domingo, 28 de março de 2010

Um insípido Invictus: nem Clint Eastwood é perfeito!

Depois de, no ano passado, ter deitados os olhos, na Cinemateca Portuguesa, pela retrospectiva da carreira de Clint Eastwood, como actor e como realizador, o Invictus quase que me obrigou ao silêncio, mas depois de falar em futebol, em Um Sonho Possível, presto-me à justiça (possível). Como não gosto de futebol, nem de râguebi, nem percebo de carros, só gosto mesmo é daquela imagem fabulosa do Clint - quase que a plagiar, com as nuances do tempo de cada um, Jonh Wayne - fico livre para fazer umas críticas que, diz-me quem sabe, se impõem.
Não porque sejam poucos os erros em filmes (divirtam-se com outras mais caricatas em http://www.moviemistakes.com/), mas porque de Clint não são esperáveis.
Cena passada em 1995. Como é que um automóvel que só começou a ser vendido em 2005, na cena em que a selecção nacional de râguebi da África do Sul corre pelas ruas antes da épica final frente à Nova Zelândia, um Hyundai Getz (que saíu em 2002, foi retocado em 2005 e que deixou de ser comercializado em 2009, substituído pelo actual i20) aparece na esquina? - É o modelo remodelado em 2005). Clint Eastwood até é um apreciador de automóveis, pelo que a desculpa de que os americanos só gostam de carros grandes (a Hyundai nunca vendeu o Getz nos EUA, o carro mais pequeno que a Hyundai vendeu nos EUA foi o Accent e o mais perto que se pode encontrar um Getz é na América do Sul) não colhe. O "pequeno"Hyundai estragou a cena.
Sobre o râguebi. 1995 marcou uma nova era no râguebi, já que, após o final do apartheid, a África do Sul foi escolhida para a fase final do Mundial de râguebi (simbólica escolha, por causa de Nelson Mandela e por ser a 1ª competição em que os sul-africanos foram aceites a nível internacional como selecção em provas oficiais). Terá sido a força da personagem de Nelson Mandela que prendeu a atenção de Morgan Freeman e que arrastou Clint Eastwood para a realização. Outra boa desculpa. Queriam retratar os Springbooks (selecção de râguebi da África do Sul), o modo como uniram um país, até 25 de Maio de 1995, dividido pelo apartheid e a vitória inesperada sobre os poderosos e favoritos All Blacks (selecção da Nova Zelândia). Mas Matt Damon não convenceu como François Pienaar (capitão da selecção sul-africana), nem Scott Eastwood como Joel Stransky ou Zak Feaunati como Jonah Lomu. As cenas sairam fracas, pecaram nas sequências dos jogos (os jogadores/actores a fugirem aos contactos, a medo, e a correrem em câmara lenta), e os actores cometeram algumas infracções de caloiros. O actor que, na final, faz de Andrew Mehrtens (o n.º 10 da Nova Zelândia e um dos mais carismáticos jogadores dos All Blacks, fantástico como distribuidor de jogo à mão, era médio-abertura, temível no jogo ao pé e um dos melhores jogadores de râguebi na especialidade), mas, infelizmente, o falso não tem aquela relação de amizade com a bola. Lá vem a desculpa de que o râguebi não está no topo das preferências dos norte-americanos. Eastwood
Para a dupla Morgan/Cilnt, o forte de "Invictus" foi o lado político e humano da história. Mas, como mostrou Oliver Stone em Um Domingo Qualquer, apesar de ter Al Pacino (a representar um treinador de futebol americano), o que já chegava para assegurar audiências, uma boa história adaptada ao cinema pode tratar com respeito o desporto que lhe serve de como pano de fundo. Em "Invictus", Eastwood não o fez com o râguebi. Acresce um pormenor - os responsáveis da Nova Zelândia afirmaram que foram "envenenados" antes do jogo decisivo, que uma empregada "envenenou deliberadamente" a água dos jogadores, e que, na final do Mundial, jogaram limitados, por isso. Pode ter sido uma simples trica, uma desculpa de mau pagador, mas também podia ter sido a pimenta que falta à narrativa. Já sem sal, no geral, ainda lhe faltou mais este tempero, em especial. E uma especiaria, como se sabe, faz muito por um prato, ou por um filme, no caso.