terça-feira, 31 de agosto de 2010

TOTALITARISMOS IGUAIS COM ALVOS DIFERENTES


As máquinas totalitárias desprezam o ser humano.
Tinha pensado, depois de, no sábado, estar presente na manifestação no Largo Camões, “Lisboa por Sakineh – 100 cidades contra a barbárie”, em escrever um pouco sobre a história desta mulher, que bem podia ser sobre a história das mulheres, que bem podia ser, ainda, sobre a “culpa”, que bem podia ser, também, sobre o “adultério”, tudo na perspectiva da República Islâmica do Irão.
Fiquei ainda com mais vontade de vos escrever sobre ela depois de hoje se conhecerem os insultos da imprensa iraniana contra Carla Bruni, a esposa do presidente francês Nicolas Sarkozy - apresentada como uma "prostituta" por um jornal e pelo site governamental do Irão, que denunciou a 'imoralidade' de Carla Bruni por esta ter expressado o seu apoio à iraniana condenada à morte por apedrejamento sob acusação de adultério e assassinato.
O que está em causa, no caso de Sakineh, é um grito de solidariedade e de coragem contra o regime da lapidação (a morte à pedrada, lançando pedras de tamanho certo para que a morte seja lenta e atroz, para que a mulher enterrada até ao pescoço possa sobreviver a dezenas de golpes) a pretexto de se fazer “a vontade de deus”. O que os juízes iranianos assumem é que têm um papel de intermediários divinos, com procuração daquele que entendem como seu deus, para torturar, ferir e matar. Obviamente que não existe nenhuma religião que entenda deus como uma entidade tão sanguinária, a violência está no coração dos homens que usam e abusam de conceitos religiosos para impor a atrocidade dos seus fundamentalismos, a pretexto da ordem e do bem comum.
O presidente francês ficou ofendido. Como ofendidos ficaram os 950 ciganos que, até Agosto, recambiou para a Roménia. A pretexto da ordem e do bem comum.
Assim começou Hitler a sua epopeia genocídia contra ciganos, judeus, intelectuais, revolucionários e maçons. A pretexto da ordem e do bem comum.
Os fundamentalismos são anti-natura e qualquer ser divino que ame os seus filhos abominará e sancionará – in extremis, aquando do julgamento final – tais actos.
Mas, para já, todos devemos tirar uma lição da História, incluindo Sarkozy, que vê os ciganos como a classe responsável por todos os males que afectam a sociedade francesa: olhar o uno pelo todo apresenta o maior dos riscos: o de vitimizar, o de ferir, o de agredir.
Um homem deve ser respeitado pelo que é, as generalizações conduzem inevitavelmente a juízos injustos e perigosos. Hoje são os ciganos - como antes foram os judeus -, os negros, os emigrantes, os homossexuais, os dissidentes e prisioneiros políticos, os que “pecam”, amanhã, por outra causa qualquer somos nós, os nossos filhos, pais, irmãos, amigos e vizinhos. É por isso que Sakineh nos diz assim tanto.
Claro que estamos contra a República Islâmica do Irão, como estamos contra Sarkozy, mas se sente assim tão atingido pela ofensa à mulher talvez seja bom olhar para o umbigo e perceber que o “erro” de ambos é exactamente o mesmo: apontar para um comportamento individual e generalizá-lo por classes, tipos, géneros ou outro. Todos os ciganos são ladrões para Sarkozy, como todas as mulheres solidárias com Sakineh cometem “pecados” e são prostitutas para o Irão.
Ambas as atitudes são totalitárias, apenas escolheram alvos diferentes.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

IR E VIR – GOVERNOS E DESGOVERNOS


Voltou de férias quem as teve! O País em Agosto é consabido, vai a banhos e, supostamente, pára!
Males de consultora e auditora – não me queixo, antes pelo contrário – com outros tantas maleitas das mil e uma coisas em que - voluntariamente ou nem por isso – me meto, Agosto é só mais um mês de trabalho, projectos e causas. Assim vive uma lisboeta que se sente ribatejana.
Para não variar, mais um ano que nem consigo a Vale de Cavalos para a Festa. Os pais estiveram lá recentemente e trouxeram notícias – já não foi mau! A visitar urgentemente a casa da Vanda e do Marinho lá p’rós lados da Caniceira, se bem que vai ser uma visita difícil depois da morte do tio Zé André. Hei-de lá ir! Hei-de lá ir!
Mas, dizia eu, as gentes portuguesas rumaram ao Sul atrás do Sol. E com uma realidade política, económica e social tão cinzenta, provavelmente terão feito bem. Voltar é que deve ser o cargo dos trabalhos!
Foram de férias mas a Política continuou. Um Governo cada vez com mais dificuldades em governar com uma oposição que prima por desgovernar! O PSD a “chantagear” o PS, e a querer trocar o Estado Social de Direito – que todos julgávamos seguro por força da Constituição – pela “passagem” do Orçamento de Estado. Vai daí o PS diz que não, mais umas coisitas…E o PSD a retorquir que exige desculpas e o PS a dizer que nem pensar. Estes republicanos de uma figa – afirmam os monárquicos! Já em clima pré-eleitoral, uns acham que um tipo que sabe fazer contas é que é preciso em Belém e outros dizem que não que é um poeta que é preciso, porque sabe fazer poemas, e outros que não que tem de ser um “nobre” porque é apartidário, e os “vermelhos” a contrariar, que quanto mais do aparelho, melhor! Estamos desgovernados!
Foram de férias mas a Economia continuou. Ainda, sem sinais de retoma visíveis, apesar do nível do desemprego ter descido ligeiramente, mas com a prestação do crédito da casa a subir e os bancos a aporem nos novos contratos cláusulas exorbitantes que lhes permitem alterar “sem passar cavaco” as taxas invocando alterações de mercado, com o número de casas, viaturas, e contas, penhorados pelas Finanças e subir. Casas desgovernadas!
Foram de férias mas a Sociedade continuou. Málzinha, e nem por isso tem uma corzinha: os jovens continuam preocupados com a instabilidade no emprego, a impossibilidade de assegurarem o futuro, de sedimentar namoros e amores, de assentar arraiais, de fazer uma família, de fazer filhos. Sonhos desgovernados!
Foram de férias mas a Justiça continuou. Mal, muito mal! O Freeport sentenciado, numa letra e atitude que não convence – era suposto todos terem ficado convencidos da inocência de Sócretas, e não estão – com o Procurador-Geral da República a exigir explicações de como, quando e porquê os procuradores-gerais e juízes não apuraram a verdade material dos factos. O Casa Pia com sentença anunciada para Setembro, com toda a gente a temer que “a montanha vá parir um rato!”, isto se, entretanto, os advogados não usarem mais um dos seus estratagemas para “fugir com o rabo à seringa!! Leis desgovernadas!
Toda a gente se foi “governar” com o Sol, convencidos que o País ficava a governar-se sozinho, mas – ó santa ilusão – foram e vieram, e nada mais viram e encontraram que o “Desgoverno” de sempre. Estamos desgovernados, ai estamos, estamos!

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

PROMULGAÇÕES E (REAIS) REPUBLICANOS ASSENTOS


Cavaco Silva promulgou a lei do casamento homossexual criando insatisfação nas hostes mais ligadas à Igreja Católica, que viram no acto como que uma traição do Presidente aos valores mais ortodoxos da sociedade. Ouviram-se, então, vozes clamando uma candidatura à direita. Correram-se os nomes de Ribeiro e Castro e Bagão Félix a Santana Lopes, com os primeiros a escusarem-se e o segundo – como já nos habituou – a insinuar-se à cadeira de São Bento, a ver se alguém o “empurra” para o púlpito do cenário eleitoral – já que dificilmente alguém o recomendará.
A lei das uniões de facto pôs fim à crença dos sectores mais religiosos à direita em Cavaco Silva. Volta a pedir-se novo candidato para Belém.
Facções que argumentam que o reforço dos direitos nas uniões de facto é um passo para "destruir o casamento" e lamentam a promulgação de uma lei que consideram "desestruturante da sociedade".
O Presidente – não desconhecendo o preço que tais promulgações lhe podem custar – fez vários ensaios de demarcação ao diploma, criando – e não é pela primeira vez – uma figura que a Constituição não prevê: a da promulgação com reservas. Isto é, promulgou sem concordar, o que não se compreende já que a promulgação é em si mesmo uma aderência ao teor da lei sobre que recai.
Cavaco parece escudado no apoio dos partidos da direita, PSD e CDS, mas até os centristas já criticaram o diploma das uniões de facto, acusando a esquerda de empreender uma manobra de "engenharia social" que "esvazia o casamento".
O Bloco de Esquerda e o Partido Socialista preparam-se para apresentar um diploma que facilita a mudança de sexo no registo civil. Se Cavaco Silva o promulgar, ver-se-á arrastado para um debate aguerrido em tempo de pré-campanha.
Uma coisa é certa: Aníbal Cavaco Silva é um cidadão com um objectivo claro: renovar o seu contrato com a Presidência; é um Presidente em funções e em trânsito para a continuidade do mandato. Com a promulgação destas leis o que evidenciou, sem margem para equívocos, foi que essa é a sua principal preocupação e a estratégia que adopta, em cada momento, é com os olhos postos nesse seu propósito. E quem acreditava que ele era um instrumento da Direita a utilizar e a reciclar a seu bel-prazer tem agora que encarar de frente “a queda de um anjo”. Mas, paradoxalmente, pode ser essa “oportuna” e “conveniente” “queda” o seu maior trunfo para lhe assegurar a (Real) Cadeira de São Bento.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

UMA REVISÃO CONSTITUCIONAL REVISÍVEL


Com Setembro à porta, o projecto de revisão constitucional do PSD volta a merecer atenção.
Esta é uma questão absolutamente nuclear porquanto a Constituição da República Portuguesa se encontra, abaixo do Direito Internacional e do Direito Comunitário, no topo da pirâmide da hierarquia das leis. É a Lei-Mãe. O que significa que o que vier a decidir-se, no contexto da revisão constitucional, vai determinar o teor das leis avulsas que nos governam.
E importa dizer, desde já, que, por causa desta circunstância, o restante ordenamento jurídico-legal depende, em estreita medida, do que ela conforma e encerra. Portanto, não está em causa a legitimidade política de um partido propor uma versão actualística de alguns dos seus pontos nucleares. O que se afigura de questionar são, precisamente, os pontos que se pretendem, uma vez que eles subsumem em aspectos essenciais da arquitectura económica e social do regime.
Por exemplo, quando se fala em alterar conceitos já consagrados pela doutrina e pela jurisprudência e adoptados pela lei substantiva (incluindo no Código do Trabalho), como o do ‘despedimento sem justa causa’, e se propõe retomando – curiosamente - uma velha fórmula do gonçalvismo: a do ‘despedimento sem razão atendível’, esquecem-se as consequências que daí adviriam para a estabilidade política, institucional e social, desde logo, por se abrirem de forma escancarada as portas do desemprego.
Depois, propõe-se rasurar a filosofia do Estado social, recorrendo a fórmulas próprias de um liberalismo que já se revelou desadequado, sobretudo depois do crash de 2008. É o retrocesso às ilusões ideológicas que robusteceram as utopias do Estado que moldou o PREC. O projecto até agora conhecido – o do PSD, a que nos vimos referindo – limita-se a substituir o pressuposto da bondade do Estado pela bondade da iniciativa privada. Segundo esta ideia, a iniciativa privada limitar-se-ia a “tomar conta” da vida económica e social, restringindo-se o Estado a uma função meramente supletiva. E, quando se fala nesta questão, sublinhe-se que se fala, por exemplo, da Saúde e da Educação, que, a estarem a cargo dos privados, tenderão a esquecer os mais carenciados, correndo-se o risco de agravamento da marginalização social e de se acentuarem ainda mais as desigualdades sociais.
Mas o equívoco maior da proposta de revisão constitucional é a confusão que o PSD faz quanto à necessidade de libertar a sociedade civil da tutela estatal. Não se trata de estar contra ou a favor da autonomia da iniciativa privada, de resto inquestionável face ao texto constitucional, mas sim de pôr em causa a idealização de uma certa iniciativa privada que se parece assumir preocupada com as questões sociais e capaz de aceitar a devida solidariedade em matérias tão cruciais para os cidadãos como a Saúde e a Educação. Não desconhecemos que a moderna “responsabilidade social” integra hoje todos os relatórios das entidades privadas, mas, estamos em crer que não é expectável que uma indústria de serviços direccionada para o lucro se dê as tais voluntariedades.
E, nos tempos de crise em que vivemos, não é este o tempo para arriscar modelos que descurem o que de mais elementar há para assegurar a qualidade de vida das actuais e, principalmente, das futuras gerações: o estar bem fisíco, o conhecimento e a qualificação profissional.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

LISBOA: abandonada, caída, ou "apenas" doente

Definitivamente, a imagem da nossa Lisboa degrada-se por essa Europa fora.
A prová-lo o texto de Francesc Relea Ginés, publicado pelo Presseurope, que, em grande medida, se transcreve.
O coração de Lisboa está envelhecido. No centro histórico, em bairros tão conhecidos como o Chiado, a Baixa, Alfama, a Graça ou Alcântara abundam as casas desocupadas. É uma imagem que se repete até em zonas mais caras. Entre lojas de luxo, hotéis, bancos e empresas multinacionais espreitam edifícios em avançado estado de degradação. A Câmara Municipal diz que são cerca de 15 na Avenida da Liberdade, a principal artéria da cidade. Lisboa e Porto estão à cabeça da lista das cidades da UE que mais se despovoaram desde 1999 e com o maior índice (24%) de habitantes com mais de 65 anos.
Helena Roseta, arquiteta, há anos que trabalha a favor de uma política de habitação decente e, em Outubro passado, foi eleita como vereadora independente na lista do Partido Socialista. Roseta aponta três elementos comuns ao panorama urbanístico de cidades como Lisboa, Porto e Braga: o grande número de apartamentos desocupados, o declive demográfico e o envelhecimento da população. Segundo um estudo de 2008, em Lisboa há 4 mil edifícios abandonados, num total de 55 mil. “Uma parte deles já tem programas de reabilitação aprovados pela Câmara, outros não podem ser recuperados e terão de ser demolidos”, explica o também arquiteto Manuel Salgado, vereador e responsável pelo pelouro do Urbanismo.
Cidade enche-se e esvazia-se como um pulmão - Nos últimos 30 anos, Lisboa perdeu cerca de 100 mil habitantes por década e passou de 800 mil habitantes para o meio milhão atual. Salgado diz ter “perfeitamente identificadas” as causas do despovoamento: “A má qualidade dos equipamentos de proximidade: creches, escolas, centros de saúde; a procura de casas unifamiliares; e, mais importante, o preço do metro quadrado, que em Lisboa é duas ou três vezes mais caro do que nos municípios limítrofes”. Um quarto da população da cidade vive no limiar da pobreza, segundo os cálculos da Câmara. Reformados, desempregados, pessoas que vivem do rendimento mínimo, de um lado. Do outro, os que têm mais recursos e têm acesso, sem problemas, ao mercado de habitação em Lisboa. Em muito casos têm, também, casas nas zonas mais exclusivas dos arredores, como Estoril e Cascais.
A cidade tem 650 mil postos de trabalho, mas apenas 500 mil residentes, dos quais só um quarto é ativo, explica o vereador. “Isto significa que, todos os dias, entram e saem de Lisboa mais de meio milhão de pessoas. É uma situação praticamente única na Europa, só comparavel a Oslo, que tem mais em comum com as cidades dos Estados Unidos”, diz o geógrafo João Seixas, professor de Geografia na Universidade de Lisboa.
As consequências deste tráfego diário são dramáticas para uma cidade que se enche e esvazia como um pulmão. Desequilíbrio, congestão da via pública, poluição e ruído. “Há 162 mil veículos registados em Lisboa e, todos os dias, entram 400 mil, o que implica um enorme desgaste para a cidade e não representa nenhuma entrada de dinheiro para a Câmara porque estas pessoas pagam impostos noutros municípios”, explica Salgado.
À noite e ao fim-de-semana, Lisboa esvazia-se e há zonas que adquirem um ar fantasmagórico. Alguns bairros mais centrais, onde abundam os edifícios abandonados, têm grandes carências de serviços. Perante a falta de procura há pouca oferta de lojas, cafés ou táxis, coisa que afugenta os moradores jovens, que optam por viver em bairros mais afastados mas com mais vida.
Proprietários, inquilinos e autoridades municipais acusam-se mutuamente pela deterioração do parque habitacional. Os primeiros queixam-se da lei do arrendamento urbano, que remonta aos anos 1950, em plena ditadura salazarista, e mantém congeladas rendas irrisórias que não permitem suportar obras de reabilitação.
Apesar da decadência da Lisboa antiga e senhorial, a beleza da cidade, com as suas sete colinas e o omnipresente rio Tejo, continua a ser um poderoso imã para o visitante estrangeiro. Consciente disso mesmo, a Câmara Municipal encontrou um instrumento para recuperar a vitalidade da cidade: o programa Erasmus, que facilita a mobilidade académica dos estudantes dentro da União Europeia. “O nosso objectivo é transformar Lisboa numa cidade Erasmus”, garante Manuel Salgado. Segundo os indicadores municipais, os três mil estudantes estrangeiros que chegam todos os anos a Lisboa estão a contribuir para dinamizar o mercado de arrendamento de casas."
Há quem diga já que Lisboa está a cair. Para mim, ela é sempre aquela radiante e vibrante gaiata de chinela no pé. Não creio que caia. Julgo, apenas, que está doente. Mas não irremediavelmente.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

AS “MALHAS” QUE A (IN)JUSTIÇA TECE!





A Justiça assume-se como um marco civilizacional e uma componente determinante num Estado de Direito. De nada serve gritar aos sete ventos que se vive em Democracia quando depois, na vida de cada um, se sente a (in)justiça das decisões judiciais, o anacronismo dos processos, a chacota com que os “grandes” advogados tratam o Direito e se digladiam entre si e com que caldeiram as leis em banho-maria.
Se um país não possuir e exteriorizar uma Justiça robusta, que se dê ao respeito e que seja respeitada, corre-se o risco de retornar à vingança privada, ao “olho por olho, dente por dente”, ao linchamento popular.
Mais do sentir que não se faz justiça o povo sente que não se pratica a equidade – que é a Justiça aplicada ao caso concreto – já que somos levados a crer que o sentido da decisão tem muito a ver com a bolsa do arguido. Exemplifico: do pobre, se subtrai um pão ou uma fruta para matar a fome, dir-se-á que “rouba” (pratica, portanto, um crime) e sujeitar-se-á, por força dessa qualificação, a pena de prisão; do rico, que arrecada bolso dentro uns milhões de um Banco, pode dizer-se que “se apropriou indevidamente” ou que “desviou” e, por isso, basta pagar uma multa. Um verá o sol aos quadradinhos, outro continuará a dormir um sono santo em lençóis de seda.
Os juízes, no Direito de família romana, como o nosso, limitam-se a aplicar o Direito. E os ordenamentos jurídicos são cada vez mais complexos, assumindo-se como autênticas engrenagens. A produção legislativa apresenta-se cada vez mais deficiente e excessiva. A consequência é a morosidade, a incoerência e a instabilidade dos processos e das decisões dos tribunais. Aos juízes exige-se coragem e o desassombro na sua compreensão e na sua aplicação, já que, cada vez mais, os advogados com maior “habilidade” recorrem a expedientes inovadores, nunca antes tentados, suscitando a nulidade de parte ou até de todo o julgamento.
Digo igualmente, numa versão arrevesada da frase original que “quem só sabe de Direito nem de Direito sabe”. Exige-se que os aplicadores da Lei sejam experimentados na realidade e não que se detenham no topo dos seus (frágeis) pedestais, mas que retirem da realidade (social, económica, financeira, politica) o conhecimento e a habilitação que lhe permitam as decisões mais conformadas com o espírito do legislador e com o modus vivendi e o modus operandi do caso. O desconhecimento da lei não abona a ninguém – é certo e sabido. Mas a vida ensina que os que melhor a conhecem são os que, infelizmente, nem sempre, mas por vezes, se servem dela (da lei), banqueteando-se como se fosse um prato de gourmet e servindo-se de advogados e de juízes como se fossem chefs de cuisine que tratam por tu.
Mesmo sendo republicana, ou talvez porque o sou, não acho a menor graça a que o Procurador-Geral da República do meu querido País, que é um Estado de Direito Democrático, se compare à Rainha de Inglaterra – com quem pode até ter algumas semelhanças, sobretudo na falta de graça. Os poderes devidos e adequados estão na lei – mas o “pior cego é o que não quer ver”.
Há uma coisa que afirmo aqui aos meus caros amigos e leitores – sou uma cidadão portuguesa que quer reacreditar na Justiça do seu País. Sou uma profissional do Direito que se dedica não à barra dos tribunais mas à investigação. E o Direito é - exige-se que seja - um edifício respeitável. A Justiça tem de se saber fazer respeitar. Porque todos nós, perante a vicissitude de termos de recorrer aos tribunais, queremos saber que são “entes de bem”. E porque – raios partam – se os agentes e aplicadores do Direito não se dão ao respeito, então cabe-nos a nós, meros cidadãos que a todo o tempo lhes podemos cair nas mãos – fazermo-nos respeitar.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O “SENTIDO DE ESTADO” DE PEDRO PASSOS COELHO – UMA FALTA DE “SENTIDO”?

Parece-me que contrariando a parte mais jovem da minha família, a intransigível filha, o convicto genro, e o militante irmão, fui a primeira pessoa deste pequeno clã a ver as "qualidades" de Pedro Passos Coelho. Neste blog, fui sua admiradora quando ainda dentro do PSD todos o enjeitavam, do tempo em que Manuela Ferreira Leite dizia que era o que mais faltava ao partido era ter um lider destes. Acho que só não terá dito "jamais" porque nem ela tem desses delírios mediunicos. Pois bem, eu que tanto acredito que os Mestres muito ajudam a "moldar" os aprendizes, rendo-me à evidência. O aprendiz devia ter ficado nesse grau. Porque tudo leva a crer que não estava pronto para a mestria.
Passos Coelho apostou em romper com a postura típica de animosidade pessoal que opunha Ferreira Leite a José Sócrates e em manter uma ‘atitude de Estado’ na sua relação com o chefe do Governo. Surgiu como que erguido de Alcácer Quibir, resolvido a fazer a diferença. Em contraste à pose tão criticada de José Sócrates, dita de arrogância, autoritarismo e infalibilidade, opôs um perfil pacífico, brando e dialogante. Uma “postura” adaptada ao perfil de primeiro-ministro alternativo, dir-se-ía.
Mas, como já dizia O Líder “quem não está comigo está contra mim” e era previsível que esta duplicidade não se pudesse prolongar ad eternum. Apostar, de uma banda, na colaboração institucional com Sócrates, e, de outra, na recusa de reeditar o Bloco Central ou de participar num qualquer Governo de Salvação Nacional, fragilizou e apequenou a margem de manobra de Passos Coelho.
Primeiro, e desde logo, terá esquecido que o PSD foi sempre um partido de lutas intestinais – mesmo quando Cavaco os calava pelo temor reverencial.
Depois, quis aproveitar a maré de populismo já iniciada a (des)propósito das presidenciais, mas percebeu a conveniência de não se “colar” ostensivamente a Cavaco Silva, precisamente pelo tal perfil que faz questão em manter – e que é mais diferente do de Cavaco do que do de José Sócrates.
O certo é que a crise nacional acabou por ser madrasta para Pedro Passos Coelho, furando-lhe os timings da sua estratégia – admite-se bem planeada e arquitectada – e acabou por revelar de forma prematura as suas fragilidades.
Não saiu ileso do episódio das SCUT: as concessões tiradas à força a Sócrates valeram-lhe o reincendiar de velhos conflitos com alguns barões autárquicos do partido (sobretudo no Algarve).
As declarações do seu braço direito, Miguel Relvas, sobre a aliança com o CDS ou o veto do Governo à venda da Vivo à Telefónica, evidenciaram que “casa onde não há pão…”, ou seja, a incongruência das posições internas do PSD.
Segundo, a intenção – que se queria messiânica – de reunir assembleias de notáveis para rever a Constituição e reformar o programa do partido – num caso, pondo à testa um destacado militante monárquico, noutro, reunindo personalidades ‘independentes’, algumas com passadas e conhecidas ligações ao PS – pareceram golpes – não de asa – mas de oportunidade política, a tentar igualar os que o PSD tanto aponta ao socratismo.
A duplicidade de Passos Coelho pôs a descoberto a displicência e o novo-riquismo liberal de que o PSD sempre fez apanágio e serviu, não somente, mas designadamente, para “nos pôr a pau” sobre o seu suposto ‘sentido de Estado’.
Porque Pedro Passos Coelho parece estar a tomar atitudes sem sentido e porque começamos a pensar que nem faz ideia do que será essa máquina brutal que é o Estado.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A culpa é do "vizinho" (ou da "árvore"....)



O Supremo Tribunal Administrativo revogou uma decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa e ilibou a Estradas de Portugal (EP) do pagamento de uma indemnização de 1,4 milhões de euros a uma jovem que ficou tetraplégica quando o carro em que seguia foi atingido por uma árvore que caiu na Estrada Nacional 118, que liga Benavente a Samora Correia. A decisão não foi consensual entre os juízes-conselheiros do Supremo: dois julgaram improcedente a acção apresentada em nome da vítima e dos seus familiares e um terceiro juiz assumiu uma posição contrária, apresentando voto de vencido.
Os factos remontam à noite de 6 de Dezembro de 2000, quando a vítima, então com 20 anos e funcionária da Câmara de Benavente, circulava na EN 118 num automóvel conduzido pelo namorado. A queda de uma acácia com cerca de 18 m de altura, colocada a apenas 3 m da estrada, atingiu a jovem, que sofreu lesões cervicais irreversíveis. Em consequência do acidente, a vítima apenas tem sensibilidade do pescoço para cima e nos ombros, sofre de "diminuição acentuada" da função respiratória e foi-lhe atribuída uma incapacidade funcional de 95%, com incapacidade total para o trabalho. Desloca-se em cadeira de rodas e necessita de assistência permanente de terceiros, o que obrigou os pais a fechar um pequeno minimercado que exploravam para poder acompanhá-la. A família reclamou uma indemnização da Estradas de Portugal por danos patrimoniais e morais, presentes e futuros. O TAFL deu-lhes razão e condenou a EP a pagar 1,2 M€ à jovem e 252,5 mil € aos seus pais.
A empresa não se conformou e recorreu para o STA, questionando, por um lado, a sua responsabilidade nos factos e, por outro, a quantificação dos danos indemnizáveis. Sustentaram os advogados da EP que a árvore, embora colocada a 3 m do limite da EN 118, "localizava-se já num terreno privado, contíguo à berma da estrada". E defenderam, por conseguinte, que se deve "presumir a culpa da dona do prédio onde a árvore se situava, para civilmente a responsabilizar pelos danos provocados pelo seu colapso".
Para os juízes do STA, este facto, só por si, não iliba a EP, até porque a árvore estaria há mais de 10 anos inclinada sobre a faixa de rodagem e constituía "um perigo manifesto". Ora, é obrigação da entidade que tutela as estradas nacionais "vigiar a perigosidade para a circulação rodoviária das árvores próximas das vias públicas". Mas os juízes consideraram, apesar do dever de vigilância, que "seria leviano pensar-se que a recorrente [EP] tem a obrigação de vigiar todas as árvores que, aos milhões, bordejam as estradas nacionais a partir de terrenos privados". Sustentaram ainda que não havia factos que indicassem como "provável" a queda da árvore e que mostrassem que a mesma configurava uma ameaça. Por isso, concluíram, a EP "não é responsável pelo sinistro".
Ora, com a aplicação da Lei 67/2007 (Lei da responsabilidade civil extracontratual do Estado), esperava-se que os tribunais interpretassem de uma forma "actualizada" de acordo com as correntes mais modernas do Direito Penal e, designadamente, com o Direito Comunitário, o conceito de "deveres objectivos de cuidado", valendo a estas situações em que organismos de direito público agem, na sua gestão pública, sem observar os adequados procedimentos de vigilância e de segurança. Já antes da entrada em vigor, a jurisprudência caminhava a passos largos nesse sentido e as decisões começaram a implicar sanções mais "duras", a actual decisão representa um retrocesso no sentido das decisões judiciais quando, de um lado, temos entidades providas de poderes públicos, e, de outro, o comum dos cidadãos e advogados menos hábeis no manuseamento da lei. Mais uma vez perde quem não pode!

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

UMA JUSTIÇA (INJUSTA) – UM POVO DE LUTO



Quem não tem formação jurídica estará, por esta hora, a concluir, uma de duas coisas, que parte da malta de Direito, depois de queimar tantos neurónios e pestanas e de carregar quilos de manuais, ficou, definitiva e irreparavelmente, com os fusíveis fundidos, e que a outra parte (da malta de Direito) tem “rabo preso” com o poder político. Explicar a alguém o arquétipo da tripartição de poderes (legislativo, executivo e judicial) é obra vã. Nenhum português vai acreditar que os juízes decidem de forma independente. Começa a ficar difícil que alguém compreenda a (in)governabilidade do sistema judicial.
Depois do Casa Pia, sobre que falaremos um destes dias, que sofre expedientes processuais (vulgo, rasteiras) que levam a adiamento sobre adiamento, começando a suspeitar-se, já que se avizinha a prazo de prescrição para os crimes a julgar, que tudo dê “em águas de bacalhau”, o Freeport põe qualquer cidadão, no uso pleno das suas faculdade mentais, de boca aberta.
Vem a directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Cândida Almeida, admitir que o processo, apesar de concluído pelo Ministério Público, e após o arquivamento dos crimes de corrupção (activa e passiva), tráfico de influência, branqueamento de capitais e financiamento ilegal de partidos políticos pode ser reaberto, argumentando que "Foi levada a cabo uma cuidada e profunda análise da prova produzida e de diligências encetadas ainda sem resposta, por dependeram da cooperação internacional em matéria penal. Uma vez recebidas e caso determinem a alteração da decisão ora tomada, reabrir-se-ão os autos" (despacho final). Reconhecendo o "interesse na inquirição" do primeiro-ministro, José Sócrates, e do ministro de Estado e da Presidência, Pedro Silva Pereira, adianta que das "respostas eventualmente obtidas não resultariam alterações de fundo aos juízos indiciários, próprios desta fase, que subjazem ao despacho de arquivamento e de acusação deduzidos".
Vem o Procurador-Geral da República anunciar a realização de um inquérito "para o integral esclarecimento de todas as questões de índole processual ou deontológica" que o processo possa suscitar e visando apurar "eventuais anomalias registadas na concretização de actos processuais", mas mantendo a posição de que não vai reabrir a investigação. Explicando também que a data de conclusão do processo (25 de Julho) foi proposta pela dita directora, "aceite pelo vice-procurador-geral da República a 4 de Junho", e que "o prazo podia ser prorrogado" se os procuradores ou Cândida Almeida o requeressem. "Não requereram a prorrogação porque não quiseram". "Os magistrados titulares do processo [Paes Faria e Vítor Magalhães] procederam à investigação, com completa autonomia, inquirindo as pessoas que julgaram necessárias e realizaram todas as diligências que tiveram por oportunas". Sobre as 27 perguntas elencadas pelos procuradores para fazer ao primeiro-ministro, Pinto Monteiro responde: "os investigadores dispuseram quase de seis anos para ouvir o primeiro-ministro e os procuradores titulares um ano e nove meses. Se não o ouviram, é porque entenderam não ser necessário".
A dois anos de terminar o mandato, Pinto Monteiro vê-se no centro de uma polémica que evidencia um Ministério Público que vive num clima de guerra, equívocos e aparente decadência. Clima que pode agudizar-se se o inquérito terminar com penas disciplinas para os investigadores, em face da deslealdade que representa para a hierarquia terem arquivado o processo sem lhe perguntar se, perante as perguntas que queriam colocar ao primeiro-ministro, se mantinha a data de 25 de Julho para o fim do inquérito, determinada pelo vice-PGR.
O bastonário da Ordem dos advogados tece duras criticas aos magistrados que conduziram o inquérito e diz que o episódio revela uma "indignidade inominável", Marinho Pinto entende que "o facto de os procuradores trazerem a público as perguntas que queriam fazer a Sócrates demonstra desrespeito pelo PGR", e considera que, nesta "crise", o PGR "merece a solidariedade do Estado e ver os seus poderes reforçados", e vai dizendo que, "bem ou mal, é preciso despolitizar e despartidarizar" esta magistratura.
Não sabemos o estado de espírito de Pinto Monteiro, mas conhecemos o nosso, e inclinamo-nos a pensar que no Direito cada vez se faz menos e pior Justiça. Por isso somos assolados por uma enorme preocupação e tristeza.
A Justiça veste de negro, mas isso não justifica que o povo esteja de luto!