Francisco Bethencourt, português, lisboeta, licenciado em História e em Direito, estudou no Instituto Universitário Europeu na Itália, ensinou na Universidade Brown (USA) e dirige o Centro Gulbenkian, em Paris. A origem do apelido tem raízes num cavaleiro da Normandia, vassalo do rei de Castela. Há Bethencourt nas Canárias, Madeira, Açores. O historiador não data a existência de judeus na sua linhagem familiar, mas afirma sem receios nem pudores que o seu interesse pela Inquisição não é apenas académico. Tem a força do sangue. É um dos maiores estudiosos-especialistas em Inquisição. Indignado com o regime, contava 19 anos, aquando da Revolução dos Cravos. A sua tese de mestrado foi sobre a história da magia em Portugal no século XVI. É dele A História das Inquisições, um dos estudos mais completos sobre a instituição repressiva católica e uma tentativa de explicar porque, como e porquê actuou em Portugal, Espanha e Itália. Um estudo que vai para além dos de Henry Kamen e de Alexandre Herculano, porque o primeiro se ateve à Espanha e porque o segundo se limitou ao período do estabelecimento da Inquisição em Portugal. Ele enuncia descobertas recentes, e faz um estudo comparativo sobre a instituição naqueles três países, desde o fim do séc. XV até ao princípio do XIX. Aborda temas incomentados: formas de organização, rituais e etiquetas, modelos de ação inquisitorial/números de vítimas e a representação em imagens e pinturas da época, por inquisidores, judeus e protestantes. Na Península Ibérica, os reis propunham o inquisidor-geral. Aqui, a Inquisição perpetua-se. O Estado encarregava-se da execução das penas, refigiava-se numa subtileza do Direito Canónico: a de que os eclesiásticos não podem condenar ninguém à morte, por isso, excomungavam os condenados - e, hipocritamente, pediam clemência às autoridades civis(?) - enviavam-nos para a justiça civil e, naquela sede, eram imediatamente executados. A excomunhão era A sentença de morte. Portugal foi o país que viveu mais intensamente o fenómeno criptojudaico. A Inquisição foi particularmente terrível com os judeus portugueses, porque a população de origem judaica estava mais concentrada em Portugal e porque a Igreja católica hierarquizava os "crimes". Um acusado de judaísmo era um apóstata. Um caso não de heresia, mas de apostasia, o que significava abandonar, por completo, a religião cristã. Os acusados de judaísmo tinham as penas mais graves. O protestantismo era apenas uma heresia (dentro do cristianismo), um crime diminuto na hierarquia da tipificação e das penas. Pensei em dirigir umas palavras ao FB. Aproveito um estudo de Raquel Patriarca. As leis foram um aliado da segregação dos judeus, travando a sua livre circulação, em termos físicos e em termos sociais. Viviam na judiaria e não podiam sair dela à noite. Não podiam sair do país sem um salvo conduto régio. Não podiam casar com cristãos. Não podiam ter escravos cristãos. Não tinham acesso a cargos públicos. Não podiam exercer a profissão de colector de impostos. São-lhes vedadas também as profissões de boticário e médico, alegando que "quintavam" os doentes (matavam 1 em cada 5). Não se podiam barbear, nem cortar o cabelo como cristãos. (Ordenações Afonsinas - leis gerais do reino de Portugal). A peste dos anos de 1482-1484, coincidente com a chegada de judeus e cristãos-novos oriundos de Castela – após a sua expulsão pelos Reis Católicos – suscitam motins. Nas palavras de Elvira Mea, «começam a misturar problemas económicos com questões socioreligiosas». O ódio das comunidades cristãs agravava-se pelo comportamento atribuído aos judeus. «Iniciado desde a infância na difícil aprendizagem do seu idioma sagrado, ocupado por espaço de anos a decorar capítulos da Bíblia e livros inteiros do Talmud, o hebreu não somente trazia para a luta pela vida o intelecto muito mais desenvolvido que o competidor cristão: assumia também o exercício exclusivo das profissões científicas, visto que as lucubrações dos letrados e dos teólogos realmente em nada importavam às trivialidades do viver corrente da população». Os judeus eram mais cultos, tinham mais sucesso na vida, integravam-se na sua comunidade, detinham o exercício exclusivo de algumas profissões, exibiam um porte altivo. Em 1497, com a ordem de D. Manuel de expulsão dos judeus e dos muçulmanos de Portugal e a "Conversão Geral", deu-se a "ruptura com a tradição de relativa coexistência entre as três comunidades religiosas, erradicando formalmente do reino (e do império) a religião hebraica e a religião islâmica, que deixaram de dispor de templos, de livros e de enquadramento espiritual.» A conversão, nalguns casos, levou à integração plena de judeus e muçulmanos na comunidade cristã. Noutros, levou à clandestinidade. Expulsão e conversão geral decididas por D. Manuel explicam-se no «contexto peninsular»: a conquista pelos Reis Católicos do Reino de Granada (último reduto muçulmano da Península); a expulsão, pelos mesmos Reis Católicos, dos judeus, com a consequente entrada de dezenas de milhares de judeus em Portugal; e as negociações entre as coroas portuguesa e castelhana com vista ao casamento de D. Manuel com a princesa D. Isabel. «Acerca de um estado totalitário dos nossos dias alguém escreveu que, na impossibilidade de colocar um polícia a vigiar cada cidadão, se procura fazer de cada cidadão um polícia. Tal era o objectivo das justiças (régias, municipais, eclesiásticas e provavelmente senhoriais) em Portugal, nos séculos XIV e XV». A denúncia torna-se uma prática corrente, enraizada nas comunidades, que o Santo Ofício utiliza para controlar a sociedade. Pelos homens, ela foi então - e será sempre que a tal der azo o Direito - , uma forma de reparação, e se preciso for, de vingança. Compreenderão esta minha aversão a delactores, denunciantes e afins. É genético, por certo.