quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Gralhas impensáveis - ou de como a incompetência é contagiosa!

O Decreto-Lei 9/2015, de 15 de Janeiro é um tratado de incompetência ilustrativo dos "bons" critérios de apadrinhamento de malta sem capacidade técnica e, como sempre aconteceu na velha escola, às quais se abriu as portas de um qualquer gabinete por distracção [muitas vezes são os(as) próprios(as) a(s) distracção(ões)] ou vulgo "cunha". No diploma, confere-se aos passageiros dos transportes rodoviários uma série de regalias que só levam à risada depois do primeiro café da manhã. Por exemplo, viajar sem título de transporte. Mais, durante as viagens em transportes rodoviários deve (não é pode, é deve!) deitar objectos pela janela fora, pedir esmola (será que a intenção é a de que o montante reverta a favor do Estado?), sair ou entrar do veículo em andamento ( comecem já a treinar, porque não é fácil...) e colocar os pés em cima dos estofos do vizinho da frente. Se não cumprir estes e outros "deveres" fica sujeito a uma coima. A isto junte-se a desmaterialização de crianças até aos 4 anos (artº 10º)  que "as crianças de idade até quatro anos viajam gratuitamente, desde que não ocupem lugar". (!?)
Este pessoal dos gabinetes está cada vez mais impreparado para as tarefas técnicas que supostamente lhe cabe. É a incompetência de quem está acima reflectida em baixo. Malgrado, o critério para escolher esta malta continua a ser o cartão do partido ou outra das armas ao dispor, e escusam os socialistas de tentar passar ao lado da questão já que fazem rigorosamente o mesmo quando estão empoleirados. 
Já virá a desculpa das gralhas, mas entretanto, como o diploma entrou em vigor no dia 16, - se alguém se lembrasse disto a ver no que dava ... como multar? como sancionar? como julgar? é a lei que vigora desde o dia 16! - desde viajar à borla a fazer dos transportes um parque infantil ou um filme de terror se alguém se lembrar disso, vai ser uma curiosidade terceiro mundista tipica da selva urbana. Gralhas à parte, Passos Coelho, a ministra Marilú e o inefável Aníbal são os responsáveis pelo "gra(e)lhado". Os primeiros publicam qualquer coisa que lhes interesse para português ver em período pré-eleitoral. O segundo assina qualquer coisita, desde que não seja sobre o caso BPN. 
A quem precisa de uma boa risada, aproveite a leitura deste miminho de incompetência flagrante. Imbecis como estes será dificil de imitar numa próxima governação. Única razão para uns quantos entenderem que o PS é uma alternativa. Mas que se precisava de uma alternativa séria, lá isso precisava-se. Até lá, diplomas como este vão fazendo o in(v)ferno do nosso descontentamento. AM

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Isabel Moreira pronuncia-se sobre o stalking [a perseguição de "incómodos" insistentes]


«Sou primeira signatária de um dos projetos de lei (pl nº 659/XII/4ª) em discussão na especialidade que criminaliza a “perseguição”, tradução consensualmente tida por mais correta para o termo que encontramos na Convenção de Istambul (Stalking).
Não é verdade que Portugal tenha acordado para o drama da violência de género em 2014. O contributo da Convenção de Istambul (CI) para esse drama, obrigando os Estados a fazerem muito mais do que alterarem o Código Penal (infelizmente há quem se esqueça disto, mas não as organizações de defesa dos direitos das mulheres) e reforçando uma cultura interpretativa das normas amiga do combate à violência de género, não faz esquecer passos que foram dados e que estão sempre em aperfeiçoamento.
Nos últimos anos, Portugal aprovou medidas importantíssimas no sentido de reforçar a proteção das mulheres face a diferentes tipos de discriminação e violência.
Os cinco planos nacionais de prevenção e combate à violência doméstica e de género aplicados desde 1999 no nosso país e as melhorias introduzidas pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de setembro, e 112/2009, de 16 de setembro, no enquadramento do crime de violência doméstica e no regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e assistência das suas vítimas, consagrando o estatuto da vítima, a natureza urgente dos processos de violência doméstica, a utilização de meios técnicos de controlo à distância dos agressores, a possibilidade de detenção do agressor fora do flagrante delito, o direito das vítimas serem indemnizadas e obterem apoio judicial, médico, social e laboral, são marcas indeléveis de uma vontade política que não esqueço e que está recordada no preâmbulo do projeto de lei.
De resto, quando se fala da CI, concretamente na «Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica», assinada em 11 de maio de 2011, é bom recordar que Portugal não se limitou a ratificar o texto, antes tendo participado ativamente nos trabalhos preparatórios da mesma.
Esta convenção, que entrou em vigor no passado dia 01 de agosto, assume entre os seus vários objetivos, a finalidade cimeira de «proteger as mulheres contra todas formas de violência» exortando os Estados signatários à adoção e aplicação de medidas que permitam o reforço deste desiderato no âmbito da prevenção e do enquadramento jurídico-penal.
No quadro do seu capítulo V, dedicado ao «Direito material», a convenção sugere às partes adotantes, entre várias medidas, a criminalização das situações de «perseguição» (artigo 34.º), vulgarmente identificadas pelo conceito de «stalking».
Vários estudos e dados estatísticos indicam que estamos perante uma realidade incontornável de violência contra as mulheres que, resultando de motivações distintas, merece ser travada e punida tal como já sucede com outras práticas especialmente previstas no direito penal português.
E o que é a perseguição que causa tantas vezes danos psicológicos irreparáveis?
É isto: está identificada com as situações em que alguém, de modo persistente e indesejado, persegue ou assedia outra pessoa, por qualquer meio, direta ou indiretamente, de forma adequada a perturbar ou constranger, ou a afetar a sua dignidade, provocando medo, inquietação ou prejudicando a sua liberdade de determinação.
A questão da afetação da dignidade é fundamental e “bebida” da legislação laboral, porque estou em crer que há situações de assédio laboral que devem ter cobertura penal.
Note-se que a natureza específica e socialmente complexa deste novo crime, assumido por isso como semipúblico, justifica não obstante, à semelhança do que sucede por exemplo no crime de violência doméstica (artigo 152.º do Código Penal), e a par da moldura penal principal, a previsão de penas assessórias que passam pela proibição de contacto com a vítima com possibilidade de fiscalização por meios de controlo, ou a obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas de perseguição.
Este projeto de lei está, claro, sujeito a aperfeiçoamentos, mas não podemos tolerar a resignação perante milhares e milhares de casos concretos em que para mulheres reais – tantas vezes numa antecâmara do que pode vir a ser mais uma morte em contexto de rutura conjugal – sair à rua, abrir um computador, ligar um telemóvel, falar com alguém, ter uma conta de facebook, numa palavra, existir, se transformou num pesadelo.
A perseguição deve ser um crime e é um crime que funciona a montante de outros.» - Isabel Moreira, "Perseguidas", blogue Maria Capaz

Maçonaria e registo de interesses, por Francisco Teixeira, Público


«O antimaçonismo da deputada do PSD Teresa Leal Coelho é, como todos os fundamentalismos antiliberais e antidemocráticos, disforme e ignorante e faz parte de uma longa tradição antimaçónica.
“A positividade da exposição da nudez sem véus é pornográfica”; “O projeto heroico da transparência – de rasgar todos os véus, de tudo expor à luz, de expulsar toda a obscuridade – conduz à violência”. Byung-Chul Han, A Sociedade da Transparência
A Maçonaria é uma ordem iniciática que visa o aperfeiçoamento da humanidade através da elevação moral e espiritual do indivíduo. Na medida em que é iniciática a maçonaria propõe-se, através do rito (articulação de gestos, movimentos, símbolos e invocações), a transformação existencial do indivíduo, transubstanciando-o. Algumas vezes consegue-o. Demasiadas vezes não. 
Mas a “transubstanciação” existencial não é o único fito maçónico. A maçonaria também visa aperfeiçoar a Humanidade, porque o homem não é uma ilha e porque de pouco valeria salvar-se um só se não se pudessem salvar todos os seres humanos. Neste sentido, a maçonaria vive num duplo ethos ou espaço de ação e inspiração: por um lado visa a transformação individual (e não simplesmente psicológica), por outro visa a transformação social, porque o corpo e alma não são coisas diferentes mas duas modulações, ou variações, da mesma substância do humano. Mas, quer num caso quer noutro, o que se visa é uma ambição soteriológica, i.e., salvífica, do eu individual, da experiência do que é ser humano e da humanidade no seu conjunto. Mas a maçonaria não é uma Igreja ou um partido. Não é uma Igreja porque não tem uma doutrina dogmática, sacramentos ou um líder espiritual, e não é um partido porque não quer governar nem tem um programa político, embora tenha e tematize princípios meta-políticos de justiça e ética universais. 
Por sua vez, a maçonaria usa o rito como método de acção. Mas a ação ritual maçónica é secreta. No entanto, este secretismo, “o segredo maçónico”, não constitui um instrumento de controlo sociológico ou organizacional, externo ou interno, muito menos um segredo material concreto. O segredo maçónico tem a ver com a natureza da própria experiência ritual, que exige pudor face ao olhar do não iniciado e concentração em si mesmo e na sua experiência ritual concreta, evitando, entre outras coisas, o desejo pornográfico e totalitário de absoluta transparência. Para a maçonaria o que é secreto é o que não pode ser reduzido a outra dimensão ou dimensões que não a sua dimensão originária, no caso a dimensão ritual simbólica. Ser secreto quer dizer, na experiência ritual maçónica, ser irredutível a outra coisa, ser esotérico, i.e., ser interior, ter origem e fazer caminho pelo lado de dentro da experiência humana. Por isso se diz que o segredo maçónico é inviolável ou intransmissível: porque dizendo respeito à experiencia particular de cada maçon não pode ser reduzido à linguagem usada pela vulgar comunicação humana (ou a outras categorizações totalizadoras e potencialmente totalitárias), não podendo, por natureza, ser violado.
Nada de especial, portanto. O segredo maçónico é, pois, da mesma natureza que o amor ou amizade humanas (dois irredutíveis fundamentais da experiência humana) e só constitui uma ameaça para aqueles que acham que toda a realidade deve ser controlada, reduzida, visibilizada e vigiada, incluindo a realidade mais íntima da experiência religiosa transformativa. O segredo maçónico é, então, condição essencial de liberdade, própria e alheia, já que se pressupõe que é num reduto último de inviolabilidade pessoal que reside o sanctum sanctorum da liberdade em geral. É por causa desta inviolabilidade que, desde sempre, as tiranias perseguiram a maçonaria e os maçons e a experiência religiosa e popular exotéricas (i.e., procedendo de uma origem ou audição externas) sempre tiveram desconfiança da maçonaria e dos seus processos de recolhimento.
A maçonaria existe, pois, num ethos eminentemente religioso, porque transformativo e soteriológico. Mas também existe e se firma num ethospolítico. Esta sua dupla dimensão constitutiva tem a ver, por um lado, com a sua origem histórica, mas, também, com a sua natureza ontológica, que recusa os dualismos cosmológico e antropológico. A maçonaria vive, por isso, num mundo de fronteira entre este e o outro mundo, entre o mundo celeste e o mundo terrestre, e é essa condição de fronteira que, por um lado, faz dela uma coisa algo estranha e, ao mesmo tempo, antiga, em que se valoriza a ideia e a prática do “estranhamento” cosmológico, a mais lídima forma, ou experiência, da liberdade e da recusa de todo o reducionismo.
Tudo isto a propósito de recentes polémicas animadas, em particular, pela deputada do PSD Teresa Leal Coelho, propondo que os deputados e os agentes políticos eleitos “sejam obrigados a declarar publicamente se têm ou não filiações secretas”, mas tendo em vista, declaradamente, as filiações maçónicas e do Opus Dei. Outras restrições aos direitos fundamentais deste mesmo tipo já tinham sido introduzidas na Lei Orgânica n.º 4/2014, de 13 de agosto - Lei-quadro do Sistema de Informações da República Portuguesa, pela qual os funcionários dos serviços de informações da República são obrigados a revelar todas as suas filiações societárias, em particular a “Filiação, participação ou desempenho de quaisquer funções em quaisquer entidades de natureza associativa”. Também aqui, e mais uma vez, o que se visa são os maçons e a maçonaria.
No entanto, a Constituição da República Portuguesa é clara (no seu artigo 41º, nº 3, “Liberdade de consciência, religião e culto”) a referir que “Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder”. Temos, então, que este artigo, e aqueles intentos similares referidos acima, são claramente contrários à CRP, porquanto o registo obrigatório de pertença à maçonaria, ou ao Opus Dei, constitui uma pergunta e obrigações constringentes quanto a convicções ou práticas religiosas.
Que esta discussão esteja a ter lugar no parlamento da República Portuguesa, potenciada por uma deputada do PSD, é absolutamente surpreendente e perigoso. Surpreendente e perigoso por revelar profunda ignorância sobre a natureza da maçonaria e outras organizações iniciáticas ou religiosas e, sobretudo, por revelar tentações totalitárias à conta de uma ideia desviante de transparência, passando por cima de um princípio basilar das democracias constitucionais: o princípio da absoluta liberdade de consciência e de religião, sem constrangimentos diretos ou indiretos.
O antimaçonismo da deputada do PSD Teresa Leal Coelho é, como todos os fundamentalismos antiliberais e antidemocráticos, disforme e ignorante e faz parte de uma longa tradição antimaçónica (tão longa quanto a própria maçonaria). Quanto a isso, nada de novo. Já o silêncio de outras pessoas e instituições, mais cultas e mais responsáveis, auguram o pior para a liberdade dos portugueses. Pelo seu lado, a maçonaria continuará o seu caminho como via iniciática e espiritual não dogmática, visando a liberdade e a igualdade acima de todas as coisas, com os olhos postos na utopia antiga de uma fraternidade universal de homens livres e de bons costumes.» - Francisco Teixeira, Professor do ensino secundário, Doutorado em Filosofia, Maçon

sábado, 3 de janeiro de 2015

O estado da Justiça, o Correio da Manhã e Sócrates - pela pena de quem "sabe"!


"Sócrates pronto a ATACAR Belém" - Correio da Manhã . (Carta aberta ao Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho Superior da Magistratura.)
02.01.15
Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho Superior da Magistratura. 
Hoje, dia 2 de Janeiro de 2015, o diário Correio da Manhã publicou uma notícia que faz culminar, penso que irreversivelmente se não forem tomadas drásticas medidas de esclarecimento, um propósito aparentemente concertado de descredibilização e de assédio à dignidade das instituições judiciais em Portugal.
Passo a transcrever:
‘’Ex-primeiro-ministro pretendia candidatar-se à Presidência. Objetivo era uma entrada em força no congresso e dar início a uma vaga de fundo.
José Sócrates preparava-se para atacar o Palácio de Belém. A sua candidatura a Presidente da República, para substituir Cavaco Silva, estava a ser estudada, e o ex-primeiro-ministro tinha previsto estar no congresso do PS no fim de semana imediatamente a seguir a ter sido preso pelo Ministério Público em novembro último. Seria a última cartada, o regresso em grande à política, depois da derrota nas legislativas e após o afastamento para Paris. 
A estratégia tinha sido definida ao pormenor. Dias antes, Ferro Rodrigues, ex-ministro socialista, tinha dado o mote. O PS não era um partido estalinista, a história não se apagava, o legado socrático estava bem vivo. Disse-o na Assembleia da República, a propósito da troika, e agitou tudo e todos. "Um pedido de ajuda contra o qual muitos se bateram até aos limites de forças e possibilidades. E aqui há que salientar uma pessoa, um nome: José Sócrates", especificou Ferro Rodrigues
Todas estas movimentações estão registadas nas milhares de horas de escutas telefónicas que foram feitas ao ex-governante. As escutas não foram destruídas – encontram-se em envelope lacrado, precisamente devido a uma alteração penal feita pelos próprios socialistas. 
Na sequência do processo Casa Pia, e para evitar que conversas relevantes para a defesa fossem apagadas, o legislador previu que as mesmas devam manter-se até final. Apenas as conversas com o advogado, com os médicos e relativas à intimidade foram destruídas. O CM sabe que toda a luta política está retratada nessas mesmas escutas. José Sócrates sabia que Guterres não estava disponível para a candidatura a Belém, o que lhe deixava espaço para avançar. Há mais de um ano que o previra. Regressara aos palcos mediáticos com a crónica dominical na RTP, lançara um livro que, muito devido à intervenção do amigo Carlos Santos Silva, liderara os tops das livrarias.
No domingo, 30 de novembro, José Sócrates previra estar no congresso de consagração de António Costa. Seria lançada a semente para a vaga de fundo que o levaria a Belém.’’ 
E destaco.
‘’Todas estas movimentações estão registadas nas milhares de horas de escutas telefónicas que foram feitas ao ex-governante. As escutas não foram destruídas – encontram-se em envelope lacrado, precisamente devido a uma alteração penal feita pelos próprios socialistas.’’
Na verdade, para um leitor desatento esta notícia em pouco se distingue do aparato de intervenções jornalísticas que se têm sucedido desde a detenção do ex primeiro ministro José Sócrates, em que a comunicação social, alegando acesso privilegiado a dados da investigação, tem transmitido a ideia de que tudo, no âmbito deste inquérito e processo, decorre do propósito pressuposto de acusar, com um sentido político. Tal ideia é obviamente consolidada pelo silêncio inexplicável das instituições judiciais, nomeadamente das magistraturas envolvidas, que até ao momento não se demarcaram nem esclareceram publicamente estes tópicos. Há silêncios que são entendidos como conveniências tácitas.
Concordará Vossa Excelência, para lá de tudo mais, nomeadamente das irregularidades processuais que se podem deduzir de tudo o que tem vindo a público, em que podemos com toda a legitimidade inferir que um cidadão da República está preventivamente preso por se atrever a ter a intenção de se candidatar à Presidência da República. E isto sem que os magistrados envolvidos nem o Conselho a que preside tomem uma posição clara de esclarecimento, permanecendo num olímpico silêncio de cumplicidade.
Destaco ainda o asténico silêncio com que toda a magistratura e todo o sistema judicial tem assistido à obscenidade institucional que constitui a insistente promoção junto da opinião pública da figura orgânica de dois supermagistrados, tacitamente consentida. Convirá Vossa Excelência em que, para lá de que ficam sempre por esclarecer claramente as atribuições de uma super magistratura, o mero consentimento desclassifica irremediavelmente todas as restantes magistraturas.
Nada haveria de mais grave, Excelentíssimo Senhor, do que, num clima de descrédito mais do que visível de todas as instituições da República, o sistema judicial e as suas magistraturas mergulharem nesta tenebrosa ambiguidade de que não resta senão deduzir a falta de transparência, de independência e de idoneidade dos magistrados.
Pelo que solicito a Vossa Excelência que dê início a um inquérito drástico que apure as condições em que têm decorrido os processos de investigação que, mais ou menos obviamente, transmitem a ideia de envolvimento político do sistema judicial e das magistraturas em particular. De igual modo, solicito um drástico inquérito, sem ambiguidades nem hipócrita transferência de responsabilidades, sobre a objectiva atribuição de responsabilidades no que concerne á constante violação do alegado segredo de justiça.
Solicito ainda que os resultados da investigação sejam, com toda a brevidade possível, divulgados com idoneidade e transparência. A bem da República e da confiança que todos nós gostaríamos de depositar nas instituições judiciais, tão drástica e obscenamente comprometidas.
Para ser breve, coloco a Vossa Excelência uma pertinente questão.
Como se sente Vossa Excelência e o Conselho a que preside face à existência, tacitamente consentida, de dois super magistrados? E como, face a tal obscenidade, o Conselho a que preside não teme continuar a usar a designação de Conselho Superior? Superior a quem?
Com os meus cumprimentos.
Coimbra, 2 de Janeiro de 2015.
Manuel Maria Guimarães de Castro Nunes
*Com conhecimento a Sua Excelência a Procuradora Geral da República.»

2015 - Repensar (sempre) a Liberdade!

«Com que então libertos, hein? Falemos de política, discutamos de política, escrevamos de política, vivamos quotidianamente o regressar da política à posse de cada um, essa coisa de cada um que era tratada como propriedade do paizinho.
Tenhamos sempre presente que, em política, os paizinhos tendem sempre a durar quase cinquenta anos pelo menos.
E aprendamos que, em política, a arte maior é a de exigir a lua não para tê-la ou ficar numa fúria por não tê-la, mas como ponto de partida para ganhar-se, do compromisso, uma boa lâmpada de sala, que ilumine a todos.
Com o país dividido quase meio século entre os donos da verdade e do poder, para um lado, os réprobos para o outro só porque não aceitavam que não houvesse liberdade, e o povo todo no meio abandonado à sua solidão silenciosa, sem poder falar nem poder ouvir mais que discursos de salamaleque, há que aprender, re-aprender a falar política e a ouvir política.
Não apenas pelo prazer tão grande de poder falar livremente e poder ouvir em liberdade o que os outros nos dizem, mas para o trabalho mais duro e mais difícil de - parece incrível - refazer Portugal sem que se dissipe ou se perca uma parcela só da energia represa há tanto tempo. Porque é belo e é magnífico o entusiasmo e é sinal esplêndido de estar viva uma nação inteira.
Mas a vida não é só correria e gritos de entusiasmo, é também o desafio terrível do ter-se de repente nas mãos os destinos de uma pátria e de um povo, suspensos sobre o abismo em que se afundam os povos e as nações que deixaram fugir a hora miraculosa que uma revolução lhes marcou. Há que caminhar com cuidado, como quem leva ao colo uma criança: uma pátria que renasce é como uma criança dormindo, para quem preparamos tudo, sonhamos tudo, fazemos tudo, até que ela possa em segurança ensaiar os primeiros passos.
De todo o coração, gritemos o nosso júbilo, aclamemos gratos os que o fizeram possível. Mas, com toda a inteligência que se deve exigir do amadurecimento doloroso desta liberdade tão longamente esperada e desejada, trabalhemos cautelosamente, politicamente, para conduzir a porto de salvamento esta pátria por entre a floresta de armas e de interesses medonhos que, de todos os cantos do mundo, nos espreitam e a ela.» - Jorge de Sena