terça-feira, 28 de dezembro de 2010

SOBRE CAVACO SILVA ... ENSAIO DE LUCIDEZ DE DEFENSOR DE MOURA

Assumo, fui provavelmente dos primeiros militantes do PS a assumi-lo, que votarei Manuel Alegre, por motivos sobejamente explicados. O que não impede que admire e respeite a lucidez deste texto publicado por João Soares de Defensor de Moura. Vai na íntegra.
"Esclarecimento. Depois do debate com Cavaco Silva, um jornal diário de Lis...boa solicitou-me uma entrevista para esclarecimento de algumas das afirmações feitas, a que eu acedi imediatamente porque, o escasso tempo concedido aos candidatos na TV é insuficiente para a cabal explanação dos temas abordados.
Infelizmente, hoje verifico que, certamente por falta de espaço, as minhas afirmações foram muito reduzidas por aquele jornal e, por isso, decidi publicitar o meu resumo da citada entrevista: Disse que Cavaco Silva não é isento nem leal, favoreceu amigos e correligionários e tolerou e beneficiou com negócios considerados ilícitos pela justiça, além de lhe faltar cultura política para se identificar com eventos relevantes da história recente do país, tendo eu afirmado que esses atributos são importantes na avaliação dos candidatos ao cargo de Presidente da República. Informei ainda o referido jornal que, no Dia de Portugal de 2008, recusei a comenda de Grande Oficial da Ordem de Mérito, que o Presidente da República me quis atribuir, não só por considerar que o trabalho em Viana do Castelo tinha sido realizado por uma vasta equipa e não apenas por mim mas, também, por não aceitar ser distinguido por quem tinha tido uma série de atitudes pouco edificantes durante a preparação do evento. No debate televisivo, fiz referência a vários factos ocorridos durante a preparação do Dia de Portugal em Viana do Castelo em 2008 que, na minha opinião, demonstram claramente que Cavaco Silva não tem perfil para ser PR e que só naquele momento, “olhos nos olhos” com o agora recandidato, senti o dever cívico de os revelar para que os portugueses o conheçam melhor, ultrapassando o poderoso aparelho de propaganda que lhe construiu a imagem de isenção e seriedade que “só em duas vidas” os outros portugueses poderiam alcançar. A falta de isenção de Cavaco Silva foi revelada quando recusou o convite (mostrado ao jornalista) que lhe fiz para realizar o Dia de Portugal em Viana do Castelo em 2009, para encerrar as comemorações dos 750 anos do Município, antecipando-o para 2008. Na altura o PR alegou que, sendo 2009 ano de eleições autárquicas não queria beneficiar nenhum município e, por isso, as comemorações seriam realizadas em Lisboa, com carácter mais nacional. Afinal, em 2009 as comemorações realizaram-se num município liderado pelo PSD. Para demonstrar o seu favorecimento de amigos e correligionários, considerei suficiente mostrar ao jornalista a proposta feita à Câmara Municipal pela Presidência da República para se contratar a fadista, que tinha sido mandatária da juventude na candidatura de Cavaco Silva, para um espectáculo público em Viana do Castelo. A proposta indicava ainda um maestro e um palco especial para a actuação, tudo orçado em mais de 90 mil euros, com Iva incluído. A Autarquia recusou a proposta presidencial e realizou um espectáculo, de não menor qualidade, com artistas vianenses, que custou apenas seis mil e quinhentos euros. Mas o despesismo da Presidência de Cavaco Silva, ainda foi mais exuberante no arranjo da sala para a cerimónia solene do Dia de Portugal. Não foi aceite a proposta da autarquia de a realizar no magnífico Teatro Municipal e, o arquitecto da equipa do PR, fez um projecto de decoração interior de um pavilhão de exposições, que constituiu uma verdadeira tenda gigante e que orçou em 165 mil euros, para um acto de apenas uma hora e meia! Apesar de eu ter resistido o mais que pude a realizar tão grande despesa e até ter discutido o orçamento com a empresa, que fora indicada pela equipa presidencial, a Câmara Municipal teve de assumir aquele encargo perante a exigência presidencial da maior dignidade para as comemorações, sempre com a “ameaçadora hipótese” de o evento poder ser transferido para outra cidade. A propósito da dispendiosa tenda alugada e paga por Viana do Castelo, cumpre-me denunciar que, numa clara atitude de favorecimento da Presidência de Cavaco Silva, uma tenda semelhante e para o mesmo acto em 2009, foi financiada pela Presidência da República e não pela autarquia liderada pelo PSD, certamente porque Cavaco Silva já começava a ter “preocupações com a pobreza e a fome”, que agora sem pudor utiliza na campanha eleitoral , e decidiu poupar aquela despesa ao município amigo.
Mas, ainda tivemos de recusar outras dispendiosas propostas da Presidência da República, substituindo-as por realizações menos onerosas para a autarquia, como por exemplo um espectáculo multimédia para os convidados da Presidência que custava mais de 60 mil euros, substituída por uma sessão de fogo de artifício orçada em 14 mil euros, que foi oferecida aos convidados do PR e ao público vianense.
Por toda esta evidente diferença de postura, quer na gestão de dinheiros públicos, quer de isenção no exercício de cargos oficiais, achei muito estranha a vontade de Cavaco Silva me condecorar no Dia de Portugal e, em carta dirigida ao Chefe da Casa Civil, que mostrei ao jornalista como toda a correspondência relativa aos factos relatados, comuniquei que recusava receber a comenda de Grande Oficial da Ordem de Mérito.
Refira-se que estes factos ficaram sempre no restrito âmbito do meu gabinete e da vereação, porque entendi que a sua revelação perturbaria o evento que todos os vianenses desejavam ser um sucesso para o município, com foi.
Só agora decidi revelá-los, olhos nos olhos com o recandidato, por serem factos indesmentíveis e nesta altura de escolha do novo PR sentir a obrigação cívica de revelar a falta de isenção e lealdade, favorecimento e despesismo de Cavaco Silva no exercício do cargo, atributos absolutamente contrários aos que ele com despudor se atribui publicamente.
Sobre a deslealdade institucional de Cavaco Silva com o Governo, na inventona das escutas e não só, e, também, a deslealdade pessoal com os seus correligionários Fernando Nogueira e Santana Lopes, bem como sobre a forma como pactuou com os responsáveis do BPN e teve chorudos benefícios com as acções da SLN, que qualquer leigo só considera possíveis com negócios ilícitos, são factos do conhecimento público que referi de passagem no debate e a que nada pretendo acrescentar.
Devo dizer, no entanto, que ao longo dos anos, vários factos semelhantes me foram relatados por autarcas e outros protagonistas políticos que, por razões diversas, não foram revelados.
A terminar quero refutar veementemente a acusação de Cavaco Silva de que estarei a participar numa campanha suja contra o ainda Presidente da República, afirmando sem temor que sujas e altamente criticáveis foram estas e outras atitudes de Cavaco Silva no exercício do mandato presidencial e, com esta minha denúncia, pretendo que os portugueses fiquem a saber que o agora recandidato não é aquele político exemplar e acima de todas as suspeitas que a sua propaganda divulga há quase três décadas.
Estando disponível para qualquer esclarecimento complementar, apresento os melhores cumprimentos. Defensor Moura, 27. Dezembro. 2010"

"Porque já é difícil levar Cavaco a sério? "


O artigo é de João Lemos Esteves, no Expresso, hoje. Vai transcrito na íntegra.
"1.Cavaco Silva promulgou a lei que altera as regras do financiamento do Estado ao ensino privado e cooperativo. Após ter aberto a porta ao veto político do diploma há cerca de uma semana. Justificação: o Governo e a presidência da república estabeleceram nos últimos dias contactos que resultaram numa melhoria significativa da solução legislativa, com a consagração do princípio da estabilidade contratual e um regime de transição razoável. Ressalva, ainda, o comunicado da presidência da República que o PR não se imiscuiu na competência política exclusiva do governo e as suas reservas iniciais sobre o diploma foram sanadas.
2. Segundo o que consegui apurar, o diploma promulgado ontem corresponde, no essencial, à versão inicial proposta pelo Governo. As alterações alegadas pela Presidência da República foram mínimas. E como não conhecemos na íntegra as (potenciais) duas versões do diploma, não podemos fazer um juízo de valor sobre o mérito dessa figura inusitada da prática constitucional que são as " conversações governo - PR" sobre soluções legislativas, tão querida a Cavaco Silva. Podemos, porém, analisar o comportamento do atual (e mais que provável futuro) Presidente da República. Sejamos claros: Cavaco não fica nada bem na fotografia ao promulgar o diploma. Porquê? Vejamos.
2.1. Em primeiro lugar, Cavaco confirma que faz uma interpretação ultra-limitativa dos poderes presidenciais. Ora, o PR manifestou reservas quanto ao conteúdo do diploma que altera o financiamento das escolas privadas e cooperativas há uma semana. O espírito da solução legislativa é o mesmo - por muito que se diga que falou com o Governo e chegou a uma solução conjunta razoável. Então, decide promulgar? Sem manifestar nenhuma discordância? E o comunicado é manifestamente insuficiente - quando se diz que uma certa solução legislativa é má e, volvida uma semana, afinal, chega-se à conclusão que garante a estabilidade contratual, deve-se elencar os argumentos que sustentam tal mudança. Explicar porque razão as reservas do PR desapareceram ou não tinham razão de ser. Já sabíamos que Cavaco não tem qualquer problema em promulgar diplomas com os quais discorda profunda e completamente, alegando a crise económica e social (mesmo quando versam sobre valores e questões sociais, como no caso dos casamento entre pessoas do mesmo sexo). Já sabemos que Cavaco promulga diplomas, discordando frontalmente do seu mérito e temendo as suas consequências (vide a lei do financiamento partidário). Ficamos agora a saber que Cavaco promulga diplomas, só porque o Governo o contatou antes. Dá a ideia que Cavaco encara as funções presidenciais como se fossem as de um polícia sinaleiro excessivamente simpático: dá indicações sempre com grande vigor, mas fecha sempre os olhos às infrações. E com isto perde-se a autoridade. E ainda se queixa Cavaco de nunca ser ouvido! Pudera! Porquê? No final, o resultado é sempre o mesmo: promulgação, com mais ou menos reservas.
2.2. A referência ao respeito pela competência exclusiva do Governo no comunicado da presidência da República não é inocente. Deduzo daqui que Cavaco acha - e experiências anteriores demonstram-no - que a utilização do veto político se traduz numa ingerência nos poderes governamentais. E porquê? Porque o veto político significa que o PR utiliza argumentos de mérito, faz um juízo sobre a oportunidade política do diploma, impedindo que uma opção do governo se concretize. Este argumento é perigosíssimo e faz-me temer que Cavaco reduza o órgão de soberania Presidente da República à mais pura inutilidade. Porque o veto é o único verdadeiro poder que a Constituição reserva ao presidente. Se Cavaco começa a abdicar dele permanentemente, o que resta? Mais: o único veto que vale a pena - no sentido de ter mais força - é aquele que incide sobre diplomas do Governo. Explico: o veto do PR a diplomas governamentais é absoluto - isto é, não é possível o governo ultrapassá-lo, fica, desde logo, inviabilizado. Morre com o veto do PR (o governo apenas poderá reagir, elaborando uma proposta de lei para apresentar ao parlamento). Ora, se o PR tinha reservas quanto às alterações à lei em causa, vindo esta do governo, porque não utilizar o veto político que levaria o Governo ou a alterar o diploma ou a levá-lo ao parlamento para apreciação dos vários partidos? É que a história das conversas prévias é muito engraçada...Mas estas fogem ao controlo democrático e à transparência democrática. E permitem sempre versões contraditórias.
3. Qual a explicação política para a decisão de Cavaco? Não quis criar um conflito com o governo - PS e com a esquerda em geral - esperando cativar eleitorado de esquerda, sobretudo, de centro oscilante. É uma opção e uma lição para PSD e CDS: reparem que estes partidos discordam da lei e ficaram caladinhos agora com a promulgação - porque apoiam o recandidato Cavaco Silva e não lhe querem tirar o tapete. Cavaco acaba de dar o sinal: não atribui a mínima importância à agenda política da direita e aqueles que pensam que forçará a queda do governo para júbilo dos sociais-democratas estão muito, muito enganados. Assim, a promulgação das alterações ao financiamento do ensino não público é uma bofetada monumental na cara de PSD e CDS. Habituem-se (se é que já não se habituaram...).
P.S - Parece que, em Portugal, ninguém conhece os poderes do PR. Pelo menos, dão a entender tal desconhecimento. Agora, foi Hermínio Loureiro, em Oliveira de Azeméis ,que apelidou Cavaco de "homem do leme". Que eu saiba o homem do leme é o que comanda - e, no sistema político português, quem comanda é o Governo. As hostes do PSD estão muito excitadas com a vitória de Cavaco...há que acalmar. E Cavaco não deve rejeitar explicações sobre BPN - vai ter de lidar com ele no debate com Manuel Alegre."

MÁRIO SOARES – UM NATAL HUMANISTA

Um texto que diz tudo.

Transcrito do DN Opinião de 28. Dez.2010
"Entrámos na época natalícia. Portugal parou, como quase por toda a parte, na Europa. Os Parlamentos, os Governos e os partidos suspendem os seus trabalhos e a política - bem como a economia - abre, normalmente, um parêntesis nas suas actividades. A comunicação social mudou os dias da publicação dos semanários - calendário obriga - e as rádios e as televisões substituem os seus programas favoritos - o comentário, a intriga política e as más notícias económicas e financeiras - por reportagens sobre o clima, muito duro neste começo do Inverno, que fez parar tantos aeroportos europeus, com consequências muito desagradáveis para os utentes e que, este ano, também se fizeram sentir em Portugal.
As homilias religiosas habituais, neste ano tão difícil, insistiram mais sobre as intoleráveis desigualdades sociais, que a caridade cristã, por si só, não pode sequer minorar, sem, naturalmente, esquecer a defesa dos mais pobres, dos desempregados e dos mais desfavorecidos que, nesta primeira infeliz década do século XXI, aumentaram consideravelmente. Flagelos a que a União Europeia não estava habituada.
O descontentamento e o mal-estar social manifestaram-se mais, sobretudo nas periferias dos grandes centros urbanos, com surtos inesperados de violência, que a Portugal, felizmente, ainda não chegaram. Verificaram-se, por forma crescente, movimentos a favor da solidariedade social - e ainda bem - perante o espectro da fome, que começa a atingir muita gente. Solidariedade que, neste fim de ano, se revelou com maior intensidade, dado o activismo de múltiplas organizações humanitárias, o que prova a natural coesão social do nosso povo.
Não é, seguramente, o momento oportuno para voltar a escrever sobre a crise monetária e económica que nos afecta e a toda a Europa do euro, sem excepção. Mas é tempo de reflexão, que às vezes falta, mesmo aos nossos dirigentes. Nos próximos artigos, passadas as festas, voltarei a esse tema. Será então o bom momento de fazer o balanço crítico do que foi este ano de 2010 - para a União e para Portugal -, de voltar às causas da crise global e à urgência de as remover, para podermos iniciar um novo desenvolvimento, com princípios éticos estritos e visando, principalmente, o bem-estar das pessoas e a sua dignidade.
Nesta fase natalícia, tenhamos esperança no futuro, saibamos combater o egoísmo negocista, o consumismo inútil e pensemos nos outros, sejam ou não crentes, portugueses ou imigrantes residentes em Portugal. O humanismo solidário é um caminho de progresso, de paz e de inclusão social. Por isso, deve envolver não só os nossos compatriotas como os imigrantes que vivem e trabalham na nossa terra. Fomos, durante séculos, uma terra de emigrantes, para sobreviver, e ainda hoje temos muitos portugueses a trabalhar no estrangeiro, espalhados por todos os continentes, que pensam e confiam, com razão, em Portugal e, muitas vezes, auxiliam as famílias que aqui deixaram. O povo português tem - e sempre teve - um grande amor à Pátria. Tenhamos, pois, confiança no futuro - e esperança -, porque sempre soubemos resistir e vencer as dificuldades, pelas quais tantas vezes passámos. Hoje temos elites excepcionais, em todos os domínios do conhecimento, das artes e das novas tecnologias. Temos recursos inesperados - na terra e no mar - que devemos, urgentemente, saber aproveitar. Atrás de tempo, tempo vem..."

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

NOVO ANO: CÓDIGO CONTRIBUTIVO (NOVO)



Um ano depois do previsto, o novo Código Contributivo torna-se uma realidade. Os trabalhadores independentes serão os mais afetados pelas alterações. Quem ganha 1000 €/mês, a recibos verdes, vai entregar no total do ano mais 381 € às Finanças e à Segurança Social. Já quem ganha 1500 € terá de pagar mais 423 €.
As exceções são para quem tem rendimentos mais baixos, próximos do salário mínimo. Todos os contribuintes que recebam, em média 500 €/mês, por exemplo, vão dar menos dinheiro ao Estado. No total de 2011, menos 385 €. Em 2012 todos os trabalhadores que recebam 1500 € por trabalho independente devem contar com nova subida de impostos. Nesse ano o valor a pagar ao Estado será de mais 1168 € do que em 2010.
No período compreendido entre 1 de Dezembro de 2010 e 30 de Junho de 2011, a emissão do recibo verde electrónico no Portal das Finanças é facultativa. Os recibos ficam disponíveis para consulta no Portal das Finanças durante o período de cinco anos.
As principais alterações para as empresas: A partir de 1 de Janeiro de 2011, a taxa contributiva a cargo da entidade empregadora, que atualmente é de 23,75%, passará a ser fixada em função do modelo contratual: Contratos por tempo indeterminado: 22,75% (- 1%); Contratos a termo: 26,75% (+ 3%).
O agravamento de 3% não se aplicará a contratos a termo que tenham sido celebrados com vista à substituição de trabalhador que se encontre em gozo de licença de parentalidade ou de trabalhador com incapacidade temporária para o trabalho, por doença, por período igual ou superior a 90 dias. Nestas situações manter-se-á a taxa geral de 23,75% a cargo da entidade empregadora.
O novo Código Contributivo introduz, pela primeira vez, uma obrigação contributiva por parte das entidades contratantes de prestação de serviços. Desta forma, as empresas que contratem prestadores de serviços passam a estar obrigadas ao pagamento de uma taxa de 5% sobre 70% do valor pago pela prestação de serviços. Também esta taxa será aplicada de forma progressiva, porquanto será de 2,5% no ano de 2010 e estando fixada em 5% no ano de 2011.
Descontos efetuados pelo trabalhador independente - O regime atual permite que os trabalhadores independentes escolham a sua base de incidência contributiva de entre 10 escalões remuneratórios, correspondendo o escalão mais baixo a 1,5 do valor para os Apoios Sociais (IAS), ou seja, 628,83 €.
O novo Código Contributivo reduz a base de incidência contributiva de 1,5 para ( 419,22 €), mas o trabalhador independente deixa de poder escolher o escalão de cálculo das suas contribuições, que passa a ser determinado automaticamente em função do rendimento do trabalhador independente.
O rendimento para a determinação da base contributiva dos trabalhadores independentes passa a ser: Prestadores de serviços: 70% do valor total dos serviços prestados; Produtores e comerciantes: 20% dos produtos e mercadorias vendidos. (Visão, 27.Dez.2010)

EDP perde caso em que exigia pagamento após erro na facturação


Transcrevo na íntegra.
"O caso não é milionário, mas mostra como um gigante perdeu em várias instâncias judiciais uma disputa contra duas empresas três mil vezes mais pequena.
A EDP Distribuição perdeu um diferendo que se arrastava há oito anos contra dois antigos clientes industriais, a Flexsol, de Santa Maria da Feira, e a Produtex, de São João da Madeira. Depois de ter processado as empresas para exigir o pagamento de verbas relacionadas com erros de facturação, a EDP Distribuição viu sucessivamente ser-lhe negado pela Justiça o direito ao que reclamava. O processo culminou com uma decisão do Tribunal Constitucional (TC), tomada em Outubro, que negou provimento ao recurso da EDP.
Em 2002 a EDP Distribuição, cujos proveitos ultrapassam os três mil milhões de euros por ano, descobre erros de leitura dos consumos da Flexsol, empresa com um volume de negócios anual em tomo de um milhão de euros, dedicada à produção de couros para o calçado e outros negócios. "Reclamaram o pagamento já fora do prazo e sem lógica. Depois reclamaram os retroactivos dessa má leitura", resume Pedro Machado, sócio gerente da Flexsol, em declarações ao Negócios.
Em causa, no que respeita especificamente a esta empresa, estavam "milhares de euros", segundo o mesmo responsável. A Flexsol mudou entretanto de fornecedor, passando a ser abastecida pela Iberdrola. "Neste momento [a mudança] é positiva por questões tarifárias", aponta Pedro Machado.
A EDP disse ao Negócios que não recorrerá da mais recente decisão judicial, sem detalhar os valores que estavam em causa no processo. O acórdão de 6 de Outubro do TC também não refere quaisquer verbas, dizendo apenas que a acção movida pela EDP Distribuição visava o pagamento de "determinada quantia a título de valor de energia eléctrica fornecida em média tensão [MT] que, por erro, não fora facturada oportunamente".
A acção foi julgada improcedente numa primeira instância. "A sentença foi sucessivamente confirmada pelo Tribunal da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça [STJ], este por acórdão de 3 de Novembro de 2009", explica o TC.
EDP aponta inconstitucionalidade
No último recurso, a EDP Distribuição aponta inconstitucionalidade à decisão do STJ, que se justificou com a caducidade do direito da EDP a receber as verbas pretendidas, dado que o ponto da Lei 23/96 (sobre a protecção do utente de serviços públicos essenciais), em que a EDP baseou a sua argumentação jurídica, não inclui os fornecimentos em média tensão.
"Admitir que as regras sobre prescrição e caducidade do pagamento de energia da Lei n.° 23/96 possam estender -se aos consumidores de média tensão, admitir que eles não se achem compreendidos no n.°3do artigo 10.°, equivale a atribuir-lhes um excesso de protecção em confronto com a protecção conferida aos consumidores em baixa tensão, aos clientes domésticos e aos consumidores finais", defende a eléctrica.
O ponto em causa indica que "a exigência de pagamento por serviços prestados é comunicada ao utente, por escrito, com uma antecedência mínima de 10 dias úteis relativamente à data-limite fixada para efectuar o pagamento". A mesma lei diz também que "se, por qualquer motivo, incluindo o errado prestador do serviço, tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efectuado, o direito do prestador ao recebimento da diferença caduca dentro de seis meses após aquele pagamento". A única excepção a este regime é o fornecimento de electricidade em alta tensão.
O TC diz no acórdão que neste caso "não estamos perante a reclamação de alguém (...) contra um tratamento desigual que o atinja". "Na verdade, o que a argumentação da recorrente [EDP Distribuição] verdadeiramente censura é a não fidelidade do legislador à opção que justifica o regime excepcional desfavorável para certa categoria de utentes de energia eléctrica", prossegue o acórdão. Sublinhando que "julgar a norma inconstitucional com este fundamento traduzir-se-ia em invadir o espaço de discricionariedade legislativa", o TC conclui que "o sentido normativo a que chegou a decisão recorrida [do STJ] não é uma opção censurável"." Miguel Prado Jornal de Negócios 27.12.2010

domingo, 19 de dezembro de 2010

NA PRÉ-HISTÓRIA DAS PERSEGUIÇÕES AOS MAÇONS

Relato um processo histórico, a propósito de perseguições inquisitórias mais recentes.
Em 2/1/1792 apresentou-se Francisco Joaquim Moreira de Sá, por sua livre vontade, perante o Tribunal do Santo Ofício, a implorar a piedade por ter aderido dois anos antes à sociedade dos franco-maçons, persuadido por Henrique Correia de Vilhena que aí o introduzira. No processo que lhe foi instaurado, relata Moreira de Sá, que fora conduzido certo dia, ao anoitecer, numa sege, pelo citado Henrique Correia de Vilhena, natural da ilha da Madeira, a umas casas entre-muros da vila de Guimarães, onde o deixou fechado numa casa com a recomendação de se portar com bravura no que acontecesse. Decorrida cerca de uma hora, apareceu um desconhecido empunhando uma espada e, falando-lhe com feia catadura, desarmou-o e conduziu-o a outra casa forrada de liaetas pretas, onde o deixou fechado. Passado algum tempo, apareceu outro homem que lhe deu papel e tinta, dizendo-lhe para escrever o juízo que fazia da Maçonaria, o que ele fez em conformidade com as boas informações que lhe haviam dado e ele próprio lera. O homem afastou-se com o papel e em breve outros apareceram, armados de espadas, tiraram-lhe as fivelas, a casaca, a bolsa e ataram-lhe as mãos e o pescoço com uma corda. De seguida, vendaram-lhe os olhos com um lenço e levaram-no de um lado para o outro tentando com mil estratagemas persuadi-lo do grande risco que a sua vida corria. Após terem-lhe destapado os olhos, exigiram um exótico juramento de não revelar os segredos da Maçonaria que consistiam nos sinais de reconhecimento entre eles. Disseram-lhe então que tinha o 1º grau de maçon, entregando a espada, avental e luvas. Assistiu seguidamente à recepção de Francisco Maria Corvo, da cidade de Lisboa, rindo com os outros à custa dele. Um dos maçons recitou uma oração que pretendia dar uma ideia histórica da Maçonaria, deduzindo-a das Cruzadas e inculcando aos membros a obrigação de se socorrerem mutuamente. No final cearam à custa dos dois novos membros e regressaram a suas casas. Francisco Joaquim Moreira de Sá falou logo em seguida com o abade de Gondar, José de S. Bernardino Botelho, acerca do misterioso segredo maçónico, garantindo-lhe que nada era tratado contra a religião ou o Estado. Facilitou a recepção daquele clérigo, tomando com ele, com Francisco Maria Corvo e com Francisco da Silva de Queirós, cónego da basílica, os 2º e 3º graus. Consistiam estes em diferentes sinais e palavras para conhecerem eles entre si os graus que tinham e no formulário da recepção. E deram os Mestres maçons a cerimónia por concluída já que em Portugal, disseram, não se podia passar a outros graus por não haver lojas estabelecidas. Moreira de Sá afirma que ficou com má impressão acerca de tudo aquilo, pois na cerimónia, ao tirarem dinheiro para a recepção, faltara uma peça ao abade de Gondar, dando a certeza de ter sido roubada por algum dos membros. E recebendo posterior convite para novas recepções, sempre se desculpou com alguma ocupação, esquecendo-se até da maior parte dos sinais de reconhecimento entre eles. Posteriormente tomou conhecimento da bula papal que proibia estas sociedades e constituía os membros réus do tribunal do Santo Ofício. Comunicou, de imediato, ao abade de Gondar e foram denunciar-se prontamente ao comissário João de Vasconcelos, abade de S. Martinho do Campo, implorando a piedade do Santo Ofício e prontificando-se a responder a tudo que deles quisessem saber. Declarou Moreira de Sá ao tribunal que nunca usara os sinais que lhe tinham ensinado. Como exemplo, relatou que num jantar a que assistira numa casa de pasto com um francês vindo da Madeira - que dizia ser cirurgião e chamar-se Dovanhi - este fizera-lhe sinais de maçon e ele não respondera, nem se dera a conhecer. Nunca usara os sinais que lhe tinham ensinado, tais como: beber três vezes debaixo da primeira intenção, precedendo três ou cinco pancadas na tampa da caixa ao tomar tabaco (segundo a diferença correspondente do 1º ao 3º grau), sendo também próprio deste um triângulo mostrado pelo accionar do braço na ocasião de fazer a cortesia. Não obstante, não se lembrava duma palavra usada no 2º grau nem da usada no 3º. Recordava, ainda assim, uma das duas proferidas no 1º grau que era“Jakin. Perguntaram-lhe os inquisidores como era possível que ele réu - homem de literatura e conhecimentos - ignorasse a proibição e maldade que se ocultava naquela sociedade, ao que ele respondeu que tinha feito profissão de estudar ramos inteiramente diferentes daqueles que lhe podiam dar socorro para vir no conhecimento das Leis Eucaristicas, visto que política e belas letras fazem o Artigo da sua maior aplicação, e que nunca suspeitou maldade nesta Sociedade, por não ter visto tratar materia que ofendesse o mais levemente nem a Religião, nem o Estado. O tribunal do Santo Ofício julgou-o por acórdão publicado no próprio mês da apresentação, em 31 de Janeiro:“"Acórdão os Inquiridores, Ordinario e Deputados da Santa Inquisição que vistos estes auttos, culpas, e confissões de Francisco Joaquim Moreira de Sá, natural da freguezia de Santa Eulalia de Barrozas, termo de Guimaraens, filho de Francisco Moreira Carneiro, actoalmente morador nesta Corte, Reo appresentado, que presente está. Por que se mostra que sendo Christão baptizado, e como tal obrigado a ter, e crer tudo quanto tem, crê, e ensina a Santa Madre Igreja de Roma, elle o fez pelo contrario, como confessou na Mesa do Santo Officio, apresentandose de suas culpas, e dizendo: que elle entrara, e se congregara na Sociedade denominada dos Pedreiros Livres em cuja Meza e Assemblea prestara juramento sobre a observancia e segredo de seus Estatutos, convencido das persuassoes, com que para este fim o combatera certa pessoa, que declarou e ignorando a Reprovação, condennação e Anathema, que contra ella e seus Sectarios se achavão declarados e fulminados pela Igreja, de cuja culpa sentindo-se sumamente arependido, da mesma fazia huma sincera confissão, supplicando o perdão della, e que com elle se uzasse de Mizericordia. E visto como o Reo uzando de bom conselho se appresentou confessando voluntariamente o seu delicto nesta Meza, dando mostras, e sinaes de arependimento, e pedindo perdão, e piedade com o mais que dos Auttos consta. Mandão que o Reo Francisco Joaquim Moreira de Sá em pena, e penitencia de suas culpas ouça sua Sentença na Meza do Santo Officio perante os Inquisidores, hum Notario, e duas Testemunhas, faça abjuração de vehemente suspeito na Fé, cumpra as penas Spirituaes, que lhe forem impostas, e que da Excumunhão em que se acha incurso seja absoluto in forma Eclesia." (in "Os Sás de Vizela: MOREIRAS DE SÁ - Memórias históricas, genealógicas e heráldicas", do autor, a publicar). (http://www.geneall.net/)

ANGOLA - VIOLÊNCIA DOMÉSTICA TIPIFICADA COMO CRIME


ANGOLA - A prática da violência doméstica poderá ser tipificada como crime público nos termos do ante-projecto de Lei aprovado na generalidade plenária da décima sessão, e última ordinária, da Assembleia Nacional este ano. O diploma visa colmatar o vazio legal no que toca à punição dos crimes relacionados com a violência praticada no âmbito das relações domésticas e familiares, cujo número de casos em Angola se tornou crescente, a avaliar pelo registo diários de situações deste género, pretendo-se assim que se torne um elemento inibidor daquela prática. O ante-projecto de lei vem responder ao cumprimento específico dos vários instrumentos internacionais, regionais e nacionais, entre os quais a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração de Viena e o programa de acção da III conferência mundial sobre os direitos humanos de 1993, bem como a declaração das Nações Unidas sobre a eliminação da violência contra as mulheres, de 1993. A lei Contra a Violência Doméstica contém 45 artigos, está estruturada em seis capítulos, referentes às disposições gerais, ao atendimento à vítima, às medidas de protecção e de segurança provisória, prevenção e apoio do Estado. natureza da pena, e ainda as disposições finais e transitórias. Este pacote contempla também a criação de centros de aconselhamento familiar e apoio psicológico às vitimas, casa de abrigo para a protecção temporária, principalmente das que se encontram em risco. Este pode vir a ser “o melhor presente de natal que o parlamento oferece a todas mulheres angolanas”.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Uma decisão do TEDH que marca um novo rumo da lei do aborto na Irlanda

Foi hoje amplamente divulgado pelos órgãos de comnicação social a notícia de que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou a Irlanda, na sequência de uma decisão que impediu o aborto de uma mulher com cancro, que receava que a gravidez provocasse uma recidiva. Os juízes de Estrasburgo entenderam que o estado irlandês violou o direito à vida privada e familiar da lituana que residia no país, ao negar-lhe o direito ao aborto, apesar dos receios por ela manifestados de que a gestação provocasse uma recidiva da doença. Fixaram uma indemnização de 15 mil euros por danos morais. Mas o que é mais determinante é que o Tribunal dos Direitos do Homem concluiu que nem as condições médicas nem as jurídicas existentes na Irlanda permitem à mulher "estabelecer a existência" do direito a abortar, confirmando o que o Estado alegara: a manifesta "incapacidade para implementar o direito constitucional a um aborto legal", pelo que os juízes consideraram ainda que os tribunais não são competentes para decidir se uma mulher está, ou não, em condições de ter direito a um aborto legal.
Sabe-se que a legislação da Irlanda é muito restritiva no que diz respeito ao aborto e que apenas o autoriza em situações limite, como o risco de morte da mulher. Pior, e mais fundamentalista: o aborto é punível com prisão perpétua.
Por outro lado, o Tribunal Europeu indeferiu os requerimentos de duas outras mulheres que pretendiam abortar por motivos pessoais. A decisão sobre a cidadã lituana foi tomada no âmbito do caso ABC vs Irlanda, apresentado por três mulheres, que alegaram que as restrições ao aborto as estigmatizaram e humilharam, além de terem posto em risco a sua saúde. Mas o tribunal europeu não considerou que nas outras duas situações tivesse havido violação dos direitos à luz da legislação nacional. Um dos casos dizia respeito a uma mãe solteira com uma criança a cargo, que receava o perigo de uma gravidez ectópica. O outro era o de uma ex-alcoólica, que perdera a tutela dos quatro filhos que já tinha e não queria, com uma nova gravidez, comprometer os esforços para reunificar a família. As três acabaram por abortar no Reino Unido.
Apesar de o aborto ser crime na Irlanda, milhares e irlandesas, por ano, recorrem ao estratagema de abortarem noutro país. O que fizeram estas três mulheres.
Continua a deixar-me petrificada que uma questão que encerra em si mesmo um direito humano e que subintegra vários direitos humanos, sirva de mote eleitoralista. Mas assim é.
“Aborto, tema eleitoral após decisão do tribunal”, é a manchete do Irish Times, a seguir ao julgamento de 16 de dezembro, no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), no qual o Estado irlandês não conseguiu aplicar a lei em vigor à despenalização do aborto. Segundo a Constituição irlandesa, o feto tem direito à vida tal como a mãe, sendo o aborto um recurso apenas nos casos em que a vida da mulher se encontra em risco. O diário de Dublin refere que, de acordo com o Tribunal, “o Estado violou os direitos de uma mulher com cancro, incapaz de decidir se poderia fazer um aborto legal na sua situação”. A questão altamente polémica do aborto, numa sociedade predominantemente católica como a da República da Irlanda, “regressou para ensombrar os partidos políticos na véspera da campanha eleitoral de 2011”, observa o editorial do Irish Times, criticando a “cobardia política” dos sucessivos governos, relutantes em propor uma legislação clara sobre a matéria.
Em época eleitoral, a Irlanda admite alterar a legislação sobre o aborto. "Obviamente devemos legislar, não há dúvida sobre isso", disse a ministra da Saúde, citada pela AFP, num comentário à decisão do tribunal. Não foram, no entanto, avançados prazos nem contornos das mudanças. Legislar "leva tempo", referiu Mary Harney, que aludiu ao "carácter delicado e complexo" do assunto, num país fortemente católico.
A Human Rights Watch veio já considerar a decisão de ontem uma chamada de atenção ao Governo de Dublin. "Na Irlanda, mesmo as mulheres cuja gravidez põe a vida em risco, como era o caso, não podem ter acesso ao aborto", disse Marianne Mollmann, directora da organização. "Não é apenas trágico, é uma violação dos direitos humanos. E deve acabar."
Não podia concordar: deve acabar. Ou melhor, devia ter acabado já, há muito.

domingo, 5 de dezembro de 2010

O caso WikiLeaks - Piratas vingadores e espiões em diligência

Um bom artigo do Presseurope, que fica aqui, nas suas linhas fundamentais.
"O caso WikiLeaks tem uma dupla leitura. Por um lado, revela-se um escândalo aparente, um escândalo que só escandaliza por causa da hipocrisia que rege as relações entre os Estados, os cidadãos e a Comunicação Social. Por outro, anuncia profundas alterações a nível internacional e prefigura um futuro dominado pela recessão."
O WikiLeaks demonstra que os processos dos serviços secretos se servem, em grande ou em toda a medida, das notícias e da imprensa. As “extraordinárias” revelações norte-americanas sobre os hábitos sexuais de Berlusconi transcrevem o que há meses se lê em qualquer jornal (exceto naqueles de que Berlusconi é proprietário), e o perfil sinistramente caricatural de Kadhafi era já há muito tempo razão para piadas dos artistas de cabaré.
Pode mesmo dizer-se que existe uma regra que obriga a que os processos secretos sejam compostos exclusivamente por notícias conhecidas. As informações ultrassecretas sobre Berlusconi, que a embaixada norte-americana em Roma enviava ao Departamento de Estado, eram as mesmas que a Newsweek publicava na semana anterior. Então porquê tanto barulho por causa destas "revelações"? Se dizem o que qualquer pessoa informada já sabe - que as embaixadas, desde o final da IIª Guerra Mundial, e desde que os chefes de Estado têm permissão para se telefonar ou apanharem um avião para jantar, perderam a sua função diplomática e, à exceção de alguns pequenos exercícios de representação, transformaram-se em centros de espionagem... Mas é o facto de ser exposto publicamente é que viola o dever de hipocrisia e faz cair por terra a imagem da diplomacia norte-americana. Depois, a ideia de que qualquer pirata informático possa captar os segredos mais secretos do país mais poderoso do mundo desfere um golpe não negligenciável no prestígio do Departamento de Estado. Assim, o escândalo põe tanto em cheque as vítimas como os “algozes”. Quando se demonstra que as criptas dos segredos do poder não escapam ao controlo de um pirata informático, a relação de controlo deixa de ser unidirecional e torna-se circular.
O poder controla cada cidadão, mas cada cidadão, ou pelo menos um pirata informático – qual vingador do cidadão –, pode aceder a todos os segredos do poder. Como se aguenta um poder que deixou de ter a possibilidade de conservar os seus próprios segredos? Já o dizia Georg Simmel: um verdadeiro segredo é um segredo vazio (e um segredo vazio nunca poderá ser revelado). E se saber tudo sobre o caráter de Berlusconi ou de Merkel é realmente um segredo vazio de segredo, porque releva do domínio público; revelar, como fez o WikiLeaks, os segredos de Hillary Clinton são segredos vazios significa retirar-lhe qualquer poder. O WikiLeaks não fez mossa nenhuma a Sarkozy ou a Merkel, mas fez uma enorme a Clinton e Obama.
A tecnologia avança agora a passo de caranguejo: às arrecuas. Um século depois de o telégrafo sem fios ter revolucionado as comunicações, a Internet restabeleceu um telégrafo com fios (telefónicos). As cassetes de vídeo (analógicas) permitiram aos investigadores de cinema explorar um filme passo-a-passo, andando para trás e para diante, a descobrir todos os segredos da montagem; agora, os CD (digitais) permitem apenas saltar de capítulo em capítulo, ou seja por macro porções. Com os comboios de alta velocidade, vai-se de Roma a Milão em três horas, enquanto, de avião, com as deslocações que implica, é necessário três horas e meia. Não é, pois, descabido que a política e as técnicas de comunicação voltem aos carros puxados a cavalo.
Uma última observação. Dantes, a imprensa tentava compreender o que se tramava no segredo das embaixadas. Atualmente, são as embaixadas que pedem informações confidenciais à imprensa. (transcrição livre e adoptada)

A "oportuna" evocação de Sá Carneiro e o nascimento de uma coligação (do tipo) AD

O DN Opinião traz um artigo que suscita a nossa reflexão. Basicamente, creio que, a cada 4 de Dez, há os que mexem oportunamente nas reminiscências do trágico episódio de Camarate. E não lhe chamo acidente, pela razão de que não acredito que o tenha sido. Mais, acredito mesmo na tese do atentado. Raros foram os atentados realizados à revelia do grupo que rodeava a vítima. Basta pensar no regicídio republicano, para dar um exemplo da nossa História. Este aproveitamento estratégico da máquina laranja surge com maior vigor quando as circunstâncias o aconselham. Mais uma vez o marketing bem ensaiado impõe que PSD e CDS-PP se juntem à volta de uma causa comum: a memória de Sá Carneiro e de Adelino Amaro da Costa. E devia ser isso mesmo e ponto. Mas não é. A evocação de ambos aparece quando o barómetro eleitoral aponta as chances do PSD ganhar as próximas eleições, tendo já dito Pedro Passos Coelho que não pretende (des)governar sózinho, acenando as boas-vindas a uma aliança estratégica como PP. Por isso - e para a grande maioria dos militantes dos dois partidos, a começar pelas respectivas "jotas" que nem conhecem a história dos lideres homenageados, só por isso - se viu, lado a lado, pela primeira vez, os dois líderes daqueles que foram os partidos protagonistas da "mais bem-sucedida experiência de coligação da democracia". Juntos para a fotografia, a falar direitinho a quem recorda, sobretudo, Sá Carneiro, os líderes de hoje do PSD e do CDS prepararam-se para ouvir dois históricos da Aliança Democrática, António Capucho e Cruz Vilaça, num claro apelo à reedição dessa histórica coligação. Invocando precisamente o momento histórico, como o evocaram há 31 anos. Passos e Portas não podiam ter sido, por fim, mais claros. A coligação vai acontecer. Por eles, pelo menos. (se Portas lidera com pulso o PP já o mesmo não se pode dizer de Passos, e esta é uma diferença que convém não esquecer). Há quem considere que existe mérito em admitir, neste preciso momento, uma coligação, já que as experiências anteriores revelaram que existem riscos inerentes ao projecto. "Conhece-os bem Paulo Portas, porque foi personagem principal nas últimas duas tentativas de refazer a AD, duas tentativas com finais diferentes e métodos opostos. A primeira foi com Marcelo Rebelo de Sousa, logo em 1997, quando a era de António Guterres ainda ia no adro. Era, a muitos níveis, um projecto idêntico ao original: propunha-se a ir a eleições em listas conjuntas, com um único projecto. A ideia, porém, começou tão cedo - tão antes da ida às urnas - que acabou por nem chegar lá, arruinada por uma vichyssoise mal contada (e potenciada pelas características dos dois líderes). A segunda tentativa de reedição foi com Durão Barroso, e feita ao contrário, só depois de eleições onde os partidos concorreram separados. Foi uma aliança de conveniência prática (Barroso precisava de uma maioria na AR que lhe desse estabilidade política), e não programática. Teve vários obstáculos e durou bastante, só fragilizada três anos mais tarde, quando Santana Lopes tomou conta do PSD e do Governo - e apenas derrubada pela dissolução da Assembleia, decidida por Jorge Sampaio. "
Estes dois projectos nada tiveram de ideológicos e tudo tiveram de oportunistas (no sentido de "agarrar" a oportunidade) e, por isso e porque os lideres eram incomparavelmente distantes das figuras de Sá Carneiro e de Amaro da Costa, não deixaram ponta de saudade. O primeiro porque morreu antes de nascer; o segundo porque faleceu no seu próprio desnorte, pela ausência de um verdadeiro projecto comum. Daqui deveriam Passos e Portas retirar lições. A sua parceria apenas será levada a bom termo se a sede de poder do PSD lhe permitir sequer equacionar dividi-lo. Se, agora, a construção de um governo-sombra dentro da elite mais elevada provocou uma autêntica acção (em rigor, várias acções ) de guerrilha interna, imagine-se o que acontecerá quando tiver de agradar a gregos e troianos (todos no mesmo partido) para formar um governo real. O povo sempre os advertiria - se algum com ele se preocupasse ou ouvisse - de que quem vai com muita sede ao pote ... Ou, não estando minimamente virados para ouvir o "povo", senão quando ele se chega à boca das urnas, sugere-se que se lembrem da célebre frase de Heráclito, de que ninguém se pode banhar duas vezes no mesmo rio. Seria recomendável, para seu próprio proveito, que se lembrassem que os tempos são outros e que os projectos, na vida como na política, nunca se repetem da mesma forma. Mas pode até acontecer que por não se lembrarem das lições dos seus fundadores que o "povo" acabe por ganhar com isso. E, voltando às expressões populares, os faça morrer na praia.... Porque para este "povo" a praia é agora uma metáfora fulcral para o País: é o Futuro!