terça-feira, 20 de abril de 2010

Antero de Quental: desilusão e desassossego



Antero de Quental nasceu em 18 de abril de 1842 na cidade de Ponta Delgada, capital da Ilha de S. Miguel, no longínquo arquipélago dos Açores. Ilhas essas, que, pelo seu isolamento, ainda se vêem vestígios do português arcaico do teatro de Gil Vicente. Falar de Antero é falar na Geração de 70, na queda do Reitor da Universidade de Coimbra, na carta ao D”ávila e no espectro com que se refere à mãe-terra. Ele um homem intenso em tudo o que fazia, o que levou Eça de Queiroz a dizer que "Em Antero a personalidade se sobrepõe à obra." e Fernando Pessoa a afirmar: "Portugal poético, como nação independente, adormeceu com Gil Vicente e metade de Camões e despertou com Antero...."
Saindo das ilhas, enfrenta Lisboa (1856) com o espírito dos grandes heróis do mar português, substituindo-o pelo desafio das mudanças culturais, políticas e sociais. Quando entra na Universidade de Coimbra vai ja cheio de ideais revolucionários e envolve-se na questão Coimbra, culminando com a queda do reitor. Assim começa a sua luta pelas mudanças na sociedade portuguesa, afirmando-se como o mais lúcido crítico dessa sociedade durante toda a sua vida.
Segundo Manuel Bandeira, moralmente, era uma criatura contraditória, alternando momentos de meiguice infantil com repentes de rudeza. Era clara a influência que exercia sobre os companheiros, pela inteligência e pelo caráter, altivo sem gabolice, fácil de dominar pelo sentimento, porque era condescendente com os amigos e de um dom notório em falar com as crianças e com os mais humildes. Vivia em inquietação e com um evidente desassossego interior, perdido nas questões metafísicas: o problema do destino humano e do sentido do universo.
Até em 64, no soneto Despondency, se sente ainda a maneira do mestre; o tema parece refletir alguma mágoa amorosa, mas sem tons de erotismo claros. No entanto em sonetos filosóficos da mesma época (Tormento do Ideal, Ad amico, Noturno), o tom e a maneira já se coincidem com o perfil de Antero de Quental. Tom e maneira que se foram acentuando aos poucos na obra poética de Antero e só a partir da fase lúgubre se apresentariam fixados. Mas antes, começa a compor poesias com cunho social (Odes Modernas). Mais tarde reconheceria o género como falso: desagradava-lhe o tom declamatório, e quanto ao fundo não lhe pareciam àqueles versos definir bem e tipicamente o estado de espírito que os tinha produzido. Contudo, achava o livro uma boa ação: era uma voz sincera que pedia justiça. O poeta ainda acreditava em si, no progresso da humanidade e na evolução do homem. Hino da manhã vem com simbolismo em que a luz significa vida e o poder da razão; e cede-se lugar ao não-ser dissolvendo-se o eu: Antes tu nunca fosses, luz famosa Antes tu nunca existisses! E o Universo Ficasse inerte e eternamente imerso Do possível na névoa duvidosa! (...) Surges em vão, e em vão, por toda a parte, Me envolves, me penetras, com amor... Causas-me espanto a mim, causas-me horror, E não te posso amar-não quero amar-te!
Não foi o Direito que o notabilizou ou apaixonou, mas as questões sociais e filosóficas, a começar com uma crítica à Bíblia da Humanidade de Michelet. A sua perspectiva reformadora do mundo fê-lo aliar-se a Hegel em filosofia, Proudhon e Marx em sociologia.
O seu temperamento revolucionário explode pela primeira vez a propósito de uma questão literária, o escandaloso levante contra o velho Castilho. AQ promove uma reforma da prosa portuguesa a partir da carta Bom senso e bom gosto. Preocupava-se com a questão moral e não tão somente a questão literária. O ideal era tudo o que lhe importava. E em fins de novembro de 1866, parte para Paris, mas, frustado como tipógrafo, virá a dizer que ali comprara o direito formidável da desesperação com plena consciência, e mais ainda, como comprova na carta dirigida a Germano de Meireles: Só males são reais, só dor existe; Prazeres só os gera a fantasia; Em nada, um imaginar, o bem consiste, Anda o mal em cada hora e instante e dia....
Antes do fim do verão de 67, volta a S. Miguel. Em novembro de 68 torna ao continente. Estoura a revolução republicana espanhola, e o poeta, com o sonho da união Ibérica, publica: Portugal Perante a Revolução de Espanha – Considerações sobre o Futuro da Política Portuguesa no Ponto de Vista da Democracia Ibérica. Em julho de 1969, parte para os Estados Unidos onde recusou o oferecimento de uma boa situação de professor de português.
A viagem fez-lhe bem e o regresso a Lisboa é assinalado por uma nova fase de atividade socialista, com a fundação de sociedades operárias (foi, com José Fontana, o introdutor da Internacional em sua pátria), e em 71 publica na Revolução de Setembro, as novas tendências da poesia contemporânea, onde mais tarde é anunciada as Conferências democráticas .
O fim destas conferências era produzir uma agitação intelectual na massa amodorrada da sociedade portuguesa. Foi inaugurada a partir do discurso de Antero sobre o espírito das conferências, e em seguida, inicia com Causas da Decadência dos Povos Peninsulares nos Três Últimos Séculos. Foi realizado na sala do Cassino Lisbonense, Porto, com intuito de humanizar as questões morais e remover idéias políticas pré-concebidas. Todo o movimento, aliás, lhe parecerá como uma aurora à qual não se seguiu dia, ou só um dia fusco.
Como diz Manuel Bandeira, Antero passou a ser citado como modelo da prosa moderna. E com razão. Leia-se isto, por exemplo: Portugal, dizia-se há anos, é o país mais liberal da Europa! A Europa, diziam os correspondentes dos jornais provincianos, inveja a nossa sorte, e acha-a única! A Europa, diziam no Grêmio os jogadores de bilhar, estudam com afinco as nossas instituições, e duvida se chegará a imita-las. A Europa quase que não compreende a nossa fenomenal liberdade de pensamento! Somente, meus senhores, ninguém se lembrava de pensar. Um dia decidiu-se alguém a pensar livremente. O Sr. Marquês DÁVILA pôs logo o seu chapéu ensebado em cima da liberdade de pensamento!
Finalizam-se as conferências do Cassino, mas a ação revolucionária de Antero não se encerra. Em 1973, já em S. Miguel , formula um livro que se chamaria Programa para os trabalhos da geração nova. Antero desenvolve um trabalho chamado O Cosmo e a Evolução, o que o deixa como que em estado de parto como relata na carta ao seu amigo Oliveira Martins. Sinto mover-se no fundo mais íntimo do meu eu pensante, naquele fundo que já não é eu, mas o espírito humano”, uma idéia imensa, toda uma filosofia, que não é um sistema, mas a mesma idéia histórica da humanidade, perseguida, entrevista, esquivada, pressentida através de todos os sistemas, de todas as religiões, de todas as revoluções... Depois trevas! Olho para as páginas em que pretendo condensar essa idéia, e só encontro verbalismo, abstrações, eloqüência às vezes, mas em tudo aquilo um não sei o que de hirto, de estéril!
Estranha instabilidade, o que fazia definir-se “doente e apaixonado, cheio de contrastes e franquezas, ardente e ao mesmo tempo mórbido, reto e juntamente sutil, uma criação tão artificial na ordem da inteligência quanto o é na ordem fisiológica uma condessinha espiritualista e pálida do faubourg Saint-Germain. "
O clima de S. Miguel, que lhe era adverso, os trabalhos e canseiras da meditação metafísica reduziram-se a um estado lamentável. Então, persegue uma linha de reflexões cujo principal tema é a morte. Mas a morte concebida sempre como libertadora como a irmã do Amor e da Verdade, Beatriz funérea e de mão gelada sim, mas única Beatriz consoladora. Vemos isto em Mors-Amor a Luís de Magalhães: Esse negro corcel, cujas passadas Escuto em sonhos, quando a sombra desce, E, passando a galope, me aparece Da noite nas fantásticas estradas, (...) Cavalga a fera estranha sem temos.
E o corcel negro diz: ”Eu sou a Morte” Responde o cavaleiro: ”Eu sou o Amor”
Já com a saúde muito abalada, retorna a Lisboa junto com Oliveira Martins.E cai na fase aguda da doença nervosa de que nunca pôde restabelecer-se, retratada na carta a João Lobo de Moura: Eu cá vou indo. Cada vez mais místico e penso daria um sofrível monge, se não fossem estes nervos miseráveis, inimigos da paz de espírito. Mas ao mesmo tempo que se via descrente e sem esperança, procurava dentro de si uma expressão mais forte e pura que é a fase das lúgubres, que dá em A Fada Negra a nota mais pungente dessa crise espiritual, dos sonetos Animamea, Divina Comédia, Espectros, Nirvana, Consulta, Visão e alguns outros não menos admiráveis. Ficou na história como Poeta do Desespero e da Morte, cujos cantos mais típicos são: o Elogio da Morte, o Hino da Manhã, Oceano, Nox, Luta,, Lacrimae rerum..A partir de 74, amadurece na sua escrita ,não só nos sonetos mas em todos os seus trabalhos como lúgubres, Serenata, Na sepultura de Zara ...
Em 75, não desiste e funda a Revista Ocidental, com Batalha Reis. Em Jun.76, triste, na sua casa de Ponta Delgada, procurou uma espécie de religião individual embora ciente que uma religião individual jamais lhe daria firmeza, confiança, serenidade, comunhão espiritual, idéia-sentimento, reconhecendo que a fraqueza do individuo se ampara na potência da coletividade.
A doença permanece e foi em Paris que obteve um diagnóstico imprevisto do Charcot: On s’est trompé; vous n’avez rien à l’épine, vous avez une maladie de femme, transportée dans um corps d’homme: c’est l’hystérisme. Assim voltou para Lisboa, onde foi morar com a irmã Ana (a mãe morrera no ano anterior).
Em 80, escreve um agressivo artigo contra o aproveitamento político dos festejos ao III Centenário da morte de Camões chamado Centenários e Centenaristas, e que destrói de seguida.
Em Vila do Conde entregara-se apaixonadamente a duas tarefas; uma inspirada na educação de suas pupilas, outra no desejo de rememorar toda a sua evolução intelectual e sentimental desde 1860. A primeira foi o Tesouro Poético da Infância, coleção de poesias colhidas nos romanceiros e cancioneiros populares portugueses ou nos poetas do século XIX. Antero lembra-se recorrentemente dos seus tempos em família: ...todos nos recordamos do prazer delicioso com que escutávamos, na meninice, os contos maravilhosos ou os romances e cantigas com que alguma criada velha nos sabia encurtar, como por encanto, as horas largas dos serões de inverno.
A segunda foi a coleção dos Sonetos Completos, reunidos e dispostos de modo que formassem como que as memórias de uma consciência, uma espécie de autobiografia. Os sonetos estão dispostos de acordo com a cronologia de que foram escritos. Dois desses sonetos – a invocação À Virgem Santíssima e Na Mão de Deus – foram muito discutidos. A propósito do soneto À Virgem Santíssima a mesma é vista como um símbolo – o mesmo de Goethe. Parece que foi seguindo esses símbolos ainda no rastro de Goethe, que AQ dedica esse poema a Fausto. Ainda uma outra vez, imagens flutuantes, Vos ergueis ante mim, como outra radiantes Ante mim, que vos fito em vago em leio incerto! Voais...mas eu êxito em vos reter agora... Assusta em meu olhar a luz da vossa aurora, E teme as ilusões, meu coração desperto!
Nesse poema em homenagem a Fausto, AQ homenagia a obra de Goethe e a literatura alemã.
Quanto ao soneto Na Mão de Deus, foi enviado a João de Deus em carta de 20 de Jul.82: O meu pessimismo tem-se desvanecido com esta vida contemplativa no meio da boa natureza. Reconheci que andar por toda a parte a proclamar, com voz lúgubre, que o mundo é vão era ainda uma ultima vaidade...
Em 11 de setembro de 1891 Antero de Quental, lança-se ao corcel negro e põe fim a novas reflexões, revoluções e ideais, deixando eternizado o seu trabalho. Acaba numa crise de desesperança e desespero. Nada! O fundo dum poço úmido e morno, Um muro de silêncio e treva em torno, E ao longe os passos sepulcrais da morte. (Elogio da morte)