sábado, 24 de abril de 2010

Visões de Abril: Spínola, o MFA e as "correcções" ao Programa



Depois do fracasso do 16 de Março, Vítor Alves, responsável pela acção política do MFA, entrega o esboço de programa político do Movimento (da autoria de Melo Antunes ) a Otelo Saraiva de Carvalho, que o passou a um major de Cavalaria na reserva, Carlos Morais, visita diária de Spínola, que levou o documento dactilografado ao general. Dois dias depois, Spínola devolve o documento a Carlos Morais, com as suas dúvidas anotadas a lápis - o correio desenvolve-se então em sentido oposto. Carlos Morais entrega o texto anotado a Otelo, que o faz chegar aos "capitães". O programa político chamava-se "Programa de Acção Política do Movimento dos Oficiais das Forças Armadas". É este o nome original do Movimento, é Spínola quem sugere a eliminação da expressão "oficiais", para deixar pressuposto que sargentos e praças estavam ao lado dos revoltosos. É, assim, Spínola o "inventor" da sigla histórica "MFA".
António de Spínola pede aos oficiais alguma "despolitização do programa". Assim, a lápis, risca a expressão "político" do "projecto" do Movimento, e quando é referida "a resolução da grande crise nacional que atravessamos", Spínola risca as palavras seguintes: "de ordem política, económica e social". No capítulo das extinções, o general nada tem a opor "à extinção imediata da DGS, Legião Portuguesa", mas quanto à extinção de "organizações de juventude fascistas", risca o "fascistas". Quem depois advogará a manutenção da PIDE-DGS, por causa da guerra colonial ainda em curso, será Costa Gomes. Ao lado da alínea sobre "a amnistia imediata de todos os presos políticos, na metrópole e no ultramar", o general coloca um ponto de interrogação. No livro "Alvorada em Abril", Otelo Saraiva de Carvalho diz que as objecções de Spínola à amnistia estavam relacionadas com a vontade do general impedir que fossem libertados os que "advogam a entrega imediata do Ultramar". Vítor Alves afirma que Spínola não concordava com a libertação de presos políticos que tivessem estado envolvidos em crimes de sangue. Na parte do programa em que se afirma que "o Governo Provisório promoverá com urgência a aplicação de um conjunto de medidas que garantam o exercício formal da democracia política", Spínola risca "democracia política" e substitui a expressão por "acção do Governo". Na continuação da frase, deixa ficar "... sem prejuízo de, a médio prazo, serem estudadas e postas em prática medidas preparatórias, de carácter material, económico, social e cultural que garantam o futuro exercício efectivo da liberdade política, fundamento de toda a ordem democrática", o general também risca a expressão "fundamento da ordem democrática", defendendo que a ideia temine em "liberdade política". "Percebo o receio dele", afirma Vítor Alves. "Naquele tempo quem usava essa linguagem era só o Partido Comunista. A interpretação dele, com a qual eu não concordava, era a de que quem utilizava estas expressões eram os comunistas e os militares não as poderiam usar, sob pena de colagem aos comunistas". O ponto 3.4.1. que afirmava que "em aplicação destes princípios será permitida a formação de 'associações políticas', possíveis embriões de futuros partidos políticos. Não serão, contudo, permitidas associações de carácter fascista", foi na íntegra riscado por Spínola. O mesmo destino teve o ponto 3.4.2.: "Ainda em aplicação do mesmo princípio, será garantida a liberdade sindical, de acordo com lei especial que regulará, em bases amplamente democráticas, o seu exercício". O programa final, que depois Vítor Alves anunciará ao país (e ao mundo) no dia 25 de Abril de 1974 atendeu aos pedidos do general, e foi expurgado de insistentes referências ao "fascismo" e à "democracia". A "liberdade política" é uma expressão mais do agrado de António de Spínola e é essa que povoa o documento. No entanto, a amnistia aos presos políticos é consagrada sem excepções.