Dia Mundial da Poesia, ontem. No Centro Cultural de Belém leram-se poemas do heterónimo de Fernando Pessoa, Álvaro de Campos. Tudo apresentado e coordenado por José Wallenstein. Declamaram Isabel Alçada, Ministra da Educação, e Gabriela Canavilhas, Ministra da Cultura, António Mega Ferreira, presidente do CCB, a escritora Inês Pedrosa e o filósofo José Gil, entre outros. O poema que marca a primeira fase do decadentismo de Álvaro de Campos, ‘Opiário’, dedicada ao expoente do Modernismo, Mário de Sá Carneiro, ficou por conta do poeta Fernando Pinto. O físico Carlos Fiolhais pautou com uma crítica ao sistema de ensino actual, e, a propósito de ‘O binómio de Newton’, referiu que era “um poema muito pequeno, quase um aforismo, que muito dificilmente poderia ter sido escrito por alguém que tivesse frequentado o ensino português”. Positivismo de Wallenstein que disse ansiar por ver mais ministros presentes nas comemorações de 2011. Canavilhas respondeu que “já esteve mais longe”. Maria Cavaco Silva entretanto, concretizou o seu "sonho pessoal" de "abrir as portas do Palácio de Belém à poesia", e ali estiveram uma centena de poetas, escritores, músicos e outras figuras da cultura. Destaque para a presença de Lara Li, Ruy de Carvalho, Eunice Muñoz, Katia Guerreiro, Nuno Júdice, Valter Hugo Mãe, Mário Pacheco, Vítor de Sousa, Ana Sofia Varela, Ricardo Ribeiro, Vasco Graça Moura, Alice Vieira e Simone de Oliveira.
Amigos pessoais trocámos poemas e deixo-vos um enviado pelo meu amigo António Passo.
"Objecto da Poesia Sobre os dias e as noites do tempo ocioso tempo pobre e vago tempo pobre e gasto Sobre os dias e as noites do tempo repleto em que cada hora se afirma e confirma e gera a certeza da hora futura Sobre os possíveis impossíveis sonhos da minha vida de vinte e sete anos convencionalmente dividida em infância mocidade maioridade Infância fingida Mocidade Falida (Noitadas loucuras Namoradas - Nada Mocidade falida) Idade madura com calvície e miocardite prematura e um correcto solene respeito cinzento cinzento chumbo Sobre tudo o que não foi mas que podia ter sido se a vida tivesse querido Sobre as felizes imarcescíveis ilhas tranquilas da nossa intimidade Sobre os meus próprios estimáveis gostos cama certa sono certo prazer certo Sobre as fugazes construções egocêntricas construídas derrubadas construídas Sobre as palavras pesadas medidas seleccionadas e os contraditórios actos submissos desprezados Sobre as análises insones Fantasmas ressuscitados debaixo do travesseiro Sobre as esperanças perdidas Sobre as vãs desilusões As ambições desmedidas E as humildes ambições Sobre aquele que se queixa da vida, desempregado E sobre a vez em que fomos livres como desejamos Sobre as promessas cumpridas e as outras que não cumpri nem eu sei se desejei poder ao certo cumprir Sobre os invernos de fome Sobre as misérias vulgares E as minhas secas ideias de Justiça universal Sobre a cinza Sobre o tédio Sobre o que não tem remédio Sobre tudo o que não foi mas que podia ter sido se a vida tivesse querido Sobre toda a humana condição desça, Poesia, o teu perdão!" Raul de Carvalho in As Sombras e as Vozes (1949)
Fica combinado que falo em breve sobre Raul de Carvalho.