sexta-feira, 29 de outubro de 2010

UM ORÇAMENTO QUE “É” PORTUGAL


"Não coloco nenhuma outra hipótese que não seja ter um Orçamento e uma negociação que possa conduzir a um acordo sobre o Orçamento do Estado", disse o primeiro-ministro em Bruxelas, garantindo que "o Governo não deixará de fazer tudo ao seu alcance para tentar um acordo que viabilize o Orçamento do Estado" para 2011, e tentando afastar, desta forma, a pressão sentida pelos parceiros europeus, já que a questão do Orçamento nem sequer foi referida no Conselho Europeu. Reforçou a ideia de que "Portugal não pode falhar neste momento" e que "termos ou não termos Orçamento não é indiferente para o futuro do País", acrescentando que não aceita que ninguém venha resolver os nossos problemas por nós. E antecipou que o Conselho de Estado "vai emitir a opinião da maioria dos portugueses" que é a de que "o País precisa de um Orçamento". Embora perceba que "Ninguém está disponível para partilhar a responsabilidade dom o Governo e o PS. Eu entendo isso, mas estamos numa altura em que é preciso pôr as questões partidárias de lado".
Passos Coelho admite que o PSD “deixou a porta aberta" para que ainda fosse possível "chegar a um acordo” sobre a viabilização do OE. Parece que, no encontro a sós que teve com o PM, em Setembro, terá percebido que seriam necessárias medidas adicionais para conseguir atingir a meta estabelecida para o défice este ano: "Foi aí que percebemos que dificilmente conseguiríamos um resultado de 7,3% sem outras medidas". E que o impasse se deve às condições impostas ao Governo para a aprovação do OE, afirmando que foi necessário ajustá-las para "criar condições realistas" que o Executivo pudesse cumprir.
O conselheiro de Estado Almeida Santos lembra que "os poderes do presidente não são ilimitados" e que Cavaco "não pode pôr um sim onde um líder político puser um não" e que as palavras do Presidente "vão ser ouvidas", no pressuposto que o PR tem desde a primeira hora defendido o entendimento entre Sócrates e Passos, chegando a dizer que não lhe passava pela cabeça que Portugal fique sem orçamento. E tudo leva a crer que será com base neste ideia que a maioria dos conselheiros irá falar, já que todos partilham de um ponto de vista comum: "O Orçamento é mau, mas é necessário". Ramalho Eanes reiterou-o ontem e António Capucho fez o mesmo. Jorge Sampaio fez notar esta necessidade e já criticou a imagem que PS e PSD têm dado do país. Soares defende que o orçamento é "bastante mau", mas que é decisivo para que não "nos cortem o crédito". Do PS, Sócrates ouvirá o mesmo discurso, já que estará presente na reunião em Belém, em que se deduz que apelará ao "sentido de responsabilidade" dos dirigentes políticos.
Que venha o Orçamento porque, sem ele, o País pode ser atingido por tais repercussões que até a ideia de Nação – tal como a concebemos do ponto de vista social, cultural, político, histórico e filosófico – pode perder-se no nevoeiro, como El-Rei Dom Sebastião. Portugal não pode sentir-se com a dimensão de Alcácer Quibir.
Haja sentido de nacionalidade, pelo menos.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

O DISCURSO DE CAVACO - QUESTÕES DE PORMENOR – OU NÃO?


O que ficámos a saber sobre Cavaco Silva e o que temos de questionar sobre os “outros”, após o discurso de ontem (da recandidatura) de Cavaco Silva.
Que é casado e tem família. Os outros são solteiros, viúvos ou divorciados? E se fossem, isso importava-nos?!
Que não vai usar outdoors e vai gastar metade das verbas legais permitidas. Os outros também já anunciaram contenção!
Que “conhece os problemas” do País. Todos nós também!
Que “conhece interlocutores nacionais e internacionais” o que beneficia a “imagem e credibilidade do País”. Depende dos interlocutores e da imagem!
Que é O chefe superior das forças armadas capaz de governar as zonas actuais de conflito em 3 continentes Presidente. Os outros iriam “desgoverná-las”?
Que vai “assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas”, ser “um arbitro independente” e que oferece “responsabilidade” e “credibilidade” em caso de crise grave. A julgar pelo que fez até agora: por acção ou por omissão?
Que tem bom senso, realismo, ponderação, discrição e reserva, que faz uma leitura séria e responsável dos seus poderes e que tem uma conduta exemplar, de rigor e transparência. E os outros, não, a contrario sensu?!
Que analisa e fiscaliza os diplomas legislativos e acompanha actuação do executivo, e que possui sentido de dedicação ao trabalho. Já que tudo isto faz parte das competências do Presidente, porque não hão-de os outros fazer o mesmo?
Que exerce uma magistratura activa que favorece o emprego e coesão social, promove a união de esforços para a economia, contribui para a eficiência e credibilidade na justiça, incrementa a qualidade do ensino, cuidará para que sejam ministrados cuidados de saúde de qualidade, velará da projecção da língua portuguesa. O que fica de fora para fazer o Governo?
Que continuará a falar verdade. Os outros mentem?
Que “os portugueses sabem distinguir os que falam verdade dos que semeiam ilusões e utopias”. Referir-se-á a Saramago?
Que vai apoiar as instituições de solidariedade social. Doando um dízimo do seu vencimento? Porque poderes para isso não constam da sua “carta” (constitucional).
Que agirá em nome dos jovens e idosos, dos que não têm emprego e dos que moram na interioridade. Desde que estes lhe passem procuração!
Que é um presidente próximo das populações. Refere-se à população do Palácio de Belém?
Que visitou 200 concelhos e alguns mais do que uma vez. Também qualquer representante de produtos de revenda!
Que transmitirá aos portugueses ânimo e vontade de vencer. E o que andou a fazer até agora? Que veia será esta de transmissão?
Que tem um laço com as comunidades portuguesas no estrangeiro. Nalguns casos tem até um nó!
Que conhece os problemas que se colocam. Todos conhecemos.
Que tem elevado grau de ética. E os outros não? Acaso estamos perante vigaristas?
“Como se encontraria o país sem a observação atenta que fiz?” – vai lá saber-se! Sabemos como ele se encontra, apesar dela! “Que teria acontecido ao país sem os meus avisos?” – é uma incógnita já que se desconhecem os seus avisos, respectivo teor e momento em que foram proferidos.
Que a sua candidatura é pessoal e independente das forças partidárias. Então, para quê tanta reunião nas copulas do PSD e do PP?
Que o seu partido é Portugal. Há candidatos estrangeiros? Que será candidato de todos os portugueses. Os outros também!
Que é um referencial de equilíbrio e estabilidade. E que o é privilegiadamente por inacção! Que age com honestidade, rectidão, seriedade e respeito pela palavra dada. Conhecem-se atitudes contrárias nos outros candidatos?!
Que, a partir de ontem é candidato sem deixar de ser Presidente. Não se duvida! E vai lembra-nos disso todos os dias!
Parece que Cavaco “sente” que tem um dever para com os portugueses, “esse dever chama-se futuro”. Evidente, no passado e no presente já demonstrou como exerce (ou não) esse dever! Falta “cumprir-se” o futuro e é este que está agora à sua frente.
Pois….

domingo, 24 de outubro de 2010

UM ORÇAMENTO COM “TENDÊNCIAS” RELIGIOSAS NUM ESTADO LAICO?

Enquanto co-fundadora da Academia de Estudos Laicos e Republicanos, ao longo deste ano, sobretudo, em seminários e conferências, fui chamada a intervir para comentar factos ligados à história da República. A lei da separação da Igreja e do Estado é um dos temas mais recorrentes. Isto, a propósito da decisão de retirar os benefícios fiscais às minorias religiosas, mantendo os da Igreja Católica, que consta da proposta do Orçamento do Estado, que é, a meu ver, claramente inconstitucional.
A ser aprovado, fica revogado o alargamento dos benefícios concedidos à Igreja e às outras comunidades religiosas, decidido em 2001 no âmbito da Lei da Liberdade Religiosa, mas – vá-se lá compreender isto sendo o Estado português laico – mantém-se para os católicos. A título exemplificativo, a Igreja goza de isenção de IVA desde 1990. Em 2001, esta isenção foi alargada às outras religiões radicadas no País - aplicando o princípio constitucional da não discriminação religiosa. E o OE prevê, no artigo 127.º, a revogação dessa amplitude de direitos feita, repete-se, à luz de um princípio constitucional. Por isso a proposta não pode deixar de ser vista como um atentado ao princípio constitucional da não discriminação religiosa, e daí a sua inconstitucionalidade. A haver redução de benefícios, face à crise, ela deverá atingir de forma idêntica todas as formas de credo, sob pena de parecer revivermos o sindroma da perseguição fiscal às minorias religiosas. Para mais, a inconstitucionalidade decorre, ainda, porque a medida viola a "proibição de retrocesso social".
Os constitucionalistas, que até parecem unânimes nesta questão, aguardam que se corrija a falha, aquando do debate no Parlamento, defendendo inclusive que, caso esta não venha a ser expurgada, a própria constitucionalidade do OE fica posta em causa. Isto porque, a ser pedida uma fiscalização preventiva do documento pelo Presidente da República, Cavaco Silva, depois da aprovação da Assembleia, e o Tribunal Constitucional se pronuncie pela inconstitucionalidade da norma, poderia ser atrasada a entrada em vigor do OE. Ou, noutra eventualidade, depois da entrada em vigor do OE, ser requerer-se a fiscalização sucessiva da norma, pelo provedor de Justiça, deputados ou pelo Presidente, e, nesse caso, se o TC se declarar pela inconstitucionalidade do artigo, a decisão só afecta aquela norma.
Para além de estarem contra a norma os constitucionalistas, estão também contra ela os representantes das minorias religiosas, que a consideram “um recuo absurdo".
Como se não bastasse, a proposta do OE prevê ainda que as instituições de Solidariedade Social (IPSS) percam o direito de deduzir o IVA, o que suscitou já as mais adversas posições, havendo quem diga que a medida pode mesmo levar ao encerramento de várias organizações.
É caso para dizer que, compreendendo que a crise obriga a que se tomem medidas geradoras de receita, num Estado de Direito Democrático, essas medidas só podem ser aceites quando atinjam a universalidade dos destinatários e não quando promovam a discriminação positiva – ou, ainda pior, a selectividade – entre eles. Até porque sendo o Estado laico não deve e, mais longe até, não pode tomar uns por filhos e outros por enteados.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O CORTE SALARIAL DOS FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA “PASSADA”

A questão do corte salarial dos funcionários públicos para além de suscitar acesas discussões sobre a sua justeza levanta, também, algumas quanto à sua constitucionalidade. A este propósito, trouxe-se para a ribalta um acórdão do Tribunal Constitucional de 2002, em que este declarou a inconstitucionalidade de uma diminuição de salários operada por via do Orçamento do Estado, argumentando com a violação do princípio da confiança. O que todos se indagam é se a similitude da situação é tamanha que a decisão possa igualmente valer para a actualidade. Como vulgo se diz em matéria de Direito “a doutrina divide-se.
No dito acórdão (o nº 141/2002) tratava-se de estabelecer limites salariais, assumindo-se como valor de referência o vencimento do Presidente da República, o que acabou por atingir nem meia dúzia de indivíduos - os membros de gabinetes de órgãos de soberania, e, sobretudo, os da Assembleia da República, em que me encontrava em funções por altura da Presidência do Professor Barbosa de Melo, como adjunta do Secretário-Geral, o saudoso Dr. Luís Madureira, de que fui assessora aquando das suas funções como secretário de Estado da Administração Interna, creio que lá por 89/90, e depois adjunta nas ditas funções.
Sabia-se que a decisão tinha subjacente razões meramente políticas, e dizia-se que Cavaco Silva oferecera um presente “envenenado” a Luís Madureira, nomeando-o para um lugar – mais que merecido e que desempenhou com a exemplaridade que lhe era peculiar - mas subtraindo-lhe a remuneração devida e esperada aquando da nomeação. Repare-se que nisso não houvesse qualquer – nem tal nunca foi invocado – interesse público. Mas esse era um tempo em ninguém punha em causa as “regras” do jogo, tal era a dureza conhecida da resposta.
O acórdão é claro quando afirma que não havia um qualquer princípio geral e abstracto que proibisse a diminuição de salários na função pública, mas é também claro quando admite que uma redução salarial possa ter-se por inconstitucional, por atentado ao princípio da confiança.
Hoje carecia de ser feita uma perspectiva casuística tendo como parâmetro o princípio da proporcionalidade, pesando até que ponto o interesse público pode, face à conjuntura actual, justificar a contracção de direitos dos trabalhadores. Dito de outro modo, são essas medidas indispensáveis e, mais, são proporcionais atendendo aos danos dela resultantes?
Muitos, ainda, recusam a ideia de que a Constituição fixe tais limites à liberdade de governação, quando da sua alteração pode resultar a “salvação” do país. Rui Medeiros vem até recordar que, já em 1983, o TC admitiu a retroactividade de um imposto excepcional e, ainda mais recentemente, aceitou a reforma da Segurança Social, acabando com expectativas até aí legitimas e, de novo, admitindo efeitos retroactivos. Outros entendem que a redução de salários é de constitucionalidade duvidosa e rebatem com o desrespeito pelos princípios da protecção da confiança e da intangibilidade da retribuição. No caso votado em 2002, o TC não determinou especificamente qualquer limitação à eficácia, o que obrigou o Estado a devolver as remunerações em falta às pessoas afectadas – infelizmente o Dr. Luís Madureira já falecera e não lhe foi feita justiça.
Note-se que o texto constitucional permite, no artigo 282.°, que seja excluída a retroactividade da decisão por “interesse público de excepcional relevo, que deverá ser fundamentado”, o que significa que, ainda que o TC seja chamado a pronunciar-se e declare a inconstitucionalidade das normas orçamentais de que resultam a redução de salários, não é obrigatório que o dinheiro subtraído (ou retido, para se ser mais soft) aos funcionários públicos seja devolvido. Tudo dependerá do entendimento que o TC faça entre a ponderação dos interesses público e privado.
Uma coisa é certa: hoje, o medo não sustém ninguém de reclamar os seus eventuais créditos seja perante quem for, enquanto que, ao tempo daqueloutra retracção sofrida e sobre que se pronunciou o acórdão de 2002, o medo imperava.
O certo é que, quando a Justiça veio, não veio a tempo de fazer Justiça! E, neste aspecto, ambos os casos podem vir a revelar-se idênticos, pela medida da sua injustiça!

domingo, 17 de outubro de 2010

“SÁ CARNEIRO” – A BIOGRAFIA


Julgo que dificilmente alguém mantém indiferença ante o nome de Sá Carneiro. Creio que nem o PS nem o PSD seriam o que são hoje, nem o destino dos últimos governos teria sido tão fraccionado não fosse a sua morte ter-lhe cortado abruptamente aquela que tinha como uma missão: servir o País.
Volvidas quase três décadas sobre o facto - a 4 de Dezembro de 1980, o jornalista Miguel Pinheiro publica a primeira obra de investigação bibliográfica, intitulada 'Sá Carneiro'.
Valerá sempre a pena saber algo mais sobre a vida de Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro, já que a vida do fundador do Partido Popular Democrático teve todos os ingredientes para ter as qualidades de um romance. E a história acompanha o parto do bebé que "nasceu, com 4 quilos e meio, à 1h da manhã de 19 de Julho de 1934, num dos quartos do n.º 49 da Rua da Picaria", até à sua descida à terra após a explosão de uma bomba na avioneta em que seguia para o Porto, que o jornalista interpreta como atentado afastando a tese do acidente.
E no meio da história o biógrafo segue-lhe o percurso formativo, social, religioso e político, e oferece-nos momentos de intimidade de Sá Carneiro descritos por aqueles que lhe eram próximos e, diria eu, pelos que lhe chegaram adentro da alma, tanto quanto possível, já que quem o terá penetrado na verdadeira essência do ser o acompanhou na morte, Snu.
Das suas qualidades ficam-nos reveladas a sua religiosidade, e a sua preocupação em preparar o espírito com afinco, o seu gosto pelo cinema, os policiais e de guerra, a música de Ray Conniff, de Rosemary Clooney, dos Blue Diamonds e dos Platters. Sabia divertir-se – “mas não em excesso."
Diz-se que "Não era propriamente antipático - cumprimentava toda a gente com um sonoro 'viva!', sorria muito e até se mostrava cordial."
Sobre o modo como viveu, são do próprio as palavras que melhor confessam a sua visão da vida: "Sei que o meu destino é morrer cedo e só concebo a vida se for vivida vertiginosamente."
Uma biografia a ler e a reler.
Um homem que não teve medo de ousar e inovar a forma de ver e de fazer a política, com um ar majestático a lembrar-nos um senador romano, um político carismático, e que viveu a vida "à sua maneira", até quando, por amor, deitou por terra alguns dos seus preceitos de carácter que tomara como certos em criança - assumir o amor por uma mulher fora do casamento e assumindo-o com uma tal naturalidade e frontalidade que o impôs, com incidentes protocolares conhecidos. Que falta nos fazem homens e políticos assim!

sábado, 16 de outubro de 2010

AINDA HÁ TEMPO PARA FEMINISMOS?


A minha recente incursão pelo mundo da política no feminino confirmou-me que aqueles que me habituei a ter como os mais elementares direitos da mulher são hoje ainda uma miragem para muitas mulheres, para as quais. a vida familiar e social ainda radica numa distribuição de papéis que lhes exige a duplicação de papeis e as obriga, ainda que inconscientemente, a optar pelo papel sacrossanto de mãe ou por uma carreira.
Há, naturalmente, ainda muito para mudar, até do ponto de vista legislativo, mas o que me parece mais difícil é atingir o ponto em que as mulheres entendam que são elas as primeiras a ter de mudar, e, a latere, os homens que têm ao lado, e as respectivas famílias. O que representa livrarem-se de alguns handicaps emocionais, provindos de um sentimento de culpa de raiz judaico-cristã e de uma chantagem(zinha) emocional, que as cerca como estivessem prisioneiras do seu próprio estatuto.
São as mulheres que têm de mudar de vida para que se consiga o equilíbrio entre a emergência do feminino e a democratização da política, porque esta cidadania plena se traduz numa «igualdade inédita e subversiva». Exige a tal mudança de paradigma no domínio mais fundamental das relações humanas, o da relação homem-mulher, ao nível das relações pessoais e ao nível das respectivas funções na vida social, cultural e, sobretudo, familiar.
A política traz em si hoje questões novas que exigem uma visão transversal, que ultrapasse a mera óptica economicista do problema, à luz de realidades sociais recentes: falo, sobretudo, da globalização e da interdependência, das movimentações e dos desequilíbrios a nível mundial, e da pobreza. A emergência de uma política no feminino porá em causa a forma e a visão da política tradicional. A plena cidadania feminina pode oferecer à política a revitalização que esta reclama, a passagem de um “poder sobre” para um “poder com” e de um “poder contra” para um “poder para”. E daí à oportunidade de as mulheres humanizarem a função ou o exercício do poder, juntando razão e coração, isto é, aliando «uma racionalidade técnica e operacional sem falhas com um cuidado do outro, sem compromisso nem demissão».
Numa política gasta pelo exercício (esgotado) dos modelos de masculinidade, parece cada vez mais evidente o carácter existencial da cidadania das mulheres, a sua «cidadania múltipla», a que lhes permitirá encontrar «novas palavras e novos métodos», no conselho de Virgínia Woolf. E, não restam dúvidas, que o exercício desta cidadania é imperativo e urgente.
Maria de Lourdes Pintassilgo foi das primeiras a afirmar que «a estratégia da paridade permitirá às mulheres o usufruto pleno da sua cidadania», e que a democracia paritária era uma dimensão essencial da democracia verdadeira, a par do primado da lei ou do princípio da separação de poderes.
Um fenómeno lógico, ao fim e ao cabo, da própria democracia.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

"Fazer filhos": um problema "localizado" na Europa!

Muito interessante um dos últimos artigos do Le Figaro. A questão do declínio demográfico do Velho Continente. Pode dizer-se que, genericamente falando, quase todos os países da Europa registam um número insuficiente de nascimentos (à exceção da França) e todos eles realizaram a transição demográfica (passagem da natalidade natural para a natalidade pós-médica). Mas reconhece-se que, não obstante a Europa se apresente como uma realidade jurídica "personalizada", dificilmente o fenómeno se pode dizer homogéneo na universalidade dos 27. A questão da demografia, associada à taxa de natalidade, continua a ser uma questão especifica, com particularidades nos contextos nacionais, sobretudo por causa das diferenças culturais intrínsecas a cada país.
Vejamos o caso da Alemanha. Parece não se libertar do trauma nazi. Vejamos, igualmente, a Inglaterra. Ambas partulham uma cultura que impele as mulheres a tomar opções entre a maternidade e a profissão. Assume-se, para os alemães, por exemplo, que uma mãe que trabalha é uma má mãe.
Vejamos a Itália, a Espanha, a Polónia (e, dentro em pouco, a Irlanda), em que a cultura assente no catolicismo, e que antes se insurgia como um factor de acréscimo da natalidade, hoje é claramente, um travão à natalidade. Tudo porque as espanholas, as italianas e as polacas nem têm uma cultura católica tão fechada que as empurre para o casamento nem têm uma cultura católica tão aberta que lhes permita, sem estigmas, terem filhos fora do casamento. E menos casamentos aqui equivale a menos filhos.
Vejamos os países de Leste, que parece não terem ainda não ultrapassado o traumatismo pós-comunista.
Confirma-se, pois, que falar de uma taxa de fecundidade europeia não faz sentido.
Exceção feita à França, em que a taxa de fecundidade - de dois filhos por mulher - garante a substituição de gerações. Provavelmente porque a sua "transição" cultural se fez, primeiro, com a Revolução Francesa e depois com a revolução cultural de Maio de 68. Diz-se, mesmo, que as francesas estão vacinadas contra a “desnatalidade”. Curiosamente não porque se casem mais do que as italianas mas porque, face ao seu pouco enraizamento cultural católico, o facto de não casarem não as impede de ter filhos e, daí que, a maioria dos bebés franceses nasça fora do casamento. Acontece que, ao contrário das alemãs, as francesas não se vêem perante a opção forçada de uma escolha entre maternidade e profissão, já que não lhes advém qualquer estigma de manterem uma a par da outra. E, acresce, que ter filhos até parece estar na moda.
Em resultado, em França, registam-se, por ano, entre 825 mil e 850 mil nascimentos (enquanto temos 650 mil na Alemanha, com maior população). Ou seja, a França beneficia de um crescimento natural (fora da imigração) de 300 mil crianças por ano, o que representa 60% do crescimento europeu. Daqui a 20 anos, quando a geração de Maio de 1968 morrer, haverá 800 mil mortes anuais, mas, mantendo-se a natalidade, esse número será equilibrado pelos nascimentos. Entretanto, daqui a menos de 15 anos, a França ficará com uma população maior e mais jovem do que a Alemanha e recuperado a posição demográfica que tinha na Europa antes da Revolução.
Daqui que o caso de França é, uma exceção, pelo que não pode ser submersa na descrição do colapso coletivo europeu, para mais que até é reveladora, entre os franceses, uma moral mais elevada do que se diz. Falar de uma taxa de fecundidade europeia de 1,6 filhos por mulher não faz qualquer sentido, quando a fecundidade varia entre 1,3 (Itália) e 2 (França).
A crise demográfica é um fenómeno nacional, salva pela cultura em casos pontuais como o da França.
Em Portugal, todos os dias ouvimos falar do colapso do sistema de segurança social, porque não estar assegurada a sucessão intergeracional, mas não se vêm a ser tomadas quaisquer medidas - descontando as que já vieram e as que já foram - que constituam incentivos ao aumento da taxa de natalidade. E os próximos tempos sao de crise. Em suma, fazer filhos em Portugal, não parece recomendável, e, por acaso, até parece uma "decisão" de elevado risco face à contenção. Portanto, não se vislumbram soluções, nem a curto nem a médio prazo, para o problema. E, numa casa portuguesa, com certeza, em que tudo vai escassear, os bébés também parecem estar em vias de extinção (ou, num cenário menos negro, de retracção).

terça-feira, 12 de outubro de 2010

CUIDAR DOS MAIS VELHOS – UM DIREITO/DEVER DE CIDADANIA


Já não trazia, há algum tempo, à vossa consideração um problema de ordem estritamente social, o que se justifica, não pelo desapego a este tipo de preocupações, mas porque outras se têm insurgido como mais actualizadas.
Contudo, uma reflexão com a minha mãe, fez-me voltar a atenção para o problema da violência sobre os idosos. Oiço cada vez mais os relatos de idosos “empurrados” para as suas casinhas de província porque os filhos deixaram de poder pagar os empréstimos ou as rendas das casas e ocuparam as suas, já pagas ou com menores custos. Relatos de gente que coage os pais – ainda que por mera chantagem emocional – a ajudas pecuniárias, sonegando-lhes parte das suas pensões. Relatos de mães que fazem de criadas das filhas, cuidando-lhes das casas e dos filhos. Relatos de aparentes elevados estatutos de vida dos filhos à conta do que extorquem aos pais. Só falo naturalmente de situações em que se usam os idosos contra a sua vontade e não de acordos familiares, desejáveis até.
As sociedades europeias confrontam-se com grandes problemas suscitados pelo envelhecimento populacional, desde o declínio da população activa, ao envelhecimento da mão-de-obra, à pressão sobre os regimes de pensão e as finanças públicas, à necessidade de redes formais de prestação de cuidados e serviços aos idosos, aos maus-tratos infligidos em contexto familiar e institucional. Dados recentes da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) apontam para uma primeira sociografia da vítima (mulher, entre os 65 e 75 anos, reformada, a residir no meio urbano) e do agressor (cônjuges, filhos do sexo masculino entre os 35-45 anos).
A definição do conceito de abuso de idosos não é consensual, nem sequer juridicamente, mas é certo que se refere a um comportamento destrutivo dirigido a um adulto idoso que ocorre num contexto de confiança e cuja frequência (única ou regular) não só provoca sofrimento físico, psicológico e emocional, como representa uma séria violação dos direitos humanos. Tal coincide com a própria definição adoptada pelo Conselho de Europa e pelas Nações Unidas. Independentemente da diversidade conceptual existente neste domínio, o conceito integra vários tipos de mau trato, designadamente o abuso físico, psicológico, material e financeiro, e a negligência - activa e passiva. Todos igualmente preocupantes e reprováveis.
Os idosos inculcam atitudes de culpa, de baixa auto-estima, de isolamento social, entram em depressão, reforçam as suas dependências e sofrem do estigma social que se começa a gerar à sua volta.
Os maus-tratos às pessoas idosas também são, diria que são essencialmente, um problema de Direitos Humanos. O que deve chamar a nossa atenção para a violência do dia-a-dia, começando por explicar ao idoso que nada nem ninguém tem o direito de infligir na sua honra ou na sua pessoa qualquer tipo de destrato, ou sequer negligência, ou sequer menosprezo. E denunciando à comunidade, e, sendo caso disso, às autoridades competentes, situações deste tipo.
Um país mede-se pela sua atitude para com as crianças, mas é bom que não nos esqueçamos que se mede, igualmente, pela sua atitude para com os mais velhos.
A quem devemos, nada mais nada menos, que a vida. Ou seja, muito do somos. A seu tempo, trataram-nos com enlevo e dedicação. Hoje, chegou a nossa vez de retribuir. É o mínimo que podemos exigir a nós próprios. Um altruísmo que se converte num egoísmo quando lhes percebemos o sorriso, e mais, ainda, quando contribuímos para ele.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

TER DEIXADO DE SER FUNCIONÁRIO PÚBLICO – VALEU A PENA TER “COMEÇADO DE NOVO”

Aos quarenta e sete anos, filhas criadas, estavam criadas as condições para “dar o assalto”. Caiu o Carmo e a Trindade! Dez anos antes, tinha posto fim e abandonado um casamento com "um bom partido”. Caiu o Carmo e a Trindade! Dez anos depois, tinha chegado a hora de dar vida aos projectos que sempre me haviam sido seduzido: a militância política, as causas sociais e uma vida de profissional liberal, em dois tempos, convertida em empresária. O que sempre tinha feito na função pública, a começar pela Inspecção-Geral de Finanças e a terminar no Tribunal de Contas faço-o agora “por dentro”, “pondo na linha” serviços e organismos da Administração Pública e assistindo aos que fornecem ou presta serviços ao Estado, já que estão ambos perante uma enorme entropia dos novos procedimentos provindos do Código dos Contratos Públicos, monstro que dificilmente, ainda que se pense a médio prazo, estará “absorvido” pelas estruturas de quem compra e de quem vende.
Hoje, quando me dizem que os funcionários públicos têm de (voltar a) apertar ainda mais o cinto, valeu a pena ter caído o Carmo e a Trindade. E o que muitos interpretaram como um acto de insanidade – deixar o cargo de auditora do TC em plena crise - revelou-se um acto de clarividência a que devo hoje uma vida em que sou eu que dito as regras, fixo horários, e, embora continuando a impor-me a devoção e a qualidade que sempre dediquei à Função Pública – e de que nada me valeram a não ser ter passado por merecidos cargos concursados - tenho a qualidade de vida que tanto ambicionei toda a vida. Com tempo para mim, para abraçar novos projectos e me bater por velhas e novas causas, e para trabalhar com exclusividade neste sector.
Nos momentos de crise há que nos interrogarmos se aquele caminho ainda se justifica e descobrir a luz ao fundo do túnel, questionar a vida, investir num modus vivendi novo e mais empreendedor. Quando tal é possível e estrategicamente planeado, convém! Um amigo até se descobriu pintor aos sessenta anos e tem hoje uma galeria aberta. Outro revelou-se escritor e já publicou livros.
Os futuros tempos para os funcionários públicos são difíceis. Como o serão para todos nós.
Parece que terão menos salário, menos apoio na saúde e no abono de família. Que as pensões estarão congeladas face a 2010.
Parece que, pelo menos quem ganha mais de 1.500 € brutos por mês, vai ser afectado com um corte de 5% na massa salarial, embora os cortes sejam progressivos e variáveis entre 3,5% e 10%.
Parece que as promoções e as admissões serão congeladas. As progressões incluindo magistrados, oficiais de justiça, militares, diplomatas e polícias. E que se reduzirá o número de contratados a recibo verde.
Parece que haverá alterações no RSI e no abono de família, eliminando o aumento extraordinário de 25% do abono de família nos primeiros dois escalões e retirando-o a quem está nos dois últimos escalões. E que se reduzirão em 20% as despesas com o Rendimento Social de Inserção (RSI).
Parece que se baixarão os encargos com o sub-sistema de saúde da função pública (ADSE) e que são certos os cortes nas comparticipações em consultas, medicamentos e exames em 2011.
Parece que se reduzirão as despesas do Estado com indemnizações compensatórias e subsídios às empresas públicas.
Parece que se vão extinguir e fundir organismos da Administração Pública directa e indirecta e que se vão reorganizar e racionalizar o sector empresarial do Estado reduzindo o número de entidades e o número de cargos dirigentes.
Parece que as pensões não vão ser actualizadas, independentemente do seu valor, em 2011.
É certo que quando dei o primeiro passo para ajudar nos cortes de despesas na rubrica de pessoal, saindo da Administração Pública, muitos me julgaram suicida. Naturalmente que a subida da taxa do IRS, a começar pela subida da retenção na fonte, a subida do IRC e a subida do IVA também se repercutem em quem tem actividade liberal ou em quem é empresário. Digo-vos, porém, que as medidas tomadas pelo Governo se me afiguram adequadas face à crise. Crise que foi alimentada por anos de ilusionismo económico, de um falso tempo de vacas gordas, que devemos a anteriores governos. É, pois claro que, na minha vida, como na de todos, a crise se repercutirá, mas é um facto que sendo hoje empresária e trabalhando no nicho de mercado da contratação pública, já conto com dirigentes que anteciparam as suas reformas como parteners, criando sinergias de múltiplas valências, a acabar na fiscalização de obras públicas – um mundo em que os juristas se impõem e se menorizou o papel dos engenheiros – num projecto empresarial em crescimento.
Às vezes é preciso cometer loucuras e ter golpes de asa. Na altura, pode ter caído o Carmo e a Trindade. Hoje, feito o balanço, valeu a pena, ter começado de novo, ter “amanhecido”.

domingo, 3 de outubro de 2010

OS JOVENS E AS SORRATEIRAS CLÁUSULAS DOS CONTRATOS DE EMPRÉSTIMO À HABITAÇÃO


Como se não bastasse a crise a cortar o sonho aos jovens para terem a sua “alegre casinha”, vêem os bancos (ou abutres, como preferirem) utilizar aquelas letrinhas mui pequeninas para apanhar na rede os mais incautos na sua insaciável sede de lucro. Há quem lhes chame "abusivas" – eu prefiro o termo “fraudulentas”. O que pretende é que os pobrezinhos dos bancos a quem a crise - que eles próprios ajudaram a provocar – tanto mal tem feito, passem a ter a liberdade de, sem água vai água vem, alterar o spread (a sua margem) e outros custos referentes ao empréstimo, sempre que “alterações de mercado” o justifiquem. Portanto, quando quiserem!
Para quê preocuparmo-nos com a impossibilidade manifesta de pagar o empréstimo e que obrigou já algumas famílias a trocar as suas casas por cubículos ou, a ferro e fogo, os levou de volta à casa da “santa” da sogra. E deve ser assim que a taxa da natalidade vai crescer – com a sogra no quarto ao lado, deve ser escassa a imaginação e grande a contenção!
Graças a Deus, que a Deco – que às vezes parece representar melhor Deus que o próprio Vaticano - insistiu com o Banco de Portugal (BdP) e bateu o pé. Fora com tais cláusulas aberrantes! Ora, o BdP – provavelmente por educação – não gosta de “meter o nariz” aonde é chamado, e lá foi dizendo que competia aos tribunais "a apreciação da validade de cláusulas contratuais". Concluiu que aquelas cláusulas “salvadoras” dos superiores interesses dos bancos – que tanto sofrem com a crise! – encontram acolhimento na legislação em vigor, e, vai daí, se o “cliente” quiser, procure um bom advogado – a quem pagará o equivalente, no mínimo, a meio ano de empréstimo – e – lembram-se do Herman José? – ponha-se-lhe um “processo em cima”. Já ao Governo caberá alterar a legislação. Ao BdP cabe apenas observar o circo de camarote! E, uma coisa é certa: é mais rápido o Governo alterar a lei do que o tribunal decidir (já sem falar nos galifões de advogados que os bancos terão a fazer frente aos outros, coitados, que até afónicos ficarão só de olhar para o brilho dos sapatos italianos).
Temos, pois, uns contratos recentes do BES, do Millennium BCP e do Montepio – este já fez um acto de contrição e ofereceu a Nossa Senhora o lucro que adviria da aplicação de tais cláusulas – que afinam de tal forma o contrato que este lhes dá poderes para alterar as condições essenciais do contrato, apenas carecendo de o comunicar préviamente ao cliente. Se este não aceitar – santa paciência, vá p’ró Inferno – ou paga o empréstimo na totalidade ou de corre à procura de um outro banco menos avarento e transfere para lá o dito empréstimo – ou vai morar com a “santa” da sogra, com as consequências já referidas.
O BdP vem dizendo que tudo se pode e mais um par de botas ao abrigo da legislação em vigor, designadamente no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, lavando as mãos como Pôncio Pilatos e passando para a Secretaria de Estado da Defesa do Consumidor, a iniciativa de alterar a lei e resolver a situação. E, vai salvando a honra do convento dizendo que "está a preparar um conjunto de orientações sobre as boas práticas que as instituições de crédito devem acolher e seguir sempre que decidam incluir, em contratos de crédito, aquele tipo de cláusulas".
Eu, pelo sim pelo não, tratava a sogra - que continuo a ter, já que, segundo a lei, apesar de ter mandado o marido às urtigas, mantive a jóia da coroa na família – acautelava-me. Construía um anexo no quintal, amarquisava uma varandinha, alargava uma dispensa, abria uma janelinha na arrecadação, e, quanto à taxa da natalidade, para a manter, investia numa caravana, numa pequena carrinha, ou construía uma barraquinha à beira-mar ou junto a uma mata, porque, naquela macabra hipótese de ter de dividir uns poucos metros quadrados com a senhora, não vai haver boa-vontade – desculpem nem tesão – que aguente!