O presidente da AR, Jaime Gama, no final do ano passado, impôs alterações ao regulamento interno que fixa o regime de viagens dos deputados que integram as delegações que representam o Parlamento português em organismos internacionais. Com duas alterações substanciais. Os deputados deixam de poder viajar em 1ª classe e passam a viajar apenas em executiva, sem a possibilidade de desdobrar bilhetes, trocando o seu lugar em 1ª por 2 lugares em executiva, para poderem viajar de quem lhes dava mais gosto. JG não se justificou, nem precisava de o fazer, é uma medida polémica, que de há muitos anos a esta parte causa celeuma. Consta que esta alteração se impôs depois do incidente causado com a delegação portuguesa à União Interparlamentar, em que um deputado terá aproveitado uma reunião em Adis Abeba (Etiópia), para, no regresso, ficar mais uns dois diazinhos no Dubai a passar a Páscoa com a família, e outro deputado viajou para Omã com a mulher. Uma viagem entre Lisboa e África com um desvio pelo Golfo Pérsico. Diga-se que estas histórias sempre ocorreram na AR e que isso nem constitui qualquer irregularidade, porque o procedimento tinha enquadramento legal e porque daí não resultava qualquer aumento de custos para a Assembleia (nestes casos as despesas são suportados pelos deputados). Entendia-se apenas que era um comportamento questionável à luz, digamos, da moral. Se a lei confere aos deputados o direito a viajar em executiva isso fundamenta-se porque representam o país como seus altos dignatários e, portanto, viajar em 1ª subverte o espírito da lei. Com as novas regras fica também proibido o uso das viagens oficiais para contabilizar e fidelizar milhas nos cartões individuais dos deputados. E os membros suplentes da AR deixam de poder viajar nas delegações. Estas alterações foram propostas pela secretária-geral da AR, Adelina Sá Carvalho, ao Conselho de Administraçã, no final da última sessão parlamentar, após a Páscoa e o escândalo das "férias no Dubai". No mandato de Almeida Santos, os bilhetes só podiam ser desdobrados para levar como acompanhante o cônjuge. Em 2004, Mota Amaral, introduziu a possibilidade de o acompanhante poder ser um companheiro ou um familiar.
Tem dado brado a história das viagens de Inês de Medeiros. Afinal, Lisboa-Paris, todas as semanas, em executiva, custam perto de €4500. É que a deputada foi eleita pelo círculo de Lisboa (Santa Catarina), morada do cartão de eleitor, mas a morada do BI é Lisboa. Que morada vale? A morada fiscal - IM paga impostos em França ou a morada do BI? A questão é que os deputados têm direito ao reembolso das viagens de deslocação para o seu círculo eleitoral, mas IM tem domicílio fora do território nacional e a deputada não foi eleita pelos círculos da Europa ou fora da Europa. Uma omissão regulamentar. Os serviços da AR propuseram que, por analogia, IM fosse equiparada aos deputados dos círculos da emigração, mas o CA não chegou a acordo e remeteu o caso para JG. O CA entende que não está no âmbito das suas competências elaborar um parecer "sem uma reflexão política prévia que permita definir as linhas programáticas" para depois poder elaborar eventuais regulamentos. Francisco Assis, líder parlamentar do PS, quer que o "caso" seja "resolvido o mais rapidamente possível" e diz que o arrastamento do problema está a "prejudicar a imagem da Assembleia". Diz que "A deputada foi convidada por nós, não veio aqui com o objectivo de alcançar nenhuma vantagem material, nem pediu nenhum tratamento especial", admitindo a referida analogia. O processo está outra vez no CA, depois de este órgão o ter devolvido a JG, que o (re)devolveu ao CA, que hoje optou por solicitar novo parecer, desta vez, ao auditor jurídico. No pedido ao auditor jurídico, o CA questiona se o caso de IM tem ou não cabimento legal. Em caso de resposta negativa, pede uma solução para o problema. O relatório não é vinculativo, só o será depois de homologado por JG. Entretanto, IM diz que só toma uma posição quando a AR tomar a sua. E questionada sobre os comprovativos das viagens que fez até agora, a Paris, aos fins-de-semana, que se acumulam na agência de viagens, garante: "Eu é que não as pago". A deputada afirma que lhe foi garantido o pagamento das deslocações a Paris, mediante a apresentação dos bilhetes numa agência de viagens, pelo que espera que o impasse, que dura há 4 meses, "se resolva". Se não se resolver, IM pagará do seu bolso.
O problema é complexo e, quando se reclama contenção de custos, causa constrangimentos políticos, mas o problema principal é que se abram precedentes deste tipo, com deputados a usar o estratagema, no futuro. Não é uma questão fácil, mas, sinceramente, creio que o melhor será IM ir preparando um pé-de-meia ou fazer-se substituir. Porque se não isto não chega a ser uma doença pode muito bem ser interpretado como um sintoma. E isso é grave. E descredibilizante!