Depois de ouvir tanta gente a afirmar que O defeito de Manuel Alegre para não ser um bom candidato a Presidência da República é O de ser um Poeta - o que até acho natural depois do reinado de Cavaco Silva (há quem dificilmente se conforme com a queda do economista, aborrecídissimo ventríloquo do PSD, e a ascensão do livre pensador) - agora sei que teria perdido muito se tivesse abandonado este mundo sem ver esta cena fantástica. Ainda bem que não me suicidei ontem, portanto! Admito que não tenho especial afinidade com o CDS-PP, sou mais da ala liberal, à esquerda, e pouco alinho com meninos betinhos e filhinhos de papá (mesmo os que já têm mais de 40/50 anos, que isto da linhagem nunca se perde, apenas faz deles meninos "vintage"), por isso mesmo se me dissessem que valia a pena aguardar pelo dia em que, em plena discussão do Orçamento de Estado no Parlamento, se citasse poesia, teria esperado ... sentada. Vai daí que o deputado José Manuel Rodrigues, do CDS-PP, falou das vítimas da tragédia na Madeira, e, quando já me preparava para, de comando em riste, mudar de canal, por não estar afim de mais um discurso de demagogia da direita falaciosa, hesito, e páro, muda e quêda, quando percebo que o próprio se prepara para .... recitar poesia. - Aos 47 anos preenchi uma ficha de adesão a um partido, e que positivo foi, quando depois de estar convicta de que nenhum outro partido me permitiria os meus avanços surrealistas e diletantes a não ser aquele por que alinhei, ter reequacionado esta "verdade adquirida", ao deparar, ainda em extase, com tais rasgos poéticos: afinal, embora sendo raro (e será bem visto?!), até no CDS-PP existem pessoas surpreendentes e capazes de arriscar gestos sublimes. - E se assisti, boquiaberta, a um Parlamento emocionado, conclui o óbvio: às vezes esquecemos que os partidos são feitos de pessoas, ficcionamos estereótipos, e enganamo-nos. E que bom que isso é! Num S. Bento cinzento e onde, a maior parte das vezes, as gravatas dão o único tom colorido às discussões, agradeço a JMR o arrojo. Disse ele que «Há momentos na vida onde só a poesia pode afagar a dor, onde só a poesia pode estancar o sofrimento. Este é um desses momentos», explicou, passando a citar o também madeirense Herberto Hélder, e o seu «Ou o poema contínuo»: «Há uma árvore de gotas em todos os paraísos. Com o rosto molhado, eu posso ficar com o rosto molhado, com os olhos grandes. Neste lugar absoluto pelo sopro, fervem as víboras de ouro aos nós sobre as pedras enterradas. Leopardos lambem-nos as mãos giratórias. E eu abro a pedra para ver a água estremecendo. A água embebeda-me. Como nos corredores de uma casa brilha o ar, brilha como entre os dedos. - A minha vida é incalculável» Seguiu-se o «silêncio» de José Agostinho Baptista: «Uma noite, quando o mundo já era muito triste, veio um pássaro da chuva e entrou no teu peito, e aí, como um queixume, ouviu-se essa voz de dor que já era a tua voz, como um metal fino, uma lâmina no coração dos pássaros. Agora, nem o vento move as cortinas desta casa. O silêncio é como uma pedra imensa, encostada à garganta.»
Os deputados olhavam entre si para indagar da reacção normal e aceitável e entrecruzaram os olhos numa insólita interrogação: Donde foi que este gajo caíu? Mas José Manuel Rodrigues continuou: «Afagamos a dor e estancamos o sofrimento, lembrando os 43 mortos, os 8 desaparecidos, os 600 desalojados e os milhares de carenciados da tragédia da Madeira. o nosso pesar neste momento só pode ter um sinónimo: solidariedade. E esta não tem faltado», arriscando uma (sua) tirada poética: «As correntes de solidariedade que atravessaram o país em direcção à Madeira foram mais fortes que as correntes de lama que destruíram a nossa ilha». «É por isso que a poesia volta a fazer sentido», e citou o poema «a ilha dos mortos», de José Tolentino Mendonça: «Nenhuma morte é tão longa quanto a vida diria quem pela primeira vez visse debaixo de árvores sombrias o sítio do mar, a porta das constelações com espantos possíveis e no espanto uma esperança» «É esta esperança que anima o povo madeirense na tarefa de reconstrução», acrescentou o deputado do CDS-PP, recordando a maneira de estar peculiar da sua gente: «Ao longo da sua história, os madeirenses defrontaram adversidades, e sempre ganharam. Porque sempre souberam que é preciso derrubar a imensa pedra encostada à garganta e sobretudo que nenhuma morte é tão longa quanto a vida».
Os deputados olhavam entre si para indagar da reacção normal e aceitável e entrecruzaram os olhos numa insólita interrogação: Donde foi que este gajo caíu? Mas José Manuel Rodrigues continuou: «Afagamos a dor e estancamos o sofrimento, lembrando os 43 mortos, os 8 desaparecidos, os 600 desalojados e os milhares de carenciados da tragédia da Madeira. o nosso pesar neste momento só pode ter um sinónimo: solidariedade. E esta não tem faltado», arriscando uma (sua) tirada poética: «As correntes de solidariedade que atravessaram o país em direcção à Madeira foram mais fortes que as correntes de lama que destruíram a nossa ilha». «É por isso que a poesia volta a fazer sentido», e citou o poema «a ilha dos mortos», de José Tolentino Mendonça: «Nenhuma morte é tão longa quanto a vida diria quem pela primeira vez visse debaixo de árvores sombrias o sítio do mar, a porta das constelações com espantos possíveis e no espanto uma esperança» «É esta esperança que anima o povo madeirense na tarefa de reconstrução», acrescentou o deputado do CDS-PP, recordando a maneira de estar peculiar da sua gente: «Ao longo da sua história, os madeirenses defrontaram adversidades, e sempre ganharam. Porque sempre souberam que é preciso derrubar a imensa pedra encostada à garganta e sobretudo que nenhuma morte é tão longa quanto a vida».
Deixem-me só esclarecer: este deputado é mesmo do CDS-PP?! Se um dia me cruzar com ele tenho de lhe dizer que está no partido errado, que este homem não me parece pássaro de gaiola (ainda que dourada), parece-me mais um pássaro livre. Donde: não está no partido certo! Porque há um partido que tolera poetas e que até aceita almas poetizadas. Seja como for, fiquemos de olho nele, porque fico em crer que um "homem às direitas", só, por vicissitude e paradoxo, é de Direita. Se um dia se candidatar à Presidência da República, imagino que sobre ele façam aquela mesma Única e Grande Crítica que fazem a Manuel Alegre: É um poeta!