Vicente Jorge Silva pergunta se faz falta um Sarkozy ao PSD. Acompanhemo-lo. Goste-se ou não se goste de Sarkozy, ninguém negará que é obvio o seu poder de atracção e fascínio sobre o povo francês. Duvida-se da "consistência da personagem" e indiciamo-lo por teatro, marketing, inteligência política. Referem-se (in)qualidades: egocentrismo, megalomania napoleónica, cinismo e o desprezo com que (des)trata amigos, adeptos e adversários políticos - todos, por igual, como disse um dia na AR ao saudoso João Amaral. Sarkozy fez a ruptura com a sua família política de origem e rompeu com a herança do seu antecessor, Jacques Chirac, afirmando-se de modo triunfante e cativante para o eleitorado francês. Sarkozy é um hiperactivo, viciado em trabalho, que intervém em todos os domínios da vida política e mantém um controlo absoluto sobra a sua agenda política. Fala-se já na sombra de Luis XIV, pelo absolutismo, solidão no poder, e pelo deslumbramento com a sua luz. E fala-se também do seu apelo de proximidade familiar, de afectividade, de voluntarismo. Há quem diga que aquela insustentável leveza do ser o fará cair, a curto prazo, na realidade. E há quem diga que a sua exposição frontal e vertiginosa, a todo o tipo de riscos, quebrará com o imobilismo francês. Sarkozy sai da separação clássica da direita e da esquerda. É de direita, mas a renovação da esquerda depende dos seus passos e atitudes. Ele marca a dinâmica da oposição. Sarkozy foge a catalogações imediatistas e simplistas. Mas ninguém lhe fica indiferente. Imprevisibilidade é uma palavra que lhe cai que nem uma luva. «Digo o que farei e farei o que digo». E com ele a tradição já não é o que era. Só no país como a França, que, apesar de ter sofrido um declínio, ainda é uma das grandes potências do mundo, "a imprevisibilidade, o talento de surpreender, chocar e dar a volta ao guião pré-estabelecido do que deve ser uma postura presidencial", se pode revelar não um handicap mas um trunfo do ‘efeito Sarkozy’. Goste-se ou não se goste, é por causa de tudo isto e apesar de tudo isto que o seu carisma e a sua marca de liderança ganharam o respeito de aliados e de adversários. Quanto mais se afasta das normas, e até quando choca "pelo oportunismo e a demagogia", mais aumenta a sua capacidade de atracção. Poderá ser perigoso – sobretudo quando a irresponsabilidade vai além dos limites da sensatez e evidencia uma tentação indomável pelo uso e abuso do poder, mas os franceses já não suportavam a retórica do imobilismo e a impotência política. Antes um demagogo inspirado do que "um gestor político cinzento". E acham que essa marca pode até ser providencial para mudar o país. Mesmo que se entenda que um demagogo não é nem deveria ser um bom modelo, o que fez avançar a demagogia sobre a democracia foi o tédio, "a previsibilidade, o cinzentismo dos que pretendem disputar os lugares de liderança democrática". Um líder carismático, ainda bem que VJS assim o entende, "não é uma personagem lisa, que esconde os contrastes e contradições da sua personalidade e se deixa aprisionar pelas meias-tintas tácticas de um discurso sem alma. Um líder tem história, tem histórias, uma espessura romanesca – como em Portugal só tiveram verdadeiramente, nestas últimas décadas de democracia, Mário Soares e Sá Carneiro." Sarkozy tem-nas. A afectividade e o carisma das lideranças políticas foram a chave para a sua aceitação e credibilidade. Tornaram-no n'A MÁQUINA.
O PSD está muito próximo da hora da verdade. O que faz falta ao PSD são homens com história. De facto, o partido fez-se com homens "que desconhecem a rugosidade dos acidentes do destino e o apelo de uma dimensão ‘bigger than life’", gente adaptada, perfilada, conformada com as exigências da máquina partidária. Uma máquina que peca por demasia de seguidismo. Candidatos em transição. Ao contrário de Sarkozy, ninguém no PSD, entendo eu, contém aquela marca registada "de um encontro com o destino." Provavelmente, Portugal não aceitaria um Sarkozy, e, muito menos, uma Carla Bruni. Talvez o velho perfil cinzento ainda se faça sentir e esteja para ficar. Mas, o golpe de asa, o rasgo, a marca humana de imperfeição, o risco por fazer, o atrevimento em ir contra, um dia há-de separar as águas. E marcar a diferença!