O RPF, num dos seus últimos comentários na blogesfera, cita Miguel Abrantes, no Corporações. A propósito de uma conversa ouvida num café. Riam-se uns adolescentes de uma situação insólita (um amigo acabara de tirar a carta e aventurou-se no carro dos pais, bebeu de mais e foi apanhado numa operação stop com 1,7 de álcool no sangue: tinha, em consequência, de fazer horas de trabalho comunitário). Ao mesmo tempo que lia no jornal que Pedro Passos Coelho propõe que as pessoas que recebam prestações sociais (referindo-se ao subsídio de desemprego e ao rendimento social de inserção) prestem serviço para a comunidade, enquadradas, ao que parece, por instituições de solidariedade social).
Concordo com ambos quando referem que o que vale a pena debater — e o Vasco Campilho tem defendido este “tributo social” - a ideia. Começa por ser “um instrumento contra a fraude”, depois passa a ser de “justiça simbólica” e termina voltando à função que “deve cumprir”: punir quem não quer trabalhar (os tais “profissionais da maximização da assistência pública”). A lógica parece ser mesmo essa: punir. Quem defende a ideia responde aos críticos: “A crítica que mais tenho visto ser feita à proposta de instituir o tributo social é a seguinte: se é em virtude dos seus descontos que os desempregados recebem o subsídio de desemprego, então nada devem dar de volta à sociedade, visto que apenas recebem aquilo a que têm direito.”, ao que riposta que os direitos não são adquiridos, e que o Estado pode alterar “unilateralmente as condições propostas aos beneficiários, e que não verdade o tem feito várias vezes.”
Independentemente de se perceber a quem se dirige a crítica à proposta do tributo social, dizem bem os autores que "Não passa de um tiro de pólvora seca, e a resposta do Vasco Campilho é uma lapalissada." O Estado tem poderes para alterar as prestações sociais, já se questiona se será legítimo pretender-se que estas prestações, que obedecem a filosofias diferentes, sejam perspectivadas numa lógica de solidariedade de direcção unilateral, ou seja, inexigindo contrapartidas. Este é o ponto fundamental da questão: o subsídio de desemprego e o rendimento social de inserção já implicam contrapartidas. O primeiro assume a natureza de um seguro social que, por ser público, não funciona numa lógica actuarial, mantendo as características típicas de um seguro: quem desconta mais e por mais tempo tem condições de segurança, quem descontou menos e há menos tempo, não tem. Há ainda quem desconte e não preencha os requisitos cumulativos de acesso ao seguro, assim como há quem não tenha descontado, e que, por isso, não beneficia naturalmente dele. Não há aqui nada que se assemelhe ao "something for nothing". Quem desconta, sabe que, se precisar de apoio, tem-no. Ora, vir afirmar que quem recebe subsídio de desemprego tem de contribuir para “Portugal”, como fez Passos Coelho, surte apenas o efeito de uma demagogia inflamada, já que não se lhe dá o crédito de não saber do que fala. O tempo de travessia no deserto que caracterizou o percurso político de PPC deu-lhe essa mais-valia: os dossiers estão estudados e analisados (ainda que por outros).
O rendimento social de inserção, sendo uma prestação não contributiva que garante mínimos sociais e económicos e que visa satisfazer as necessidades básicas dos indivíduos, assenta, contrariamente ao que dizem os seus críticos, na ideia de um contrato. Isto é, implica uma prestação de caráter sinalagmático entre indivíduo-Estado. A outra face da moeda é que os indivíduos têm direito ao programa de inserção sócio-profissional que, enquanto beneficiários, são obrigados a subscrever; este programa é um compromisso segundo o qual aqueles são obrigados (salvo motivos de saúde ou idade) a ter (e a prová-lo) disponibilidade activa para o trabalho, para a formação e/ou para outras formas de inserção. Das acções inscritas no programa já fazem parte a “aceitação de trabalho ou de formação profissional; frequência do sistema ou de aprendizagem; participação em programas de ocupação ou outros de carácter temporário que favoreçam a inserção no mercado de trabalho ou satisfaçam necessidades sociais”, etc. Estão já devidamente equacionadas as situações de incumprimento e o respectivo regime sancionatório. Não é, nunca foi e, espera-se que nunca o seja, um programa do tipo something for nothing. Tudo para se dizer que a tal contribuição para Portugal, a tal “solidariedade em duas direcções” que PPC apresenta como uma medida inovatória, já existe para ambas a prestações, embora seja diferenciada por razões várias (como a capacidade distinta para diferentes indivíduos em encontrar inserção durável no mercado de trabalho).
Ora, o Vasco Campilho ignora esta discussão e diz: “Isto é tudo muito bonito mas funciona mal, presta-se à fraude por ausência de mecanismos de fiscalização, e gera inveja social”. É aqui que esquerda e direita, ou como o João Pinto e Castro lembra —, as políticas sociais de diferentes épocas e exigências civilizacionais se separam. Há uma diferença entre ser obrigado a mudar as regras de acesso ao subsídio de desemprego ou de emprego conveniente, reduzir a taxa de substituição, compelir as pessoas a fazer mais formação ou aumentar a fiscalização. É um workfare (com graus também variáveis de generosidade para o beneficiário), justificado por motivos diferentes (a taxa de substituição pode ser muito elevada nalguns casos — levando a que as pessoas prefiram racionalmente não regressar a um mercado de trabalho que paga mal e trata pior, e pode ser necessário mexer nos incentivos existentes; o orçamento da segurança social pode passar por sérios problemas financeiros que exigem uma redução nas prestações, etc.). Mas nenhum destes motivos visa punir os desempregados ou os pobres. Nenhum destes motivos implica trabalho gratuito, numa situação que se pretende tão humilhante de modo a que “para muitos poderá mesmo valer a pena desistir do subsídio para se poderem continuar a dedicar ao ofício que com ele acumulavam”, como escreve VC. Esta era a justificação para as workhouses britânicas (outras justificações, como a que aquelas ajudariam a promover uma regeneração moral, era quase sempre bullshit): se elas fossem estigmatizantes, ou "punissem" o o indivíduo depressa voltaria ao mercado de trabalho, aceitando, nem que fosse, qualquer biscate. E, concluem, "não há praticamente diferença entre o tratamento que damos hoje àqueles que são apanhados a conduzir embriagados e aos que o Pedro Passos Coelho propõe para os desempregados e pobres. Ambos merecem uma lição."
Concordo com ambos quando referem que o que vale a pena debater — e o Vasco Campilho tem defendido este “tributo social” - a ideia. Começa por ser “um instrumento contra a fraude”, depois passa a ser de “justiça simbólica” e termina voltando à função que “deve cumprir”: punir quem não quer trabalhar (os tais “profissionais da maximização da assistência pública”). A lógica parece ser mesmo essa: punir. Quem defende a ideia responde aos críticos: “A crítica que mais tenho visto ser feita à proposta de instituir o tributo social é a seguinte: se é em virtude dos seus descontos que os desempregados recebem o subsídio de desemprego, então nada devem dar de volta à sociedade, visto que apenas recebem aquilo a que têm direito.”, ao que riposta que os direitos não são adquiridos, e que o Estado pode alterar “unilateralmente as condições propostas aos beneficiários, e que não verdade o tem feito várias vezes.”
Independentemente de se perceber a quem se dirige a crítica à proposta do tributo social, dizem bem os autores que "Não passa de um tiro de pólvora seca, e a resposta do Vasco Campilho é uma lapalissada." O Estado tem poderes para alterar as prestações sociais, já se questiona se será legítimo pretender-se que estas prestações, que obedecem a filosofias diferentes, sejam perspectivadas numa lógica de solidariedade de direcção unilateral, ou seja, inexigindo contrapartidas. Este é o ponto fundamental da questão: o subsídio de desemprego e o rendimento social de inserção já implicam contrapartidas. O primeiro assume a natureza de um seguro social que, por ser público, não funciona numa lógica actuarial, mantendo as características típicas de um seguro: quem desconta mais e por mais tempo tem condições de segurança, quem descontou menos e há menos tempo, não tem. Há ainda quem desconte e não preencha os requisitos cumulativos de acesso ao seguro, assim como há quem não tenha descontado, e que, por isso, não beneficia naturalmente dele. Não há aqui nada que se assemelhe ao "something for nothing". Quem desconta, sabe que, se precisar de apoio, tem-no. Ora, vir afirmar que quem recebe subsídio de desemprego tem de contribuir para “Portugal”, como fez Passos Coelho, surte apenas o efeito de uma demagogia inflamada, já que não se lhe dá o crédito de não saber do que fala. O tempo de travessia no deserto que caracterizou o percurso político de PPC deu-lhe essa mais-valia: os dossiers estão estudados e analisados (ainda que por outros).
O rendimento social de inserção, sendo uma prestação não contributiva que garante mínimos sociais e económicos e que visa satisfazer as necessidades básicas dos indivíduos, assenta, contrariamente ao que dizem os seus críticos, na ideia de um contrato. Isto é, implica uma prestação de caráter sinalagmático entre indivíduo-Estado. A outra face da moeda é que os indivíduos têm direito ao programa de inserção sócio-profissional que, enquanto beneficiários, são obrigados a subscrever; este programa é um compromisso segundo o qual aqueles são obrigados (salvo motivos de saúde ou idade) a ter (e a prová-lo) disponibilidade activa para o trabalho, para a formação e/ou para outras formas de inserção. Das acções inscritas no programa já fazem parte a “aceitação de trabalho ou de formação profissional; frequência do sistema ou de aprendizagem; participação em programas de ocupação ou outros de carácter temporário que favoreçam a inserção no mercado de trabalho ou satisfaçam necessidades sociais”, etc. Estão já devidamente equacionadas as situações de incumprimento e o respectivo regime sancionatório. Não é, nunca foi e, espera-se que nunca o seja, um programa do tipo something for nothing. Tudo para se dizer que a tal contribuição para Portugal, a tal “solidariedade em duas direcções” que PPC apresenta como uma medida inovatória, já existe para ambas a prestações, embora seja diferenciada por razões várias (como a capacidade distinta para diferentes indivíduos em encontrar inserção durável no mercado de trabalho).
Ora, o Vasco Campilho ignora esta discussão e diz: “Isto é tudo muito bonito mas funciona mal, presta-se à fraude por ausência de mecanismos de fiscalização, e gera inveja social”. É aqui que esquerda e direita, ou como o João Pinto e Castro lembra —, as políticas sociais de diferentes épocas e exigências civilizacionais se separam. Há uma diferença entre ser obrigado a mudar as regras de acesso ao subsídio de desemprego ou de emprego conveniente, reduzir a taxa de substituição, compelir as pessoas a fazer mais formação ou aumentar a fiscalização. É um workfare (com graus também variáveis de generosidade para o beneficiário), justificado por motivos diferentes (a taxa de substituição pode ser muito elevada nalguns casos — levando a que as pessoas prefiram racionalmente não regressar a um mercado de trabalho que paga mal e trata pior, e pode ser necessário mexer nos incentivos existentes; o orçamento da segurança social pode passar por sérios problemas financeiros que exigem uma redução nas prestações, etc.). Mas nenhum destes motivos visa punir os desempregados ou os pobres. Nenhum destes motivos implica trabalho gratuito, numa situação que se pretende tão humilhante de modo a que “para muitos poderá mesmo valer a pena desistir do subsídio para se poderem continuar a dedicar ao ofício que com ele acumulavam”, como escreve VC. Esta era a justificação para as workhouses britânicas (outras justificações, como a que aquelas ajudariam a promover uma regeneração moral, era quase sempre bullshit): se elas fossem estigmatizantes, ou "punissem" o o indivíduo depressa voltaria ao mercado de trabalho, aceitando, nem que fosse, qualquer biscate. E, concluem, "não há praticamente diferença entre o tratamento que damos hoje àqueles que são apanhados a conduzir embriagados e aos que o Pedro Passos Coelho propõe para os desempregados e pobres. Ambos merecem uma lição."