quarta-feira, 29 de setembro de 2010

REPÚBLICA - AINDA SOBRE A LEI DA SEPARAÇÃO DA IGREJA E DO ESTADO





A lei da separação da Igreja e do Estado de Afonso Costa foi para uns um acto divino e para outros um acto satânico.
Nem a Igreja hoje se entende sobre os seus efeitos e consequências. Mas isso levava-nos a outras discussões.
Em ano de Centenário da República, o que me ocorre insistir é nalgumas ideias fundamentais.
O Estado é uma estrutura ao serviço da sociedade. Qualquer tentativa de identificação entre o Estado e a sociedade é génese de poder ditatorial, anti-democrático. Ao Estado assiste o dever de ser e de se manter laico. A sociedade agrega pessoas, homens livres, cada um com o livre direito à sua própria interioridade. O direito à propriedade, à pertença e à posse da sua espiritualidade. Aquilo que cada homem interpreta como o seu cordão umbilical ao Cosmos. Cumpre a cada cidadão fazer a sua opção religiosa, incluindo a decisão de não aderir a nenhuma das instituídas confissões ou de se sintonizar com mais do que uma. O que a laicidade adopta por princípio é o direito à religiosidade, ainda que ateísta ou agnóstica. É uma versão de sinal contrário ao das teocracias fundamentalistas intolerantes não democráticas, porque é uma infra-causa de uma causa maior: a liberdade de pensamento. Impõe-se nessa lógica de liberdade individual e do grupo, sem relevar a sua expressão estatística, política, económica ou social, é, igualmente sensível às maiorias e às minorias religiosas. Porque é uma qualidade intrínseca à pessoa Estado, não é uma qualidade dos homens. É uma questão cultural e não uma controversa forma de religiosidade. Afirma-se como uma neutralidade em matéria religiosa, neutralidade que exige também que a não religião ou o laicismo não se transformem em doutrina do Estado. É uma exigência da laicidade e pôs termos à mistura de esferas, frequente no estatuto de Estado confessional. “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, ensinou Jesus (Mt. 22,21).
A laicidade impõe-se em democracia. Acontece na assunção e na consciência das diferenças e não na sua sonegação. Ambas são absolutos inegociáveis, em que assentam a tolerância e a liberdade de consciência e de culto. As confissões religiosas maioritárias ou minoritárias constituem um contributo decisivo cultural e social, de que o Estado laico não pode abdicar. A solidariedade da sociedade conta com as entidades religiosas representativas do povo e reconhece-as, não como um factor de bloqueio, mas de facilitação e desenvolvimento da participação e intervenção dos cidadãos. Um factor de cidadania.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

NA DISCUSSÃO SOBRE A IGUALDADE DE GÉNERO - A MULHER ANTES DO 25 DE ABRIL



Pouco mais servia que de mãe – mas o poder era paternal – que de esposa – coabitando com as demais parceiras que o homem desejasse – e que de dona-de-casa – embora o chefe de família fosse o marido. Era o retrato da mulher nos anos do antes do 25 de Abril.
O Estado Novo tudo fez para atribuir à mulher um “posto” – o cargo que lhe interessava para assegurar o domínio do homem e para a circunscrever ao território da casa.
A Constituição de 1933 fez, aparentemente, algumas cedências ao princípio da Igualdade entre cidadãos perante a Lei, com claras excepções, a começar pelas "diferenças resultantes da sua [mulher] natureza e do bem da família", que se traduziam na sua secundarização na família, e, por reflexo, na sociedade. A situação da mulher perante a Lei, durante a ditadura, subsumia-se no não estabelecimento efectivo do princípio da igualdade, do ponto de vista material. Formalmente, fazia-se-lhe uma leve alusão, mas, na prática, não tinha grande vigência.
Se fosse casada, os direitos ficavam na esfera jurídica do marido - o pai de família. Não tinha direito de voto. Não acedia a cargos políticos. A magistratura, a diplomacia e a política estavam-lhe vedadas. Não tinha os mesmos direitos na educação dos filhos. Muitas mulheres não podiam casar com quem queriam. Não podiam mexer na sua propriedade. As enfermeiras não podiam casar, como as professoras também não podiam casar com qualquer pessoa: havia que obter autorização para casar, com direito a sair em Diário da República, com a menção expressa de que a autorização era para casar com fulano de tal. Em decreto-lei constava que uma professora só podia casar com um homem cujo vencimento fosse superior ao dela.
Não podia ir para o estrangeiro sem autorização do marido. Não podia trabalhar sem sua autorização. Um mero: não autorizo a minha esposa a trabalhar, valia-lhe a “dispensa”. Até porque era ponto assente que a mulher casada tinha a seu cargo apenas o governo doméstico.
Os poderes especiais do pai e da mãe em relação aos filhos evidenciavam-se na sobrevalorização do pai e na subalternidade da mãe, que - recomendava a lei - apenas devia ser «ouvida».
Reconstituir da família: outro problema. O divórcio era proibido pela Concordata de 1944, e, por consequência, todas as crianças nascidas de uma nova relação, posterior ao primeiro casamento, eram “ilegítimas”. No acto do registo, a mulher ou dava à criança o nome do marido anterior ou assumia o estatuto de "mãe incógnita". O que não podia era dar o seu nome e o do marido actual.
Se as coisas mudaram? Mal fora. A Constituição, a lei, a europeização, o Estado de Direito Democrático a isso obrigaram.
Mas, igualdade….igualdade…. ainda existem alguns passos para dar… de preferência, a trote e a galope. Que já se perdeu tempo de mais!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O QUE REPRESENTA (SE E EM QUE MEDIDA) AINDA REPRESENTA ALGO O NOSSO PROJETO EUROPEU?

Convocar a recente história da França sobre a questão dos ciganos, depois de tanto se esgotar o tema, serve, sobretudo para perguntarmos se há – e em que medida a há, na afirmativa – uma crise existencial da União Europeia. Até que ponto os projectistas do sonho europeu – a começar pela França e pela Itália – ainda nutrem algum apego ao projeto europeu e aos seus valores, ou se o sonho, em toda a sua transversalidade, terminou. O tal grande sonho europeu está em depressão. De que tipo é que ainda não se sabe ao certo. A reação das autoridades francesas ao problema dos acampamentos ilegais saltou para tema internacional, ou pelo menos europeu, quando nos apercebemos das similitudes com os equívocos hitlerianos e menosprezámos a sua eventual evolução histérica ao resto da Europa.
A questão fundamental é em que medida os Estados-membros reclamando interesses ou a sua soberania nacional podem arredar as regras que voluntariamente aceitaram e a que se submeteram naturalmente pensando apenas na vertente mercantilista do proveito de se estar na UE. Poder, podem, mas não será a mesma coisa….Com uns pretextos de uns e umas razões avulsas de outros, cada um aplicará a parte que lhe aprouver desprezando as que não lhe interessarem.
E lembremo-nos que a questão dos ciganos já chegou ao problema da emigração em geral e que há portugueses em todas as partes do mundo. Atarracar a cabeça debaixo da areia de nada servirá, porque, um dia, chegará cá, eventualmente.
Falar-se de um projeto de paz e de prosperidade cuja primeira pedra foi lançada logo no calor da II Guerra Mundial e depois alargado à Europa central e oriental no final da Guerra Fria, e diferenciar cidadãos de primeira e de segunda nada tem de coerente. Daí virá a implementação de medidas para o protecionismo económico e para o ressurgimento dos nacionalismos antagónicos.
Os dirigentes políticos comportam-se assim porque o mercado o exige. Apagado rasto da ameaça soviética, os europeus de leste abandonaram a ideia de um projeto comum, em termos de paz e solidariedade, e subverteram-no num outro, equacionado para lucros e perdas individuais. Mas o sonho europeu não pode desaparecer por causa de interesses privados, já que o que esteve na sua base, foi o interesse de todos. Não é só defender o território é também defender um projecto cultural, uma cidadania de identidade.
Nicolas Sarkozy e Silvio Berlusconi viraram vedetas de filmes em que não é difícil adivinhar um mau desfecho e que podem arrastar outros e pôr em causa a demanda do sonho comum (ao que parece, já não o seu!). Estão apenas míopes ou já cegaram de vez? Chega para aniquilar o projeto europeu os seus egos que apenas visam renovações de poder e abandonar-se uma visão da Europa como potência mundial? Estão estes egos sem freio dispostos a arrastar nações vizinhas, para uma situação de retaliação terrorista, da qual não temos hipótese de sair? Como é que um projecto, de ocidentalização, lançado há século e meio por idealistas pode, ficar, outra vez, entre parêntesis?.
Um artigo do Presseurope deu a ideia e eu subscrevi-a, com o coração nas mãos!

Afinal porque não consegue a União arranjar emprego?

Afinal, se os países europeus se destacam pela produtividade, porque será que não há à vista solução para o desemprego? Por causa das deslocalizações e de um direito do trabalho demasiado rígido, explica The Independent. Numa reportagem assinada por Hamish McRae.
Hoje, o desemprego é a tragédia da Europa e o drama das famílias. No último meio século, habituámo-nos ao sucesso da economia europeia, como se de uma caverna mágica de Ali Bábá se tratasse, como se a Europa, de per si, tivesse o toque de Midas: aumento do nível de vida, boas condições de trabalho, produtividade elevada e reforço da oferta para os tempos livres. Pelos padrões mundiais, o que torna esta economia competitiva é o facto de, naturalmente entre outros, incluir nas suas fileiras o país que foi, até ao ano passado, o maior exportador mundial de mercadorias: a Alemanha, agora em segundo lugar, a seguir à China.
Além de ser o principal destino turístico do mundo, a França tem a produtividade mais elevada da Europa. A Itália marca campo pela excelência das empresas de artesanato. A Escandinávia destaca-se na área das telecomunicações.
Não se trata, portanto, de dizer que a Europa não está em má posição em matéria de competitividade, mas de não ser eficiente na criação de emprego. Comparando com o resto do mundo desenvolvido, o desemprego é elevado: a taxa média de 10% da zona euro é superior à do Reino Unido, Canadá, Austrália, Japão e até um pouco mais alta do que a dos Estados Unidos. E manté-se contínua. Entre 1995 e 2005, por exemplo, a taxa média de desemprego em França foi de 10,6%.
Os níveis de emprego têm sido relativamente baixos, à exceção sobretudo da Escandinávia. Um dos objetivos da Agenda de Lisboa, o programa lançado em 2000 para tornar mais eficaz a economia europeia, era aumentar os níveis de emprego. Mesmo antes da recessão, os resultados foram dececionantes.
E a partir de agora, não nos parece que se avizinhem melhoras!

terça-feira, 21 de setembro de 2010

QUESTÕES (ETERNAS) SOBRE O REGICIDIO

Em Centenário Republicano, ainda se insurgem as mesmas questões e se dão as mesmas respostas. Em causa a intriga palaciana do assassínio de D. Carlos I.
Basicamente, uma pergunta: Quem organizou o crime que matou o rei e o príncipe herdeiro?
Até eu própria requestionei os dados adquiridos, pela investigação (amadora, claro) feita sobre o assunto. Como co-fundadora da Academia de Estudos Laicos e Republicanos, algumas questões prévias estavam para mim assentes. Eis senão quando o Professor Mendo Henriques me faz o desafio de colaborar com o Instituto da Democracia Portuguesa, a título pontual - começando já por dizer que o IDP tem como Presidente de Honra, S.A.R. o Duque de Bragança, Senhor Dom Duarte. Em nada incoerente com os princípios do republicanismo que defendo, já que no artigo 1º dos Princípios Fundamentais do IDP, estatui-se que “Portugal é e deverá ser sempre um Estado independente”. E a sua 1ª Finalidade é “o aprofundamento da Democracia em Portugal como Estado independente no âmbito da União Europeia”. Nada de mal veio ao mundo portanto.
Mudou talvez a inflexão sobre o tema. Rei e príncipe foram mortos a 1 de Fevereiro de 1908. O que está entreaberto? Tudo aponta para a existência de, pelo menos, mais dois atiradores no Terreiro do Paço.
Sanches de Baena (1990), Rui Ramos (2006), Jorge Morais (2007) e, agora, o meu bom amigo Mendo Castro Henriques, focando-se na cena do crime, na documentação e em testemunhos da época (de Aquilino Ribeiro a Félix Correia ou Rocha Martins) asseguram que se tratou de um atentado estrategicamente bem preparado, com quatro a oito protagonistas. Terá havido efectivamente uma conspiração e avultados meios logísticos e financeiros por detrás do atentado.
Em 1900, na Sala Portugal da Sociedade de Geografia, António Martins organizou um torneio de esgrima e a vitória na «poule principal» coube ao «distinto amador» Sebastião de Herédia, filho de Francisco Correia de Herédia, Visconde da Ribeira Brava. Numa reunião de Herédia e Alpoim com Afonso Costa e Alexandre Braga, a 11 de Julho de 1907, na casa de Ribeira Brava, à Avenida da Liberdade, lançaram-se as primeiras pedras de uma causa que se «atentasse contra Franco, o ditador» - no intuito de «resgatar Portugal à ditadura». As armas foram encomendadas a Gonçalo Heitor Ferreira: nove carabinas Winchester calibre 351 e um lote de pistolas FN-Browning. Pagou-as Francisco de Herédia. A 28 de Janeiro de 1908 falha a tentativa de levantamento em Lisboa. São presos Afonso Costa, Ribeira Brava (trisavô de S.A.R. Dona Isabel de Herédia) e Egas Moniz. Alpoim foge para Espanha, e, logo dois dias depois, o monarca assina um decreto prevendo a expulsão do reino dos principais implicados no golpe. Parece ter sido esta a causa próxima do regicídio.
O filósofo Miguel de Unamuno estava com Alpoim em Salamanca quando veio de supetão a notícia do atentado e, porventura, eivado de paixão, no ‘El Liberal’ (1923), afirma que Alpoim disse: “olha, já morreu o canalha!”. O processo foi instruído durante dois anos e desapareceu com a emergência do regime republicano. Mais uma vez, parece (...) que D. Manuel levou uma cópia para o exílio, em Londres, e que, numa grande inconveniência ou talvez não, lhe foi “roubada” de casa.
Espantam-se os leitores. Porquê? Justiça e Poder, muitas vezes, coabitam em harmonia.
Se reaparecerá algum dia? Seria do interesse de quem? Se os monarcas estavam insatisfeitos, os republicanos insatisfeitos estavam. Logo….tudo se reduz a uma história fatídica com pormenores rocambolescos!

sábado, 18 de setembro de 2010

NOVOS E VELHOS POLITICOS: OUTRAS (OU AS MESMAS) MANEIRAS DE FAZER POLÍTICA?

Não sou apologista de se nomearem septuagenários políticos para cargos públicos. Se já exerceram funções públicas, já auferiram as respectivas remunerações, e, por causa delas, não raras vezes, acumulam uma meia dúzia de pensões. Ora, para que servirá, num mundo feito de vertiginosas mudanças, confiar nos seus velhos saberes que nada têm a ver com estas?
Desde que pedi a exoneração do Tribunal de Contas, que me dedico à auditoria de contratos públicos, à fiscalização de obras públicas e à consultoria. Tenho, pois, o privilégio de, no caso das autarquias, assessorar presidentes da velha guarda e da mais recente flor. E, talvez, porque, finalmente, me posso dar ao luxo de escolher aqueles com quem trabalho e que considero escrupulosos zeladores do interesse público, queira fazer alguns comentários.
Primeiro, que tanto os que são dinossauros como os da nova leva depositam em homens da sua confiança o conhecimento do que é novo – como o Código dos Contratos Públicos – e fazem questão de cumprir. E falo dos que conheço, claro!
A esperança de vida alterou-se e hoje uma carreira nova pode começar aos cinquenta sem que nos acusem de “velhos do Restelo”. E, de facto, os políticos de nova geração, incluem, referindo-nos aos estrangeiros - Barack Obama, David Cameron, Hubertus Heil, Fredrik Reinfeldt e até Putin, todos na beira dos trinta e tais quarentas e tais.
Sabendo que a mesma água não passa duas vezes debaixo da mesma ponte, e mantendo-see a ponte, têm de mudar as águas. Sem dúvida que urge uma nova geração de políticos, que sinta a política de forma diferente, e que a exerça de outra forma.
Urge a tolerância com outras opiniões, com outras candidaturas, numa ambiência de normalidade. Sem crispação, sem picardias, sem ajuste de contas, sem anormal instabilidade.
Em política deve-se apoiar-se aqueles cujas ideias comungam com as nossas e não atacar-se os outros apenas porque delas divergem.
O fracasso mais representativo apontado aos partidos é esquecerem os interesses locais, regionais, nacionais, e lembrarem-se apenas da meia dúzia de interesses (alguns próprios) que os seus militantes ou representantes protagoniza.
As redes sociais, como o facebook, demonstram bem isso. Vejo gente dizer mal dos outros sem apresentar uma alternativa ou ideia própria que seja. E isso só mostra que muitos fazem parte de uma espécie de clube de poetas mortos.
Aos políticos da nova geração exige-se que sejam mais globais, que tenham causas e velem e lutem por ideais. Foi o lema da “esperança do futuro” de Obama. Mais tecnocratas, sem dúvida, dai o slogan “I can”. Porventura, também estes viverão numa margem maior de risco. Mais à vontade com as tecnologias, mais internacionais, e com outras (mais) preocupações: alterações climáticas; imigração e as disparidades de identidade cultural.
Concluindo: precisam-se de novos políticos, sensibilizados para novas exigências sociais, e para as quais muitos políticos da velha guarda não têm sequer a capacidade de percepção adequada. Mas é um facto que vemos novos políticos com velhos vícios e alguns que até superam os velhos professores na má gestão da coisa pública: o que nos leva a uma outra conclusão: de que novos políticos precisamos e que velhos políticos dispensamos?
E o problema põe-se à esquerda e à direita!

domingo, 12 de setembro de 2010

QUANDO A PARIDADE DE GENERO É UM VALOR FAMILIAR

A trajectória de uma carreira está ligada ao talento individual, ao voluntarismo, às ambições – a que chamo “trabalho direccionado” - à aptidão, ao carisma, à capacidade de liderança e de influência das pessoas.
Mas os projectos e os percursos das mulheres na carreira, sobretudo na política, obedecem a um enquadramento mais constrangedor e ferido, quando mal gerido, de um sentimento de culpa. Menos boas como mulheres, menos diligentes como mãos, medíocres amantes, tudo por causa suposta da carreira. E, muitas vezes, nem por isso tão boas quanto poderiam ser, na carreira, porque têm de ser, simultaneamente todas as outras coisas.
Existem factores explicativos. A cultura. Menores oportunidades de participação cívica. A falta de motivação para enfrentarem o domínio tradicionalmente masculino. A não consciencialização por parte do eleitorado da importância da igualdade de género, que tendencialmente “prefere” candidatos masculinos. E os “mecanismos de construção e de selecção das carreiras dentro dos partidos políticos” que inibem a entrada das mulheres na política.
Pois se pensam que este é um meu muro de lamentações, enganam-se. Nunca me senti preterida por ser mulher. Nem favorecida. Fui tratada em função do desempenho e do empenho. Se isso teve custos pessoais? Evidente. Como os têm para os homens. Só que enquanto, por regra, nós ficamos com o agregado familiar acrescido, eles, também por regra, ficam subtraídos à presença dos filhos. Para uns será uma bênção, para outros uma profunda pena.
Não sou um exemplo, mas sou uma prova. A de que ser mulher não pode ser mais um pretexto para não alcançar o sonho.
Aos quatro anos, perguntou uma vizinha à minha filha mais velha - A tua mãe não te dá irmãos? É mazinha, não é? Ela respondeu - Não, mas não é como tu: tem uma carreira! Anos mais tarde, aos dezoito anos, tornou-se encarregada de educação da irmã mais nova – na ausência do pai - e ambas explicavam: a minha mãe tem uma carreira!
Quando o sonho de um é partilhado pelo núcleo familiar e se conta com uma estrutura de apoio, nada impede uma mulher, como nada impede um homem, de atingir os seus objectivos profissionais.
Às vezes, sinto que fiquei aquém do que gostaria, como mãe, e ambas me dizem que fui a melhor mãe do mundo. Curiosamente, uma tem já uma carreira e a outra vai a caminho.
Nunca interferi nas suas opções e sabem que tanto admiro as mulheres que se dedicam à carreira de ser mães como as que escolhem qualquer outra carreira profissionalizante.
O que importa é que sejam felizes! Mas fico feliz que entendam que a minha carreira integra o meu conceito de felicidade! E, afinal, quando pensei que a carreira podia perturbar a minha relação com elas, foi a carreira que, também, fez parte do exemplo materno de mulher e cidadã.
A concluir, educar implica coração mas exige igualmente razão. O que eu chamo de “amar com objectividade”.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Uma carta de Abraham Lincoln ao professor do seu filho


Felizmente para mim, uma das filhas está encaminhada, foi uma aluna brilhante, e, apesar dos 25 anos, uma das profissionais de Direito mais promissoras que conheço, a outra, na inquietude do seus 17 anos, é uma artista, com talentos de voz e música e parece que se inclina para a arquitectura. Podia dizer que, à excepção dos meus três gatos, vivo sozinha, mas com a satisfação de as ter criadas. O que não é verdade porque a afeição a um filho obriga a um desafio a tempo inteiro.
Um texto de José Manuel Fernandes, chamou-me a atenção para a complexidade de ser pai, para os receios que se apoderam de nós, para a fragilidade do valor da vida. Como divorciada, criei as pequenas sózinha, são meus os créditos e os débitos. Mas são minhas também as mais valias.
Trata-se de uma carta de Lincoln e da sua preocupação como pai. Aqui vai.
"Caro professor, ele (o filho) terá de aprender que nem todos os homens são justos, nem todos são verdadeiros, mas por favor diga-lhe que, por cada vilão há um herói, que por cada egoísta, há também um líder dedicado, ensine-lhe por favor que por cada inimigo haverá também um amigo, ensine-lhe que mais vale uma moeda ganha que uma moeda encontrada, ensine-o a perder mas também a saber gozar da vitória, afaste-o da inveja e dê-lhe a conhecer a alegria profunda do sorriso silencioso, faça-o maravilhar-se com os livros, mas deixe-o também perder-se com os pássaros do céu, as flores do campo, os montes e os vales.
Nas brincadeiras com os amigos, explique-lhe que a derrota honrosa vale mais que a vitória vergonhosa, ensine-o a acreditar em si, mesmo se sozinho contra todos. Ensine-o a ser gentil com os gentis e duro com os duros, ensine-o a nunca entrar no comboio simplesmente porque os outros também entraram.
Ensine-o a ouvir a todos, mas, na hora da verdade, a decidir sozinho, ensine-o a rir quando esta triste e explique-lhe que por vezes os homens também choram. Ensine-o a ignorar as multidões que reclamam sangue e a lutar só contra todos, se ele achar que tem razão.
Trate-o bem, mas não o mime, pois só o teste do fogo faz o verdadeiro aço, deixe-o ter a coragem de ser impaciente e a paciência de ser corajoso.
Transmita-lhe uma fé sublime no Criador e fé também em si, pois só assim poderá ter fé nos homens.
Eu sei que estou a pedir muito, mas veja que pode fazer, caro professor." (Abraham Lincoln, 1830)
Algum de nós diria melhor?

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O PROCESSO CASA PIA – O ESPELHO DA DENEGAÇÃO DA JUSTIÇA

Porventura o caso Casa Pia comprova que os direitos, pela mera razão de terem consagração constitucional, não estão protegidos. O direito constitucional de acesso à justiça não chega para que as decisões dos tribunais sejam justas e para que a Justiça seja feita a tempo. Hoje, ao que tudo indica, é lida a sentença. E com a Justiça de rastos, cabe ao colectivo presidido por Ana Peres a nota de inspiração num sistema descredibilizado.
O julgamento começou na Boa Hora, daí a Santa Clara, Monsanto e ao Campus da Justiça. 460 sessões. Ouvidas 981 pessoas, entre 920 testemunhas. 32 vítimas. 19 consultores. 18 peritos. 273 volumes e 588 apensos. Mais de 66000 folhas desde as investigações, mais de 40000 acumuladas desde o início do julgamento. Quase 2000 despachos proferidos pelo colectivo de juízes presidido por Ana Peres, coadjuvada por Lopes Barata e Ester Santos. Acusação, representantes das vítimas e as defesas dos 7 arguidos, nos quase 6 anos, interpuseram mais de 2000 requerimentos. Recursos interpostos 168, 83 na fase de julgamento. Registos mais de 1000 CD e 352 DVD, quase 1000 cassetes áudio e mais de uma dezena de cassetes vídeo VHS. Só a súmula dos argumentos da acusação nas alegações finais custou ao procurador do Ministério Público, João Aibéo, 5 dias.
O colectivo de juízes deverá hoje proferir a decisão sobre a inocência ou culpa dos 7 arguidos, acusados de crimes de abuso sexual, acto sexual com adolescente e lenocínio, entre outros. O início da sessão a decorrer no Campus da Justiça está marcado para as 09:30. O fim da leitura da decisão dependerá do consenso das partes quanto à leitura integral ou abreviada do acórdão.
Admite-se que a qualidade do acórdão de hoje tenha reflexos na credibilização da Justiça. Este caso obrigará o legislador penal a alterar a lei e os seus aplicadores a reinterpretá-la. Se um juiz de qualquer país europeu revisse o processo diria que se trata de um país de «terceiro mundo». O caso não terminará hoje, seguem-se os recursos.
Uma coisa se sabe: as vítimas não terão Justiça, pelo simples facto de que esta, a vir, virá sempre tarde demais.
Uma coisa o cidadão pôde confirmar, independentemente da culpa provada e confirmada: fosse outro cidadão comum a ser declarado arguido em vez de Carlos Cruz e similares e o desfecho teria sido mais rápido e igualmente mais doloroso.
Uma coisa se evidenciou: o acesso à Justiça, enquanto direito constitucional, pode até ser de todos, mas manuseá-la e manipulá-la no seu interesse pertence apenas a alguns. Não ao cidadão médio, mas àqueles que a mesma sociedade que os olha agora com repúdio enriqueceu tempos atrás.