Quando oiço falar do desgaste e do esgotamento a que arguidos em certos casos estão sujeitos, como se fosse de pôr em causa a sua sanidade mental, lembro-me de O ATAQUE AOS TRIBUNAIS PELOS PSIQUIATRAS PORTUGUESES DE OITOCENTOS, de Manuel Curado. Sobre a luta entre a Medicina e o Direito para a definição de loucura: alienação mental, responsabilidade civil e criminal dos indivíduos alegadamente enfermos mentais e a liberdade pessoal frente à natureza biológica representada pela enfermidade. Doutras épocas, a ler, ainda, A Consciência e o Livre Arbítrio, de Bombarda, e Júlio de Matos, Os Alienados nos Tribunais. Os intelectuais do séc. XIX eram os Filósofos da Cidade. Aregimentavam-se em ordens que combatiam entre si pelo prémio da influência sobre as pessoas e as sociedades. O seu único defeito foi o de serem vozes mercenárias e não vozes livres. Era difícil ouvir uma voz única por trás da voz política do Clérigo, do Magistrado, do Jurista ou do Médico Psiquiatra. Essas vozes mercenárias tinham um encanto perene: eram o canto do cisne da crença que os intelectuais possuiam a força suficiente para mudar o mundo e a natureza humana. Desde então, deixou de se escrever páginas entusiasmadas porque já ninguém acredita que as ideias façam alguma diferença no mundo. Este é um sinal de grande sabedoria das pessoas que não são intelectuais. Elas perceberam que as ideias dos intelectuais são muitas vezes destruidoras, violentas, erradas e pérfidas, tudo isto debaixo da capa de mitos muito queridos como o da Superioridade da Inteligência Humana na Ordem Natural e o da Liberdade de Expressão Intelectual. Uma boa parte dos horrores do séc. XX tiveram um primeiro episódio intelectual em disciplinas pseudo-científicas, como a da Degenerescência, a da Higiene Rácica, a do Eugenismo, a do Darwinismo Social, a da Antropologia Criminal e boa parte da Psiquiatria Forense. O ciclo da influência dos intelectuais Oitocentistas só terminou em 1945, com a derrota dos estados do Eixo.
Casos de tribunal célebres, em Portugal, foram: o caso do Alferes Marinho da Cruz (final da década de oitenta, do século XIX); o caso Rosa Calmon (filha do cônsul brasileiro no Porto, motivou mesmo em 1901 uma grande agitação antijesuítica em Setúbal, em que foram mortos dois populares na Avenida Luísa Todi); o caso Josefa Greno, uma pintora de flores que alegadamente assassinou o seu marido (início do século XX); o caso do Tenente Aparício Rebelo dos Santos que, nas vésperas da República, assassinou a tiros de revólver Browning o psiquiatra Miguel Bombarda; e o caso do divórcio polémico (anos vinte) entre Alfredo da Cunha e Maria Adelaide Coelho da Cunha. Foram casos célebres que inflamaram a opinião pública e sobre os quais se pronunciaram sobre o aspecto mais sensível da luta entre os magistrados e os médicos: a questão da inimputabilidade criminal por razões de anomalia psíquica.
Casos de tribunal célebres, em Portugal, foram: o caso do Alferes Marinho da Cruz (final da década de oitenta, do século XIX); o caso Rosa Calmon (filha do cônsul brasileiro no Porto, motivou mesmo em 1901 uma grande agitação antijesuítica em Setúbal, em que foram mortos dois populares na Avenida Luísa Todi); o caso Josefa Greno, uma pintora de flores que alegadamente assassinou o seu marido (início do século XX); o caso do Tenente Aparício Rebelo dos Santos que, nas vésperas da República, assassinou a tiros de revólver Browning o psiquiatra Miguel Bombarda; e o caso do divórcio polémico (anos vinte) entre Alfredo da Cunha e Maria Adelaide Coelho da Cunha. Foram casos célebres que inflamaram a opinião pública e sobre os quais se pronunciaram sobre o aspecto mais sensível da luta entre os magistrados e os médicos: a questão da inimputabilidade criminal por razões de anomalia psíquica.
O olhar do Direito e o da Medicina Psiquiátrica continuam o projecto da transparência dos seres humanos ao inquérito de grupos sociais que os querem dominar. Os magistrados e os alienistas desenvolveram as práticas que os padres dos séculos XVII e XVIII desenvolviam nas freguesias, quando ali assentavam pé para estudarem comportamentos anormais, escrevendo depois as notas nos Livros de Devassas. A observação dos alienados, dos criminosos e das pessoas normais é a continuação da agenda inquisitorial do clero. Os clérigos, os magistrados e os médicos psiquiatras irmanam-se na aversão aos conceitos de privacidade e de liberdade. O ideal da Devassa Completa acentuou-se no séc. XIX e está para continuar. Os pareceres médico-legais do séc. XIX levantam problemas que redescobrimos há pouco tempo. Quando fazem o historial do crime e dos seus antecedentes, os psiquiatras constatam que grande parte dos crimes se faz anunciar por sinais prévios que se fossem interpretados pelas famílias, pelos vizinhos próximos e pelas autoridades, os poderiam evitar.
Mas um dos problemas mais fascinantes que atravessam todos os casos de avaliação psiquiátrica da responsabilidade criminal é o da simulação da loucura para evitar as penas. E perde-se muito por não existir quem, nas áreas da Medicina e do Direito, se sente para reflectir e nos oferecer essas reflexões sobre a matéria. Até porque os advogados penalistas se tornam cada vez mais hábeis em explorar aspectos clínicos para defender causas de Direito.