Com a polémica sobre as últimas alterações ao Código de Processo Penal, alguns esclarecimentos prestados pelo Ministro da Justiça no debate da proposta na Assembleia da República podem ser recomendáveis.
A revisão do Código de Processo Penal, em 2007, justificava-se face a uma nova realidade criminal, que exigia a correcção de algumas lacunas e deficiências. O Governo determinou a monitorização da reforma, a realizar pelo Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, acompanhando a aplicação das modificações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, visando o reforço da eficácia na prevenção, na investigação e na punição do crime. Essa avaliação terminou em 2009 e dela concluiu-se que, globalmente, os resultados foram positivos, nomeadamente quanto à adaptação da legislação penal aos instrumentos internacionais vinculativos; à correcção de deficiências normativas face à interpretação da Constituição; ao aprofundamento dos direitos e garantias dos arguidos; às melhorias organizativas do funcionamento da acção penal; à maior preocupação com o cumprimento dos prazos do inquérito; às mudanças na estratégia de investigação da criminalidade mais grave e complexa; à atenção da hierarquia do Ministério Público quanto à duração dos processos de inquérito e incentivo à utilização da suspensão provisória do processo e dos processos especiais; ou ao crescimento, ainda que tímido, da aplicação das penas alternativas à pena de prisão.
Os relatórios terão, ainda, sido conclusivos quanto a alguns pontos que justificaram intervenções cirúrgicas, destinadas a solucionar estrangulamentos e a reforçar o objectivo daquela revisão. O que fundamentou a criação de uma Comissão, integrada por diversas personalidades de reconhecido mérito, ligadas à prática judiciária e ao estudo universitário, para analisar as conclusões dos relatórios do Observatório e formular propostas de alteração que se lhe afigurassem como adequadas à obtenção de uma maior eficácia no sistema de investigação e julgamento na acção penal, no quadro da defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
A proposta de lei terá resultado desse trabalho articulado entre os relatórios do Observatório, as propostas da Comissão, com os contributos resultantes da audição do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público, da Procuradoria-Geral da República e da Ordem dos Advogados, e da consulta das entidades representadas no Conselho Consultivo da Justiça.
A importância da matéria, pelas implicações sociais que implica, enquanto espaço crítico das liberdades públicas e privadas, obriga a uma visão articulada entre as exigências da investigação e repressão da criminalidade, cada vez com formas mais sofisticadas e agressivas, e a protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos.
As propostas centram-se em 5 pontos fundamentais (ditos segmentos chave): o processo sumário e abreviado; o regime processual do segredo de justiça; os prazos em que o inquérito decorre com exclusão do acesso aos autos por parte dos sujeitos processuais; a prisão preventiva e a detenção.
Quanto ao regime do segredo de justiça, mantém-se a regra geral de publicidade, estabelecida em 2007 para todo o processo, porque se entendeu que é essencial para o controlo democrático da actividade dos poderes públicos. Mas clarificam-se as funções próprias do Ministério Público e do Juiz de Instrução, eliminando-se (no art. 86.º) a necessidade de validação pelo juiz da decisão do MP de sujeitar o processo a segredo de justiça, havendo, obviamente, a possibilidade de se requerer a intervenção do juiz, o que terá necessariamente em conta os interesses da investigação, por um lado, e a exigências de protecção dos direitos fundamentais, por outro.
Quanto aos prazos em que o inquérito pode decorrer, vedando-se o acesso aos autos por parte dos sujeitos processuais, as propostas apresentadas dirigem-se, fundamentalmente, a adequar esses prazos à criminalidade mais grave e complexa. Nesses termos, altera-se o art. 89.º, no sentido de a prorrogação do prazo normal de inquérito passar a atingir 4 meses. E permite-se, em casos de terrorismo, criminalidade violenta, altamente organizada ou em que tenha sido declarada a excepcional complexidade, que tal prorrogação atinja um prazo máximo igual ao que corresponde ao respectivo inquérito. Por outro lado, mantendo-se os prazos dos processos em que haja arguidos presos, altera-se o art. 276.º, elevando-se os prazos dos inquéritos de criminalidade mais grave e complexa de 8 a 12 meses para 14 a 18 meses.
Em relação ao regime da prisão preventiva, mantém-se a regra de que a mesma só será aplicada a crimes puníveis com pena máxima de prisão superior a 5 anos, afirmando-se o seu carácter de ultima ratio e mantendo a sua harmonização sistémica. No entanto, estabelece-se a possibilidade de aplicação desta medida quando haja fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta, que, de acordo com a alteração prevista na alínea j) do art. 1.º, passa a abranger as condutas que dolosamente atentem contra a autodeterminação sexual e a autoridade pública. Do mesmo modo, dentro do leque dos crimes que correspondem à criminalidade altamente organizada – e a que pode aplicar-se prisão preventiva quando as molduras sejam de máximo superior a 3 anos – incluiu-se a participação económica em negócio, ao lado da corrupção, do branqueamento, do tráfico de influências, de pessoas, de armas e de estupefacientes e da associação criminosa.
Alarga-se ainda a sua admissibilidade em casos de gravidade social elevada em que as outras medidas possam não acautelar devidamente necessidades concretas (crimes de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, falsificação ou contrafacção de documento e atentado à segurança rodoviária), ao mesmo tempo que passam a prever-se, em sede de Código de Processo Penal, os casos que já admitem prisão preventiva nos termos do regime jurídico das armas e suas munições.
Estabelece-se, com carácter excepcional, a possibilidade de aplicação desta medida de coacção pela prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos desde que associada a um comportamento revelador da inadequação da medida de coacção anteriormente aplicada: o desrespeito pela medida anteriormente aplicada ou o cometimento de um novo crime da mesma natureza.
Quanto à detenção, altera-se o art. 257.º, de modo a permitir a detenção fora de flagrante delito quando essa seja a única forma de evitar o perigo de continuação da actividade criminosa. No mesmo sentido, modifica-se o art. 385.º de forma a permitir a continuação da detenção operada em flagrante delito quando exista o mesmo perigo.
O regime dos processos especiais, sumário e abreviado, é o mais profundamente modificado, no sentido de promover a celeridade e simplificação processual, distinguindo a pequena e média criminalidade da criminalidade grave ou complexa. Para esta é deixado o processo comum, enquanto se alargam as possibilidades de utilização daqueles processos especiais na pequena e média criminalidade, nomeadamente prevendo que o processo sumário poderá ter início no prazo máximo de 15 dias, caso esse período seja necessário para obter meio complementar de prova. No processo abreviado, retira-se a possibilidade de, deduzida a acusação, reenviar o processo para inquérito, para acusação sob a forma de processo comum, quando a prova era simples e evidente, apenas por não ter sido possível marcar o julgamento em 90 dias. Regula-se igualmente, de forma inovadora, a sentença oral e simplificada, tanto num como noutro dos processos: prevê-se a gravação da sentença, prescindindo-se da redução a escrito, excepto quando seja aplicada pena de prisão efectiva, sendo entregue cópia da gravação aos sujeitos processuais, salvo se dela prescindirem.
Propostas que, no entendimento do Governo, vão de encontro ao pressupostos do Estado de Direito, que exige judicialidade, separação de poderes e defesa dos direitos, liberdades e garantias.
A revisão do Código de Processo Penal, em 2007, justificava-se face a uma nova realidade criminal, que exigia a correcção de algumas lacunas e deficiências. O Governo determinou a monitorização da reforma, a realizar pelo Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, acompanhando a aplicação das modificações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, visando o reforço da eficácia na prevenção, na investigação e na punição do crime. Essa avaliação terminou em 2009 e dela concluiu-se que, globalmente, os resultados foram positivos, nomeadamente quanto à adaptação da legislação penal aos instrumentos internacionais vinculativos; à correcção de deficiências normativas face à interpretação da Constituição; ao aprofundamento dos direitos e garantias dos arguidos; às melhorias organizativas do funcionamento da acção penal; à maior preocupação com o cumprimento dos prazos do inquérito; às mudanças na estratégia de investigação da criminalidade mais grave e complexa; à atenção da hierarquia do Ministério Público quanto à duração dos processos de inquérito e incentivo à utilização da suspensão provisória do processo e dos processos especiais; ou ao crescimento, ainda que tímido, da aplicação das penas alternativas à pena de prisão.
Os relatórios terão, ainda, sido conclusivos quanto a alguns pontos que justificaram intervenções cirúrgicas, destinadas a solucionar estrangulamentos e a reforçar o objectivo daquela revisão. O que fundamentou a criação de uma Comissão, integrada por diversas personalidades de reconhecido mérito, ligadas à prática judiciária e ao estudo universitário, para analisar as conclusões dos relatórios do Observatório e formular propostas de alteração que se lhe afigurassem como adequadas à obtenção de uma maior eficácia no sistema de investigação e julgamento na acção penal, no quadro da defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
A proposta de lei terá resultado desse trabalho articulado entre os relatórios do Observatório, as propostas da Comissão, com os contributos resultantes da audição do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público, da Procuradoria-Geral da República e da Ordem dos Advogados, e da consulta das entidades representadas no Conselho Consultivo da Justiça.
A importância da matéria, pelas implicações sociais que implica, enquanto espaço crítico das liberdades públicas e privadas, obriga a uma visão articulada entre as exigências da investigação e repressão da criminalidade, cada vez com formas mais sofisticadas e agressivas, e a protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos.
As propostas centram-se em 5 pontos fundamentais (ditos segmentos chave): o processo sumário e abreviado; o regime processual do segredo de justiça; os prazos em que o inquérito decorre com exclusão do acesso aos autos por parte dos sujeitos processuais; a prisão preventiva e a detenção.
Quanto ao regime do segredo de justiça, mantém-se a regra geral de publicidade, estabelecida em 2007 para todo o processo, porque se entendeu que é essencial para o controlo democrático da actividade dos poderes públicos. Mas clarificam-se as funções próprias do Ministério Público e do Juiz de Instrução, eliminando-se (no art. 86.º) a necessidade de validação pelo juiz da decisão do MP de sujeitar o processo a segredo de justiça, havendo, obviamente, a possibilidade de se requerer a intervenção do juiz, o que terá necessariamente em conta os interesses da investigação, por um lado, e a exigências de protecção dos direitos fundamentais, por outro.
Quanto aos prazos em que o inquérito pode decorrer, vedando-se o acesso aos autos por parte dos sujeitos processuais, as propostas apresentadas dirigem-se, fundamentalmente, a adequar esses prazos à criminalidade mais grave e complexa. Nesses termos, altera-se o art. 89.º, no sentido de a prorrogação do prazo normal de inquérito passar a atingir 4 meses. E permite-se, em casos de terrorismo, criminalidade violenta, altamente organizada ou em que tenha sido declarada a excepcional complexidade, que tal prorrogação atinja um prazo máximo igual ao que corresponde ao respectivo inquérito. Por outro lado, mantendo-se os prazos dos processos em que haja arguidos presos, altera-se o art. 276.º, elevando-se os prazos dos inquéritos de criminalidade mais grave e complexa de 8 a 12 meses para 14 a 18 meses.
Em relação ao regime da prisão preventiva, mantém-se a regra de que a mesma só será aplicada a crimes puníveis com pena máxima de prisão superior a 5 anos, afirmando-se o seu carácter de ultima ratio e mantendo a sua harmonização sistémica. No entanto, estabelece-se a possibilidade de aplicação desta medida quando haja fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta, que, de acordo com a alteração prevista na alínea j) do art. 1.º, passa a abranger as condutas que dolosamente atentem contra a autodeterminação sexual e a autoridade pública. Do mesmo modo, dentro do leque dos crimes que correspondem à criminalidade altamente organizada – e a que pode aplicar-se prisão preventiva quando as molduras sejam de máximo superior a 3 anos – incluiu-se a participação económica em negócio, ao lado da corrupção, do branqueamento, do tráfico de influências, de pessoas, de armas e de estupefacientes e da associação criminosa.
Alarga-se ainda a sua admissibilidade em casos de gravidade social elevada em que as outras medidas possam não acautelar devidamente necessidades concretas (crimes de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, falsificação ou contrafacção de documento e atentado à segurança rodoviária), ao mesmo tempo que passam a prever-se, em sede de Código de Processo Penal, os casos que já admitem prisão preventiva nos termos do regime jurídico das armas e suas munições.
Estabelece-se, com carácter excepcional, a possibilidade de aplicação desta medida de coacção pela prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos desde que associada a um comportamento revelador da inadequação da medida de coacção anteriormente aplicada: o desrespeito pela medida anteriormente aplicada ou o cometimento de um novo crime da mesma natureza.
Quanto à detenção, altera-se o art. 257.º, de modo a permitir a detenção fora de flagrante delito quando essa seja a única forma de evitar o perigo de continuação da actividade criminosa. No mesmo sentido, modifica-se o art. 385.º de forma a permitir a continuação da detenção operada em flagrante delito quando exista o mesmo perigo.
O regime dos processos especiais, sumário e abreviado, é o mais profundamente modificado, no sentido de promover a celeridade e simplificação processual, distinguindo a pequena e média criminalidade da criminalidade grave ou complexa. Para esta é deixado o processo comum, enquanto se alargam as possibilidades de utilização daqueles processos especiais na pequena e média criminalidade, nomeadamente prevendo que o processo sumário poderá ter início no prazo máximo de 15 dias, caso esse período seja necessário para obter meio complementar de prova. No processo abreviado, retira-se a possibilidade de, deduzida a acusação, reenviar o processo para inquérito, para acusação sob a forma de processo comum, quando a prova era simples e evidente, apenas por não ter sido possível marcar o julgamento em 90 dias. Regula-se igualmente, de forma inovadora, a sentença oral e simplificada, tanto num como noutro dos processos: prevê-se a gravação da sentença, prescindindo-se da redução a escrito, excepto quando seja aplicada pena de prisão efectiva, sendo entregue cópia da gravação aos sujeitos processuais, salvo se dela prescindirem.
Propostas que, no entendimento do Governo, vão de encontro ao pressupostos do Estado de Direito, que exige judicialidade, separação de poderes e defesa dos direitos, liberdades e garantias.