quinta-feira, 4 de março de 2010

"Direito das Crianças e dos Jovens" - apontamentos e registos


Anuncia o In Verbis a publicação do livro "Direito das Crianças e dos Jovens" (legislação nacional e internacional relevante anotada e comentada), da autoria do Juiz Desembargador Dr. Manuel Madeira Pinto, com prefácio de Prof. Guilherme de Oliveira. A apresentação pública do livro é a 5.Março, pelas 16hoo no Tribunal de Família e Menores do Porto, sito à R. Barão de Forrester, n.º 862, Porto. As razões para se recomendar este livro como indispensável a quem se interessa e pratica o Direito da Família são muitas.
Foi em 2009 que a Relação do Porto disponibilizou, no seu site, o estudo «Fixação de Pensão de Alimentos a Menores», do mesmo autor. Trata-se de um estudo absolutamente pertinente não só para aplicadores da lei como também para quem vive uma situação de separação, por exemplo, e tem filhos menores. Isto porque coloca em evidência as questões da regulação do exercício das responsabilidades parentais (a requerimento do Ministério Público ou de qualquer dos progenitores - arts. 1905º a 1912º do Código Civil, na redacção da Lei nº 61/2008, de 31.10, que entrou em vigor em 30.11.2008 e artº 183º da Lei Tutelar de Menores). Esclarece-se que as responsabilidades parentais por efeito do estabelecimento da filiação (biológica ou adoptiva) configuram poderes-deveres atribuídos legalmente aos pais no interesse dos filhos (art. 1878º, do CC) e não meras "faculdades de conteúdo egoístico e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas de um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que têm de ser exercidas de forma vinculada, de harmonia com o direito, consubstanciadas no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral" (Armando Leandro, em Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões da prática judiciária. Separata do Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto, pág. 119). A titularidade das responsabilidades parentais cabe a ambos os progenitores, em pé de igualdade (art. 1906º, nº 2, do CC), e, a não ser que tal seja contrário ao interesse do menor ou se não houver acordo, essas serão exercidas pelo progenitor a quem o filho for confiado por decisão judicial fundamentada, precedida de audição do menor, salvo se o tribunal entender justificadamente que essa audição não é adequada ou se revelar impossível ou de difícil execução (artº 1901º, nº 2, Código Civil) - A ONU tem recomendado que a idade mínima para o menor ser ouvido nesta matéria será a partir dos 8/9 anos, entendendo-se que é a partir dessa idade que, em regra, o menor compreende a questão na qual está envolvido. Note-se que o critério a ter em conta na decisão de atribuir ou repartir o exercício daquelas responsabilidades por ambos os progenitores será sempre o do superior interesse da criança (arts. 1905º e 1906º, nº 7, do CC, 180º, da OTM e 3º, nº 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, DR, 1ª S, de 12.09.90) e, subsidiariamente, o dos progenitores e familiares do menor.
Quanto à custódia, atende-se ao "interesse do menor", e, portanto, será confiada ao progenitor mais idóneo para satisfazer as suas necessidades materiais, sociais, morais e psicológicas (Rui Epifâneo e António Farinha, em O.T.M., 2ª ed. pág. 327), ponderando o sexo, a idade e o estádio de desenvolvimento da criança, a relação que mantinha com os progenitores antes e depois da separação e com os eventuais irmãos, e o desejo, a disponibilidade dos pais, incluindo a afectiva, de modo a promover as condições necessárias à estabilidade afectiva e ao equilíbrio emocional da criança, a capacidade educativa, as condições de ordem económica, profissional e moral, a motivação para a obtenção da guarda e a atitude face aos direitos do outro progenitor. Por seu turno, ao progenitor a quem não caiba a guarda do filho caberá o direito de ser informado das decisões que afectem os interesses essenciais deste e de cumprir com o regime de visitas fixado pelo tribunal (artº 1906º, nºs 5 e 6, CC), a menos que, excepcionalmente, o interesse do menor o desaconselhe.
Quanto à obrigação de alimentos, o art. 36º, nº 3, da C.R.P. estabelece o princípio de igualdade de deveres de ambos os progenitores na manutenção dos filhos, permitindo que cada um detenha a responsabilidade de assegurar, consoante as suas possibilidades, o que for necessário ao sustento, habitação e vestuário (alimentos naturais), bem como à instrução e educação do menor (alimentos civis), entendendo-se este "sustento" como indo para além da alimentação, abrangendo outras necessidades vitais, como a saúde, os transportes, a segurança, a educação e instrução (art. 2003º do CC), em atenção à proporção dos meios de quem os presta e das necessidades de quem os recebe.
Cabe ainda ao tribunal, à jurisprudência e à doutrina, preencher conceitos indeterminados como o que são os "assuntos de particular importância", o "interesse do menor" e a "medida dos alimentos".
De que forma pode ser melhorado o ordenamento legal actual? É o que o estudo pretende aferir, mas algumas sugestões ficam já lançadas.
Quanto à fixação da pensão de alimentos devidos a menor pelo progenitor não custodial, na falta de acordo dos pais, cabe ao tribunal o poder-dever de fixar o seu montante com apelo a critérios de equidade. O que nos remete para o nível da discricionariedade do juiz: dele dependerá a fixação da quantia da pensão, eventualmente levando a que grupos familiares similares, com necessidades e disponibilidades económicas idênticas, tenham fixados montantes diferentes, incrementando a litigiosidade contenciosa, por cada um dos progenitores entender que pode conseguir um acordo mais favorável. Razão por que o autor defende a existência de um sistema de tabelas orientadoras como existe na maioria dos Estados dos USA, Canadá, Noruega e Alemanha, entre outros países - nos Tribunais de Família de Washington DC, os juízes possuem um programa informático que, em função dos rendimentos declarados dos progenitores e de outras variáveis do grupo familiar, oferece ao juiz três variantes (pensão alta, média o baixa) que este pondera de modo casuistico. Na Alemanha as Tabelas de Dusserldof são utilizadas desde 1961 e, embora careçam de valor normativo, valem como pautas a seguir pelos tribunais alemães com a finalidade de incrementar a segurança jurídica e favorecer a igualdade na aplicação da lei. Em Espanha (Málaga) tentou-se inicialmente aplicar um barómetro que eliminasse ou atenuasse a discricionariedade na fixação das pensões alimentícias - os magistrados Eusebio Aparicio Auñon e Javier Pérez Martín publicaram os primeiros trabalhos teóricos sobre a matéria, sendo a tabela elaborada pelo último com base nas sentenças da Audiencia Provincial de Barcelona, que a utiliza em muitos Juzgados (Revista de Derecho de Familia da editora Lex Nova) - .
A querer implementar-se este sistema de tabelas orientadoras seria necessário alterar a legislação vigente, prevendo a publicação anual no Jornal Oficial de tabelas para vigorarem no respectivo ano civil, com base em dados económicos e jurisprudenciais e com índices correctores, num trabalho articulado a encetar pelo Ministério da Justiça, em coordenação com os Conselhos Superiores da Magistratura e do Ministério Público, Ordem dos Advogados e Instituto Nacional de Estatística. (Veja-se o precedente similar usado para os processos derivados de acidentes de viação resultantes do barómetro para as indemnizações por danos corporais - Portaria nº 377/08, de 26.05).
A normatividade, nos sistemas românicos, conduz, as demais das vezes (ou, pelo menos, é essa uma das críticas que se lhes faz), a padronizações rígidas que vertem injustiças casuísticas, mas a falta de critérios mínimos que sirvam de balizas à discricionariedade das decisões judiciárias pode também potenciar que a casos iguais não sirvam decisões idênticas. Apontamentos a registar e, claramente, um novo livro de estudo para interessados. Recomendável.