Sarah Afonso e Almada Negreiros. Lee Krasner e Jackson Pollock. Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes. Podia falar de qualquer um destes casais. Todos têm algo em comum. Mas prefiro Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Conheceram-se ainda jovens. Ambos a cursar Filosofia. Nos exames finais, ele tem a primeira melhor nota e e ela a segunda (embora os professores a reconhecessem como melhor filósofa). Aos 21 anos, Simone de Beauvoir foi a pessoa mais nova a concluir o exame. Para a autora de O Segundo Sexo, as opções básicas do indivíduo devem ser feitas sobre a premissa de uma igualdade entre homem e mulher, na estrutura comum dos seus seres, independentemente da sua sexualidade. Sartre não discordava e, daí, o relacionamento de ambos – sólido, cúmplice e… escandaloso. Escândalo, não pelas críticas que faziam um ao outro, pelos conselhos, pelas leituras em primeira mão do trabalho de um e de outro, pelo companheirismo. Estudar, ler e discutir juntos não era assim tão escandaloso. O que chocou a Europa dos anos 20 foi a relação aberta que ambos estabeleceram. Liberdade e transparência. Sartre definiria o envolvimento em termos kantianos, inspirando-se na distinção entre verdade necessária e verdade contingente. Segundo o autor de O Ser e o Nada, Simone seria necessária. Por outro lado, todas as aventuras que ele tivesse com outras mulheres seriam uma verdade contingente. Valia para os dois lados e ambos se comprometeram a contar tudo o que lhes acontecesse, ou seja, permissão total com muita transparência. “A nossa relação foi a coisa mais maravilhosa da minha vida”, disse Simone, que sobreviveu a Sartre seis anos, e ainda escreveu A Cerimónia do Adeus, o único livro que ele não pôde ler antes do lançamento oficial, e que descrevem os últimos dez anos de vida do casal. Escandalosos pelos originalidade da sua relação. Liberais, Simone e Sartre nunca partilharam uma casa mas viveram uma longa relação, na qual ela editava e filtrava a escrita dele, que lhe era dedicada. E algumas más-línguas até dizem que Simone opinava sobre o trabalho dele… O certo é que as conversas entre ambos originaram ideias e livros. E um estranho laço que, embora enriquecido ou perturbado por relações com pessoas diferentes, nunca foi quebrado. Nunca casaram. O Existencialismo foi a criança que trouxeram ao mundo. Entre aqueles que se amam tudo pode acontecer. O amor sacrificial versus o manipulador inconsciente, ou seja, aqueles que se deixam apagar, para o outro – considerado melhor por eles – poder brilhar num firmamento egocêntrico. Ou o amor generoso e cúmplice, que nasce da admiração e respeito mútuos. O importante é que nenhuma consciência individual seja predadora da outra. Porque será que só a França parece gerar este tino de racionalidade? Dali não devia vir apenas e tãosómente o mais puro sentido de romance. Talvez seja este o sentido mais fidedigno de romance. Ares de Paris!