mais responsabilidade! Concordo, "especialmente por isso" é que tem o direito de lhe dizer o que vai na alma. Goste-se ou não!
O Fernando Alves, disse esta semana na TSF, e o Nuno Saraiva cita-o: "Otelo, pá, este ainda que pantanoso estado de coisas é uma democracia!".
Esta semana, ainda, o capitão de Abril, Vasco Lourenço, veio afirmar, em entrevista ao Sol, que a convulsão social é inevitável, porque as políticas estão a pôr «cidadãos contra cidadãos», e aquilo que pode ter dito diferentemente de Otelo foi que tinha esperança que os militares conseguissem «ter calma» e ser um «esteio no meio da perturbação». Isto é assim tão diferente do que disse Otelo? Entrelinhas ... não.
Mas mais atónita fico com as afirmações de Pinto Monteiro, o Procurador-Geral da República. Que afirma que a Procuradoria-Geral da República não vai abrir qualquer inquérito às declarações de Otelo Saraiva de Carvalho, "a não ser que factos posteriores o justifiquem". E que "factos posteriores" seriam esses? Uma revolução? Civil ou militar?! Sendo civil, não entendo a que propósito Otelo seria responsabilizado? A que título tal lhe seria imputável? Sendo militar, tão-pouco. A não ser que alguém acredite que Otelo tem algum ascendente especial sobre as Forças Armadas. O que acho muito difícil.
Fica mal a Pinto Monteiro "avisar" Otelo. Muito mais mal que fica a Otelo "indignar-se" ou a Vasco Lourenço "peocupar-se"!
Fica-lhe ainda pior reagir de imediato às declarações de Otelo. A não ser que reagisse igualmente às declarações de todos os "indignados" que apelam quase ao tal golpe de estado - de novo com letra pequena! E de todos os indignados com a sua não actuação naqueles casos de que nos lembramos todos os dias e que todos os dias saem do nosso bolso, em autêntico e descarado "saque". Se for a investigar todos os que apontamos o dedo à "eficiência" da PRG ... vai ser uma obra herculeana. Logo Pinto Monteiro que, ainda esta semana, nos punha tão descansados com o actual estado - sempre em letra pequena - do País - em letra grande, claro. Que há corrupção? Nem por isso, afirmou.
No cenário de crise nacional, Otelo pode ter falado demais, mas não foi o único. Pinto Monteiro também deveria ter falado menos. Até porque se tenciona mandar investigar todos os cidadãos que se "indignam" ... é bem capaz de, a talho de foice - e isto nada tem a ver com foice e martelo, ter de espiolhar meio País.
Dada a minha especialização em contratos públicos, deixo aqui um conselho ao PGR: comece a pensar em mandar fazer "n" ajustes directos de empreitadas de obras públicas, mais precisamente de estabelecimentos prisionais - e veja se os serviços são mais sábios e cautelosos do que têm sido nesta matéria. Mas faça-o nos termos do ajuste directo geral, porque para recorrer aos critérios materiais, designamente o da alínea c) do nº 1 do artigo 24º do Código dos Contratos Públicos, teria de invocar a urgência e a imprevisbilidade dos factos. E, ao que parece, estes começam a ser tudo, excepto imprevisíveis.

domingo, 6 de novembro de 2011

"Los ajustes tienen límites"

Editorial do diário El País, "Los ajustes tienen límites":
‘El fondo de los problemas europeos no está resuelto; de ahí que la inestabilidad vuelva una y otra vez a adueñarse de los mercados. El sobresalto del referéndum no se hubiera producido si las fantasmales instituciones europeas hubieran resuelto la quita griega a principios de 2011; los países del euro se hubiesen ahorrado meses de incertidumbre y de costes financieros si el Fondo de Estabilidad hubiese sido reformado en 2010, cuando ya existían criterios avanzados para hacerlo; Grecia ahora (y probablemente Portugal e Irlanda después) estarían sometidos a menos presión social si Alemania, Francia y el BCE entendiesen que los planes de rescate, tal como están diseñados, agravan la situación del rescatado más que aliviarla (no se puede pedir a un país que reduzca su déficit público del 12% del PIB al 3% en tres o cuatro años); y el estancamiento de la eurozona dejaría de ser un tormento para los países del área (casi cinco millones de parados en España) y una pesada rémora para el crecimiento mundial si los puritanos del déficit aceptasen que los países tienen que crecer para devolver sus deudas. El crecimiento es imposible si siempre se aplica la misma política restrictiva. Las políticas de ajuste a palo seco, sin otras opciones de estímulo, han fracasado.’

"Burocracia mínima garantida para alguns, encargos para todos", por João Tiago Silveira


João Tiago Silveira, Burocracia mínima garantida para alguns, encargos para todos [hoje no Expresso]:
‘Sobre competitividade e burocracia há sinais preocupantes no Ministério da Justiça. Sinais camuflados em linguagem técnica, que cidadãos e empresas (ainda) não detetam.
Diz o Governo que pretende restaurar o núcleo essencial de cada profissão jurídica de forma a que cada uma tenha as suas competências bem definidas, sem se sobreporem porque há atos que seriam próprios da profissão de notário que são praticados por conservadores ou por Câmaras de Comércio (Lusa e “Diário de Notícias” de 14 de outubro).
(…)
Hoje, todos podemos comprar ou vender uma casa no balcão ‘Casa Pronta’ ou optar por fazê-lo num notário, advogado ou solicitador. E o empresário pode escolher constituir uma empresa através da ‘Empresa na Hora’ e praticar atos de registo comercial dispensando a escritura (e o seu pagamento) num notário. Há concorrência e escolha onde antes havia monopólios e exclusivos. Os serviços simplificaram-se e os preços baixaram porque todos sabem que têm de prestar um serviço melhor e mais barato.
Ganhou-se em comodidade e em competitividade. Mais rapidez e maior simplicidade é mais tempo e dinheiro que fica na economia para investir e criar emprego. Não haverá empresário recordado do tempo que demorava (e do preço que custava) criar uma empresa? E o calvário que era comprar casa, com os registos provisórios, as escrituras. os registos definitivos, e o pagamento dos impostos em entidades diferentes, “cada uma com as suas competências bem definidas”?
Agradou a todos? Claro que não. Os beneficiários da burocracia mínima garantida não ficaram satisfeitos com o fim dos monopólios e a chegada da concorrência. E menos ainda porque isso obrigou a baixar preços e a prestar serviços mais completos e virados para as pessoas.
Pois que fique claro o que a ministra da Justiça diz. Onde se simplificou e permitiu a escolha para os cidadãos, o Governo pretende voltar a criar complexidade e restaurar os monopólios tradicionais da burocracia. É obrigar quem compra casa a ir ao notário e pagar, sem ter a escolha do ‘Casa Pronta’. É dizer que as empresas devem voltar a praticar atos burocráticos sem hipótese de escolha, correndo todas as capelinhas (e pagando em todas) porque “cada uma (das profissões jurídicas) deve ter as suas competências bem definidas, sem se sobreporem”. (…)’

«Tempo de minhocas e de filhos de meretriz»

Mais um texto digno de reporte por aqui.
«Tempo de minhocas e de filhos de meretriz», Luís Manuel Cunha in Jornal de Barcelos de 02 de Novembro de 2011
«Quero, no entanto, relevar um deles – Ângelo Correia, o famoso ministro do tempo da chamada “insurreição dos pregos”, actual gestor e criador de Passos Coelho que, nesta democracia de merda, chegou a primeiro-ministro “sem saber ler nem escrever”! Pois Ângelo Correia recebe 2200€ mensais de subvenção vitalícia! E valerá a pena recuperar o que disse este homem ao Correio da Manhã em 14 de Junho de 2010: “A terminologia político-sindical proclama a existência de ‘direitos adquiridos’ (…) Ora, numa democracia, ‘adquiridos’ são os direitos à vida, à liberdade de pensamento, acção, deslocação, escolha de profissão, organização política (…) Continuarmos a insistir em direitos adquiridos intocáveis é condenar muitos de nós a não os termos no futuro.” Ora, perante a eventual supressão da acumulação da referida subvenção vitalícia com vencimentos privados, o mesmo Ângelo Correia disse à RTP em 24 de Outubro de 2011: “Os direitos que nós temos (os políticos subvencionados) são direitos adquiridos”! Querem melhor? Pois bem. Este é o paradigma do “filho da puta” criador. Porque, depois, há o “filho da puta” criatura. Chama-se Passos Coelho. Ei-lo em todo o seu esplendor, afirmando em Julho de 2010: “Nós não olhamos para as classes médias a partir dos 1000€, dizendo: aqui estão os ricos de Portugal. Que paguem a crise”. E em Agosto de 2010: “É nossa convicção não fazer mais nenhum aumento de imposto. Nem directo nem encapotado. Do nosso lado, não contem para mais impostos”. Em Março de 2011: “Já ouvi o primeiro-ministro (José Sócrates) a querer acabar com muitas coisas e até com o 13.º mês e isso é um disparate”. Ainda em Março de 2011: “O que o país precisa para superar esta crise não é de mais austeridade”. Em Junho de 2011: “Eu não quero ser o primeiro-ministro para dar emprego ao PSD. Eu não quero ser o primeiro-ministro para proteger os ricos em Portugal”. Perante isto, há que dizer que pior que um “filho da puta”, só um “filho da puta” aldrabão. Ora, José Sócrates era um mentiroso compulsivo. Disse-o aqui vezes sem conta. Mas fazia-o com convicção e até, reconheço, com alguma coragem. Este sacripanta de nome Coelho, não. É manhoso, sonso, cobarde. Refira-se apenas uma citação mais, proferida pelo mesmo “láparo”, em Dezembro de 2010. Disse ele: “Nós não dizemos hoje uma coisa e amanhã outra (…) Nós precisamos de valorizar mais a palavra para que, quando é proferida, possamos acreditar nela”. Querem melhor?
“O dia deu em chuvoso”, escreveu Álvaro de Campos. É o “tempo dos coniventes sem cadastro / Tempo de silêncio e de mordaça / Tempo onde o sangue não tem rasto / Tempo de ameaça”, disse Sophia. Tempo para minhocas e filhos da puta, digo eu. É o tempo do Portugal que temos.
Nota – Dada a exposição pública do jornal com esta crónica na última página, este título destina-se apenas a não ferir as sensibilidades mais puras. Ou mais púdicas.»

Alterações de humor, Miguel Relvas?

A Casa dos Segredos (São Bento, leia-se) está cada vez mais com aquela ambiência encriptada.
Antes da abstenção era tudo uma enorme fatalidade. Depois da abstenção (que, aliás, não tem qualquer efeito prático para ninguém nem para coisa nenhuma), afinal, o corte de apenas um dos subsídios está mesmo em cima da mesa.
O ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, admitiu este sábado que "todas as propostas (para o Orçamento do Estado) são possíveis de ser avaliadas", incluindo a manutenção de um dos subsídios dos funcionários públicos, como pretende o secretário-geral do PS. "Todas as propostas são possíveis de ser avaliadas. Têm que ser avaliadas, têm que ser vistas na dimensão que elas produzem nas consequências dos objetivos que têm que ser atingidos, mas a atitude que o Partido Socialista teve foi uma atitude muito construtiva e muito positiva", afirmou Miguel Relvas. Alterações de humor, Miguel?!
Obrigado Passos Coelho. Obrigado Miguel Relvas.
Quando o mau vem depois do péssimo até parece bom. E, se em vez de duas inconstitucionalidades cometerem "só" uma ficamos "agradecidos".
Isto lembra-me as afirmações de George Lakoff, na crítica de certas afirmações que George W. Bush fez antes da invasão do Iraque de 2003: "(...) Se foi uma mentira a serviço de uma boa causa, então foi uma mentira social. Se foi baseada em informações falhas, então foi um erro honesto. Se estava lá apenas para ênfase, então foi um exagero.""

"PORTUGAL TEM MEDO" - do José António Barreiros


Da maior pertinência e acutilância o texto do meu amigo José António Barreiros, no seu blogue "A Revolta das Palavras". Que aqui deixo "com pena e agravo"!
"Portugal tem medo!
Sabem o que é o fim da democracia? É as pessoas terem perdido a esperança de que Portugal pode mudar a partir do interior dos partidos. É as pessoas não acreditarem que os partidos possam mudar a partir de dentro de si mesmos.
Sabem o que é o fim da democracia? É as pessoas referendarem em eleições por uma cruzinha num cartão pessoas que não escolheram, como quem num restaurante come o que a lista lhe oferece e tem sido sempre o «prato do dia» em todas as refeições, votarem nos nomes, cada vez piores, que lhes são apresentados pelos que dos partidos se apoderaram.
Sabem o que é o fim da democracia? É o acto eleitoral ser um negócio pelo qual vendo o meu voto em troca de não querer saber mais da causa pública, salvo para me lamuriar e ficar inerte, com excepção, para alguns, dos dias de greve e de manif.
Sabem o que é o fim da democracia? É ver-mo-los chegar à política com uma mão atrás e outra à frente, vagas de desconhecidos, treparem esses vultos através das velhacarias em que os aparelhos dos partidos do governo se tornaram, e uns tempos depois, publicitados, travestidos pelo "marketing", aí estão cheios como odres ou em santuários de bom viver.
Sabem o que é o fim da democracia? É ninguém ter votado que se aceitassem a aniquilação da nossa agricultura e, corruptos, aceitámos, submissos, da Europa do capital o seu dinheiro para a destruir, mais a frota pesqueira, mais a capacidade de produzir até o que comemos e hoje vivermos do calote e do fiado, iludidos uns que era a modernidade que assim chegava, a da tecnocracia post-moderna a este cantinho nosso de labregos, e mais do que certos outros de que o dinheiro para a formação e para a reconversão tecnológica daria para uns anos de desbunda privada e ostentação pública.
Sabem o que é o fim da democracia? É uma pessoa escrever isto e haver quem receie que lhe chamem fascista e se ter criado um clima oculto de intimidação pelo qual se aluga o silêncio e se compra a complacência e ser mais barato fazer de conta e sobretudo mais rendoso.
Sabem o que é o fim da democracia? É estarmos em República a ser governados pela «troika» estrangeira, como na Monarquia pelos Filipes espanhóis e já não comemorarmos o 25 de Abril e ainda não ter chegado quem queira um 1640.
Sabem o que é o fim da democracia? É ter-se enterrado com os Fernando Nobre a ilusão de que nas AMI's deste mundo ainda haveria um resto de gente que se podia organizar e tirar este país do estado comatoso em que se encontrava, até se ter descoberto que, afinal, era mais um, a mesma ambição pessoal, a mesma incapacidade de agir, a mesma derrocada moral, o mesmo desânimo.
Sabem o que é o fim da democracia? É que os que podiam pegar nas armas do combate contra os que a puseram na viela escusa da má fama, em nome da democracia suicidarem-se com essas armas, por vergonha, por desespero, por já não aguentarmos mais.
Somos um povo de suicidas escreveu Unamuno e conheceu-nos como a Manuel Laranjeira, outro que acabou consigo, como se matou Antero de Quental com um tiro e Alexandre Herculano ao exilar-se. Somos de facto: lentamente rende-mo-nos à morte lenta, ao doce veneno de nos vermos à noite a morrer, em directo e na TV.
Sabem o que é o fim da democracia? É a democracia ter-se, afinal, tornado, através da farsa do voto, uma forma de reorganização mundial do capital à conta de quem trabalha. Entre o euro e o dólar, nos subterrâneos das praças financeiras, eis aí o combate nos esgotos pelo verdadeiro poder.
Ao longe, a milenária China espera o seu momento para nos vender como nas lojas de trezentos. Mais perto, os Árabes que, em nome da Cristandade chacinámos pelas Cruzadas, anseiam o momento da vingança.
Hoje, ante a liturgia da falência e seus coveiros, no cortejo funerário da miséria, reina um silêncio profundo, o silêncio dos cemitérios. Portugal tem medo."

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

CORRUPÇÃO - Afinal, não somos dos piores. Ufa!


Estou tão feliz por saber que não somos dos piores! O Procurador-geral da República, Pinto Monteiro, mostrou-se muito aborrecido porque a comunicação social leva as pessoas a concluir que "Portugal é o país mais corrupto do mundo", o que "não corresponde à realidade". "A corrupção existe em Portugal e é preciso combatê-la com todos os meios legais existentes, mas está muito longe de ser um dos países onde a corrupção atinge os mais elevados níveis". E diz que é "preciso combater a corrupção, mas sem o sensacionalismo que, por vezes irreflectido ou intencional, se atribui à sua grandeza". Segundo ele, o combate à corrupção deve ser uma prioridade, mas há "outros ilícitos" a que 0o MP também dá prioridade por serem "igualmente serem altamente lesivos da sociedade portuguesa", designadamente a criminalidade organizada e a criminalidade altamente violenta, que em época de crise "aumenta" e gera "terror, instabilidade e danos pessoais e patrimoniais". Quanto à introdução na legislação portuguesa do crime de enriquecimento ilícito, admite que isso facilitaria a investigação de vários casos ligados à corrupção, mas alertou de "que nada servirá aprovar uma lei que os tribunais depois considerem inconstitucional". "Não podemos esquecer que há que respeitar os princípios constitucionais, o ónus da prova e a presunção da inocência", vincou o PGR, apontando ser "fundamental corrigir o equilíbrio" entre estes dois pratos da balança, o que reconheceu "não ser fácil". Cândida Almeida, referiu aos jornalistas que a Linha Aberta ao Cidadão para denunciar Crimes de Corrupção recebeu mais de 1.400 denúncias, mas que destas só resultaram a abertura de nove processos. Cândida Almeida explicou que a maior parte das denúncias prendem-se com dívidas fiscais e o não cumprimento de deveres tributários de várias empresas ou, simplesmente, com pedidos de ajuda das pessoas, o que foge à finalidade da Linha. Esta linha de participação pública no combate ao crime da corrupção surgiu na sequência de uma recomendação da OCDE e visa permitir que todos os que conhecem fenómenos de corrupção possam denunciar de forma anónima. Há um magistrado que está exclusivamente dedicado ao 'site'. Questionada sobre se tinha a mesma percepção do cidadão normal de que a grande corrupção em Portugal aparece frequentemente associada à questão do financiamento dos partidos políticos, Cândida Almeida respondeu: "Oiço dizer, mas eu não tenho elementos suficientes, queixas ou denúncias que me levam a concluir isso".
Ufa, ainda bem que há pior e que por cá estamos sem problemas ...

Hoje - As preocupações de Dike e Santo Ivo


Três casos marcam hoje a actualidade da Justiça.
Primeiro, a polémica decisão do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha de Nascimento, de mandar destruir as escutas do processo Face Oculta, que, na segunda-feira, o Tribunal Constitucional reacendeu com o acórdão assinado por cinco juízes conselheiros (João Cura Mariano, Joaquim de Sousa Ribeiro, J. Cunha Barbosa, Catarina Sarmento e Castro, Rui Manuel Moura Ramos), em que estes aceitam a reclamação interposta pelo arguido do processo Face Oculta, Paulo Penedos, que sempre contestou a destruição das escutas, alegando que as mesmas eram essenciais para a sua defesa. O TC aceitou sindicar a decisão do presidente do STJ, que interveio neste caso apenas como juiz de instrução. “Não se vislumbrando outras razões para que não eja conhecido o recurso interposto para o Tribunal Constitucional por isso deve ser deferida a reclamação apresentada, admitindo-se esse recurso, o qual deve ter efeito meramente devolutivo da decisão recorrida, com subida imediata nos próprios autos”, lê-se na decisão. O que significa que o Tribunal Constitucional, cuja existência o presidente do Supremo questionou há dias, irá sindicar a decisão de Noronha do Nascimento, analisando se a mesma viola ou não normas da Constituição, embora isso não suspenda o desenrolar do processo Face Oculta, cujo julgamento começa na próxima terça-feira no Palácio de Justiça de Aveiro.
Segundo, o caso de Duarte Lima. Segundo as autoridades brasileiras, se for condenado no Brasil, a sentença pode ser executada em Portugal. Numa conferência de imprensa realizada no Ministério Público – em atenção à cobertura portuguesa do caso, segundo foi explicado – o procurador-geral de justiça do Rio, Cláudio Lopes, e a promotora responsável pelo caso, Gabriela de Aguillar Lima, disseram “esperar” que a justiça portuguesa contribua “para que o crime não fique impune”. Cândida Almeida admitiu já a abertura de investigações no caso. A questão da impunidade coloca-se porque Duarte Lima não poderá ser extraditado de Portugal para o Brasil, segundo os acordos entre os dois países. Ou seja, com um processo já a decorrer contra ele na justiça brasileira haveria o risco de, em caso de condenação, a pena não ser cumprida. Mas havendo cooperação portuguesa, isso pode ser evitado, alertam os responsáveis brasileiros. Lembram que o acusado tem “certa influência em Portugal” e é importante “que não exerça influência sobre testemunhas”, que foi “um crime praticado com bastante audácia”, e “talvez ele não tenha acreditado tanto na competência da polícia e das leis brasileiras”. Gabriela Lima explicou que a acusação de homicídio qualificado se baseia em “provas contundentes de que [Duarte Lima] efectuou dois tiros em Rosalina Ribeiro”, por “motivo torpe” e “de surpresa”, de acordo com o inquérito policial. Sendo que o acusado “só atrapalhou a investigação” ao prestar declarações “inverídicas e truncadas” quando falou com a polícia.
Terceiro, o caso Isaltino. Que reagiu à rejeição pelo Tribunal Constitucional do seu último recurso, sustentando que ela não tem efeitos imediatos no “desfecho do processo”. Se assim fosse, a decisão do TC não implicaria a sua detenção imediata para cumprimento da pena de dois anos de prisão efectiva a que foi condenado. Num comunicado assinado pelo arguido, desta vez distribuído através de uma conta de e-mail do próprio e não através dos serviços da Câmara de Oeiras, Isaltino afirma que o que agora transitou em julgado “foi a decisão do Tribunal Constitucional (acórdão de 11 de Outubro passado), que julgou conformes com a Constituição da República as normas invocadas ao longo do processo para vedar ao arguido a apreciação dos factos em discussão, isto é o julgamento, por um tribunal de júri” e não a decisão que o condenou. Continuam pendentes e a aguardar decisão do Tribunal da Relação de Lisboa várias questões que não enumera, “essas sim determinantes para o desfecho de todo o processo”. A questão assume especial relevância já que, se fizer valimento a tese da defesa de que a decisão do TC não implica o trânsito em julgado da decisão condenatória e a consequente prisão do arguido, a decisão da Relação poderá ser tomada já depois de efectivamente prescritos alguns desses crimes. Essa prescrição pode dar-se já no início da próxima semana, o que, a confirmar-se, obrigaria a Relação, se não se pronunciasse até lá, a declarar prescritos esses crimes e a ordenar a reformulação do acórdão que condenou o arguido, sendo que o novo acórdão poderia, naturalmente, ser objecto de novos e sucessivos recursos. Para dar força ao seu entendimento de que a última decisão do TC não o pode levar de imediato à cadeia, tese corroborada por alguns juristas. Isaltino sustenta que é também essa a leitura do TC, uma vez que este “ordenou a remessa dos autos (isto é, da parte do processo que lhe coube analisar e decidir) para o Tribunal da Relação de Lisboa ‘a fim de os mesmos prosseguirem os seus termos’". Mas como o que estava em causa no recurso que o TC agora rejeitou era precisamente um acórdão da Relação de Lisboa, também é possível ver na devolução dos autos a esse tribunal superior uma decisão obrigatória para o TC, a qual nada tem a ver com o facto de ali haver ou não outros recursos pendentes sobre o mesmo caso.
E assim vão os caminhos de Dike. Suponho que esta se interrogue de que lhe vale segurar a espada e a balança, se a primeira vai ganhando trunfos à segunda. Há-de ter muito que contar a Zeus e a Témis. Dike é a padroeira da justiça, dos juízes. Santo Ivo é o padroeiro dos advogados. Dois santos desesperados com os caminhos da Justiça em Portugal. Graças a Deus, "para baixo todos os santos ajudam", que "para cima" não se vê jeito por aqui.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

O ÚLTIMO 1 DE NOVEMBRO?


O ÚLTIMO 1 DE NOVEMBRO?

Muita coisa vai mesmo mudar a pretexto da “crise”.
O Expresso traz um artigo interessante nesta matéria que este texto segue nalguns segmentos. O 1 de Novembro, Dia de Todos os Santos, é celebrado há mais de mil anos no mundo católico e é uma das datas com maior tradição no calendário cristão. Começou a ser celebrado como resposta a uma declaração do Papa Gregório III (731-741), na Basílica de São Pedro, quando exaltou e exortou os católicos a rezarem pelas relíquias e almas dos santos no além. "Para os apóstolos, para todos os santos, mártires e confessores e para todos os justos iluminados espalhados pelo mundo". Tragicamente, o dia 1 de Novembro foi também o dia do terramoto de 1755, e, assim nasceu a tradição do pão-por-Deus, levado a uso pelas crianças que se viram expostas a uma situação terrível de alimentos e que saíram à rua pedindo restos de broa e comida.
Nos últimos anos, tem ganho força uma celebração predominantemente anglo-saxónica, o "Halloween" que se celebra na noite de 31 de Outubro e que tem origens, pelo menos segundo a maioria dos historiadores, no festival "Samhain" que marca o fim das colheitas e nos agradecimentos aos entes espirituais, na expressão escocesa "All-Hallows-Even" (que significa, antes da noite dos santos).
A data está também associada ao Dia dos Finados, celebrado a 2 de Novembro e que recorda todos aqueles que, apesar de não terem atingido a "iluminação no além", a sua alma continua a ser acarinhada por todos os crentes católicos em comunhão. É uma data em que volto a Vale de Cavalos para visitar todos os meus ente queridos. Esta volta sistemática e presente fica ferida com a abolição deste feriado. Os lisboetas, aqueles que não têm terra – os da segunda geração em diante – aqueles que “nasceram” em vaso, como costumo dizer, mantém o laço com a terra dos pais e dos avós neste dia em que regressam ao colo sanguíneo e da infância para reviver tempos de férias e de apego às searas, aos tomatais, aos meloais. É um dia de sabores e de cheiros que nos reportam à memória dos afectos. Os enchidos, os doces, as sopas de couve com feijão, temperada com um naco de carne e de chouriço, o café acabado de fazer à lareira, o bolo de ovos saído do forno.
É aquele “sentir” a que Eça de Queiroz se refere em “A Cidade e as Serras”, quando Jacinto, chamado a Tormes para reconstruir o túmulo de seus ancestrais, empreende uma viagem que se reencontra consigo mesmo. Naqueles dias em que troca, satisfeito e feliz como nunca "um peixe delicioso e muito raro que se pesca na Dalmácia"., “um Porto de 1834, envelhecido nas adegas do avô Galião”, o consommé frio com trufas, o vinho branco, Chateau-Yquem, o "peixe famoso da Dalmácia, o peixe de S. Alteza, o peixe inspirador da festa!", o Barão de Pauillac, o champanhe, o ortolan (caça fina), pelo "jantarinho de Suas Incelências que não demorará um credo.", o vinho de Tormes "fresco, esperto, seivoso, e tendo mais alma, entrando mais na alma, que muito poema ou livro santo"... enfim, aquele jantarzinho caseiro e frugal. “O bom caseiro sinceramente cria que, perdido nesses remotos Parises, o senhor de Tormes, longe da fartura de Tormes, padecia fome e minguava... E o meu Príncipe, na verdade, parecia saciar uma velhíssima fome e uma longa saudade da abundância, rompendo assim, a cada travessa, em louvores mais copiosos. Diante do louro frango assado no espeto e da salada aquele apetecera na horta, agora temperada com um azeite da serra digno dos lábios de Platão, terminou por bradar: - "É divino!" Mas nada o entusiasmava como um vinho de Tormes, caindo do alto, da bojuda infusa verde - um vinho fresco, esperto, seivoso, e tendo mais alma, entrando mais na alma, que muito poema ou livro santo. Mirando, à vela de sebo, o copo grosso que ele orlava de leve espuma rósea, o meu Príncipe, com um resplendor de otimismo na face, citou Virgílio: Quo te carmina dicam, Rethica? Quem dignamente te cantará, vinho amável desta serras?”
E assim é em Vale de Cavalos. Não falo do que podia ter mudado, falo do que não mudou. E ali me sinto como o “… o meu novíssimo amigo, debruçado da janela, batia as palmas – como Catão para chamar os servos, na Roma simples. E gritava: - Ana Vaqueira! Um copo de água, bem lavado, da fonte velha! Pulei, imensamente divertido: - Oh Jacinto! E as águas carbonatadas? E as fosfatadas? E as esterilizadas? E as sódicas?... O meu Príncipe atirou os ombros com um desdém soberbo. E aclamou a aparição de um grande copo, todo embaciado pela frescura nevada da água refulgente, que uma bela moça trazia num prato.”
Voltar “à terra” para recordar o pouco que de bom a vida me deu na infância, no colo dos meus avôs, das minhas tias, dos vizinhos amáveis, genuínos e gentis, na companhia das primas, ai! Voltar à terra nesse dia santo e reservado às memórias pode ter os dias contados.
Se é pela crise ou se é pela Troika, ou ainda se é pelo Governo, seja pelo que for, uma parte de nós lisboetas “de vaso” vai ficar “sem terra”, por menos um dia. E fico triste. Mais uma lágrima que cai pelo meu País!