domingo, 27 de fevereiro de 2011

"A ROSA DO ENCOBERTO"

Fernando Pessoa, Mensagem
Primeira Parte
"Brasão
Bellum sine bello
I
Os Campos
Canto Quinto O Encoberto
Que símbolo fecundo
Vem na aurora ansiosa?
Na Cruz Morta do Mundo
A Vida, que é a Rosa.
Que símbolo divino
Traz o dia já visto?
Na Cruz, que é o Destino,
A Rosa, que é o Cristo.
Que símbolo final
Mostra o sol já desperto?
Na Cruz morta e fatal
A Rosa do Encoberto. "

"IRMÃO, IRMÃOS" de CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Não resisto a partilhar convosco um poema quase desconhecido.
"Irmão, Irmãos Cada irmão é diferente. Sozinho acoplado a outros sozinhos.
A linguagem sobe escadas, do mais moço, ao mais velho e seu castelo de importância.
A linguagem desce escadas, do mais velho ao mísero caçula.
São seis ou são seiscentas distâncias que se cruzam, se dilatam no gesto, no calar, no pensamento? Que léguas de um a outro irmão.
Entretanto, o campo aberto, os mesmos copos, o mesmo vinhático das camas iguais.
A casa é a mesma. Igual, vista por olhos diferentes?
São estranhos próximos, atentos à área de domínio, indevassáveis.
Guardar o seu segredo, sua alma, seus objectos de toalete. Ninguém ouse indevida cópia de outra vida. Ser irmão é ser o quê? Uma presença a decifrar mais tarde, com saudade?
Com saudade de quê? De uma pueril vontade de ser irmão futuro, antigo e sempre? "
Carlos Drummond de Andrade, in 'Boitempo'

sábado, 26 de fevereiro de 2011

COMBATE À POBREZA E À EXCLUSÃO SOCIAL


Será que em Portugal existe (ou não) uma estreita relação entre pobreza e desigualdade? A “pobreza representa uma forma de exclusão social, ou seja, que não existe pobreza sem exclusão social. O contrário, porém, não é válido. Com efeito, existem formas de exclusão social que não implicam pobreza”. O exemplo mais clássico sobre esta distinção revela-se no caso do isolamento social a que os idosos são confrontados na maior parte das sociedades ocidentais capitalistas. Este isolamento não resulta necessariamente da pobreza, mas da estrutura organizativa deste tipo de sociedades, que desvalorizam o estatuto e o papel social da pessoa idosa. É importante compreender como se identifica a situação de pobreza. Os critérios estatísticos usados nos indicadores pelas organizações internacionais, nomeadamente o Eurostat, fixam uma linha diferenciadora: 60% do rendimento mediano (nacional) por adulto equivalente. Quem está abaixo desta linha é considerado pobre. Mas, dentro desta população, que se encontra em risco de pobreza, deparam-se situações muito díspares no que respeita à severidade da pobreza, ou seja, não é de todo (muito longe disso) um grupo populacional homogéneo.
Por outro lado, existe uma correspondência entre pobreza e o tipo de agregado familiar, e também aqui os dados apontam para uma polarização: “de um modo geral, identifica-se maior vulnerabilidade dos agregados isolados (uma pessoa) e dos agregados de maior dimensão”. Sendo que na primeira situação o problema é particularmente grave no caso dos idosos isolados e, na segunda, em famílias que detenham três ou mais filhos. Para além destas, saliente-se a situação das famílias monoparentais.
As condições de habitabilidade são outro vector da equação. São os “sempre pobres” que passam pela situação mais dramática, em relação a infra-estruturas de saneamento, mas noutros itens esta desvantagem não é tão acentuada face aos “não pobres”, designadamente, na posse de aquecimento adequado da casa (que é genericamente insuficiente). “Esta circunstância parece indicar que as privações assinaladas não têm a ver apenas com a pobreza, mas configuram deficiências estruturais da sociedade portuguesa”.
A via das políticas sociais é claramente insuficiente. Urge pensar-se em políticas económicas que, em paralelo com as políticas redistributivas, possam quebrar o ciclo persistente da vulnerabilidade e da exclusão social.
Perante esta realidade, a luta contra a pobreza e pela solidariedade global não pode ser travada sem constatarmos que, independentemente dos avanços civilizacionais no desenvolvimento social e humano, a pobreza, a exclusão e as desigualdades sociais agravaram-se em todo o mundo nos últimos 50 anos. Neste contexto, combater a pobreza e a exclusão social implica analisar este fenómeno complexo e multidimensional tendo em consideração as principais causas que levaram à actual crise económica, financeira e social. Nessa perspectiva, é preciso reconhecer que a utilização de padrões económicos baseados no ganho fácil e sem uma orientação clara e ética da economia para as pessoas, conduziu-nos a esta grande disparidade entre ricos e pobres e a um cenário em que as gerações vindouras estão confrontadas pela primeira vez, com condições de subsistência não experimentadas por gerações anteriores.
Em vez do princípio da transparência e da verdade, os agentes económicos e políticos preferiram optar por um comportamento aparente e ilusório de uma pretensa saúde económica e social, mas que escondia, na verdade, uma realidade de doença crónica. Esta cedência à aparência e à ilusão, acabou não por servir o combate à pobreza, à exclusão e às desigualdades sociais, mas por servir os prémios de gestão e por fomentar a redistribuição injusta do rendimento disponível. A redistribuição injusta do rendimento tem como consequência inevitável o agravamento das desigualdades sociais e da coesão económica e social.
O grande e grave problema desta actual crise económica e financeira é ter permitido, em termos globais, que as sociedades se endividassem para consumir, um consumo materializado por via do crédito fácil e impositivo de enormes sacrifícios para as actuais e para as gerações vindouras. Esta globalização (mercantil e não humana) agravou as desigualdades sociais, por ter sido orientada, até agora, numa perspectiva agressiva de mercado, que tende a esquecer a pessoa como destinatária ou centro principal do progresso económico e social.
Como bem diz Guilherme de Oliveira Martins, não nos podemos distrair, um minuto que seja, no combate contra a pobreza e à exclusão social, se não quisermos que o fenómeno se agrave a cada dia que passa.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

NOVAS MANEIRAS DE FAZER POLÍTICA OU A VONTADE DE NÃO A FAZER SEQUER

Desde que comecei a tentar perceber o que era "fazer militância política", e foi-o muito recentemente, tenho experimentado os antípodas dos sentimentos. Quase que me apetece recorrer ao conceito de Civic Hacking que, em síntese, estimula acções de participação política da comunidade web, de modo a dar expressão da população via rede. Em outras palavras, "faz uso estratégico da rede para fortalecer o poder político da sociedade.". Civic Hacking é mais que um termo, é uma alternativa, uma táctica que se insere na e-democracia. Esta dita táctica podia controlar o chorrilho de asneiras com que somos literalmente torturados dia a dia. Ou melhor, só veria tal espectáculo quem a isso se predispusesse!
Quando Pedro Passos Coelho apareceu – tal qual se aguardava por El-Rei Dom Sebastião – entre o cinzentismo politiqueiro e o anúncio da crise, fui das primeiras pessoas – e ainda Manuela Ferreira Leite afirmava que PPC nunca seria lider do PSD – a admitir que poderíamos estar perante um rival à altura de José Sócrates. E como acredito que a Democracia e os governos se fortalecem com oposições competentes, senti uma ténue esperança.

Valha-nos Nossa Senhora! Não podia estar mais enganada! O homem passou de besta a bestial umas quantas vezes na sua vida! Mas parece que desta se fixou numa das referências! Ora bem..., o homem foi pisado e repisado pelo seu próprio partido. Até os que deram a ordem para a sua morte política lavaram as mãos como Pôncio Pilatos, e consagraram-lhe a Santa Bajulação. O homem é o produto de um dos maiores mentores da política nacional (Ângelo Correia) e sai-se um desperdício de aluno que não chega aos pés de qualquer barão do PSD, nem sequer ao "seu" . O homem, entretanto, até tirou uma licenciatura, como um bónus de inteligência. Raios o partam, tanta gente jurou a pés juntos que voltara El-Rei Dom Sebastião. E até eu lhe reconheci vocação e treino para a coisa quando ainda todos os meus amigos, incluindo toda a família - que é PSD. Em suma, achava-se que o homem anunciava-se como o prenúncio de uma renovada forma de fazer política. Com todas as condições para vir a ser o Alberto João do Continente. (Enfim, no tanto se isso pode levar a concluir ....!)
Contudo ....

Constato que, até agora, que já não somente líder da oposição, mas sim um suposto candidato a Primeiro-Ministro, continua a não se opôr a coisa de nenhuma, a nada de nada. A cada medida que o Governo apresentou, em tempo de pré-crise, teve sempre cinco caminhos: recusava, porque achava inadmissível; negociava, para obrigar o Governo a discuti-la e forçá-lo a revê-la de acordo com as suas exigências; armava confusão (os laranjas apelam à confusão, valendo-se de um nevoeiro informativo que vai servindo de filtro ao pretendido); aceitava (o PSD anuncia que, por força do interesse nacional, se vê forçado a concordar) com a medida do Governo; envergonhava-se (o PSD penitenciava-se e pede perdão ao País).
Assim, se o eleitorado se prepara (com a velocidade das sondagens talvez esteja a preparar-se com demasiada independência) parece estar em vias de punir o PS, porque “governou”, seja por causa das Scut e dos chips nas matrículas até à questão FMI, e a levantar ao púlpito, atendendo aos malabarismos políticos que o movem, já o PSD nos foi presenteando com o apoio esporádico e previsível ao Governo em muitas matérias, revelando que há fogo que não passa de fumo! O povo nomeou Sócrates como bode expiatório por todas as calamidades públicas (ora porque chove no Verão ora porque faz sol no Inverno). Passos Coelho, o anjo que legitima, apoia e compreende todos os desastres políticos supostamente provocados pelo Governo, assumia-se, finalmente, como um herói popular.
Tenho andado a pensar na explicação para tais fenómenos, desta mania do povo para castigar quem faz alguma coisa e de premiar quem nada faz, e, lamentavelmente, mas nem a minha educação dominicana-jesuíta consegue que se faça luz para esta propensão para o sofrimento, a dor e a penitência e a repetição de erros.
Nem chego a perceber se Passos Coelho toca mais ao coração ou à carteira dos cidadãos, nem sei se seduz os ricos ou os pobres, mas estou convencida que, seja pelo que for, designadamente pela tal propensão para a lástima (tipo fado, tipo saudade), se o homem vence esta coisa, ainda desata a agradecer ao País, mas, logo de seguida, a pedir desculpas a Sócrates (que não queria dar-lhe dores de cabeça e desgostos afectivo-políticos - ou tirar-lhe, dirão alguns), a armar uma grande birra, bater com as mãos na cabeça (porque não merecia, que é uma honra em demasia) dar um chilique, e, enfim, e por fim, oferecer de bandeja, de novo, a governação a Sócrates. Sugiro que, a exemplo, de um seu colega de partido já dinossauro na política, caso os portugueses endoideçam de vez e o empurrem para a cadeira de primeiro-ministro, peça desculpa ao povo, incluindo a Sócrates, e nos recompense a todos uma torradeirazinha ou um frigorificozinho. Que assim temos assegurado, no seu mandato, pãozinho quente e um leitinho fresco.
Mas o que o pobre coitado não quer mesmo é que fique conhecido como o mentor de uma nova forma de fazer política: evitar o poder a qualquer custo. Pelo que cabe perguntar: a nova forma de fazer política ainda será política ou já entra na pura fraude?
Inspiração no artigo de Alberto Gonçalves do DN Opinião, adicionados com uns cheirinho de sua graça aqui da pequena.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Vantagens e desvantagens de se ser politicamente correcto

Se há coisa com que a Democracia nos abona diariamente é com a aprendizagem do exercício de se ser "politicamente correcto". Compreende-se que haja uma certa retracção na linguagem pelos que detém cargos públicos, já que a função em si se sobrepõe à pessoa em si, já não compreendo tão bem que se seja politicamente correcto para ficar bem visto e entrar na elite de um partido ou da política para se encaixar no "perfil" - coisa que serve para nomear e exonerar discricionariamente alguém num cargo público - dos escolhidos para o poder. Claro que já falo em "perfil" para não falar em "cunha", tal como falo em "cargo" para não falar em "tacho", o que significa que, mesmo sem ter consciência disso, já estou a ser politicamente correcta. Embora francamente julgue que não tenho o "perfil" e confesso que não estou minimamente interessada em "tachos".
Se, antes das actuais contenções orçamentais sobre promoções, quem fosse politicamente incorrecto pagava o preço de uma carreira em que não passava da “cepa torta”, fora os casos dos que eram estrategicamente "emprateleirados", hoje qualquer aleivosia mais ou menos atrevida que caia mal às chefias justifica a mobilidade “especial”, e com algum talento jurídico politicamente sufragado, até o despedimento.
Portanto, fica a saber-se que, por conveniência, qualquer um, que, a qualquer título contratual, mantenha uma ligação com o Estado, deve preparar-se para - engolir sapos, tomar chá de camomila ou um vallium 10 - ser politicamente correcto. Razão pela qual muitas pessoas de reconhecido mérito se afastam da política. E, dado que tenho mau feitio e pouca predisposição para engolir sapos - a não ser pernas de rã fritas - e não estou para me enfrascar em litros de chá - até porque normalmente tenho chá suficiente porque o tomei em pequenina em doses substanciais, - e, muito menos, sou dada a antidepressivos e calmantes - até porque nunca me apetece estar "calma" quando a isso me obrigam, aqui vão algumas notas.
Vale a pena lembrar que a linguagem politicamente correcta surgiu nos Estados Unidos, berço da Democracia, mas com uma longa tradição de preconceitos: entre o país de Thomas Jefferson existiu também o país da Ku Klux Klan. Um negro era um nig.ger, um judeu, um ki.ke...
Com o “Politicamente Correcto” pretendia-se erradicar expressões pejorativas, discriminatórias, sexistas e racistas, substituindo-as por um discurso único, consensual, apaziguador de conflitos sociais. Recorre-se então a eufemismos: “pessoa de cor” refere-se a “pessoas de raça negra” ou a “negros”. Os americanos usam o famoso termo “afro-americano”.
Mas o problema é que o politicamente correcto criou terminologias artificiais e ridículas que, com o uso, adquiriram novas conotações negativas e tiveram de ser reformuladas com outros readaptados eufemismos. Ao fim e ao cabo, tudo não passa de um exercício de cosmética linguística.
Alguns exercícios eufemísticos ficaram registados: não se diz “trabalhadores”, mas sim “trabalhadoras e trabalhadores” (o feminino sempre em primeiro lugar!), para fazer passar uma mensagem defensora da igualdade de género - apesar de, para mim, ter o efeito contrário, já que a gramática portuguesa contempla o plural masculino para agregar um grupo com por pessoas de ambos os sexos - .
Em tempos de intervenção armada, não se fala em guerra, mas em libertação, muito menos em invasão.
No contexto laboral , a expressão promoção horizontal significa que foram alteradas as funções do trabalhador, mas que este não sobe na hierarquia. Isto sem falar no sentido vulgar que se dá à expressão "subir na horizontal".
Em economia, fala-se em crescimento negativo e não em crise.
A uma pessoa casada com actividade sexual paralela chama-se adúltero.
Uma pessoa verticalmente desfavorecida (“vertically chanllenged”) é alguém de baixa estatura; horizontalmente desfavorecida, se não obedecer aos padrões de elegância exigíveis. Cerebralmente desfavorecido ….e por aí diante.
Ora, por não se tolerarem os golpes de asa dos politicamente incorrectos continuamos vergados ao cinzentismo, ao conformismo, aos yes-man, e segue-se o rodopio de cadeiras em que as personagens são as mesmas e só trocam as pastas (do género pataca a mim pataca a ti).
Nos tempos em que exerci funções em gabinetes ministeriais, era certo e sabido que, quando a asneira era grossa, só restava uma saída politicamente correcta: a do pontapé para cima. Era-se promovido de chefe a director, de adjunto a chefe de gabinete, de Secretário de Estado a Ministro, sem esquecer o último reduto de muitos dos indesejáveis: Bruxelas.
Nunca me esqueço de uma experiência pessoal. Estava como adjunta de um alto cargo dirigente e assisti às reuniões em que se escolhiam as chefias. À volta de uma mesa de chefias, discutia-se quem se escolheria para ser promovido a chefe. Veio à baila um nome de um colega reconhecidamente competente e com um excelente desempenho, e logo se indignou um dos dinossauros-chefes e sai-se com este: “Esse? Nem pensar. Esse tipo trabalha bem. Já “x” é melhor para ”coordenar”!” E o dito lá foi politicamente correcto nomeado num abrir e fechar de olhos!
Ora, convenço-me que não há revolução que chegue para alterar o status quo vigente em muitos serviços e organismos do Estado (ou seja, a mentalidade de quem o corporiza) e que poucos ousam dar-se ao luxo de criticar, já que as chefias não apreciam, em regra, o arrojo, e vêem com olhos suspeitos quem tem novas ideias e sugere alterações ou inovações e as novas mentalidades!
Será essa meritosa falta de capacidade para inovar que justifica a nomeação de políticos na casa dos sessenta, que, apesar de terem feito figuras tristes nos cargos públicos, são, abrupta e inacreditavelmente (creio que até os próprios se surpreendem com tanta injustificada generosidade) promovidos para outro, ainda mais pomposo, "digno" e "gratificante", como se tivessem feito uma lipoaspiração cerebral e lhes tivesse sido retirada toda a massa encefálica que estava “menos bem” (expressão, de resto, politicamente correcta).
Por muito que queira ser politicamente correcta - e, por acaso (ou não), nunca o fui e muito menos pretendo agora começar a sê-lo - só me lembro de dizer: Em “politicamente correcto”: Que teimosia! Que impróprio! Que desadequado!”. E em “politicamente incorrecto": “Larguem esse velho osso e deixem essa besta (ou asno se for mais light) ir à vida! Raios partam!”