Ai que saudades do tempo.... " As cartas da condessa de Rio Maior permitem-nos reconstituir alguns acontecimentos importantes da História de Portugal e perceber a forma como a alta aristocracia se comportava. Poucas mulheres da sua classe saberiam observar como ela observou, pensar o que ela pensou, escrever como ela escreveu" (Maria Filomena Mónica).
O século XIX tem a vantagem de ser suficientemente longe para ser História e ser suficientemente perto para (quase) sermos testemunhas...
Um estudo dos «comportamentos familiares» da aristocracia portuguesa que nos remete para tempos passados-próximos ali pelos séculos XVII e XVIII que retomam alguns aspectos de um trabalho mais vasto, cujas indicações já foram objecto de discussão em reuniões científicas. Os resultados da investigação efectuada, embora se reportem a um grupo dominante excepcionalmente restrito e destacado das restantes categorias sociais, são generalizáveis a boa parte das elites portuguesas da época, pois «são os ânimos dos homens como arrebatados por impulso oculto para imitarem as acções dos Grandes». A estabilidade da elite aristocrática portuguesa decorria também de condicionantes institucionais favoráveis e, em particular, do facto de a dispensa da Lei Mental para as sucessões femininas se ter tornado a regra. Uma das características distintivas das práticas matrimoniais de muitas das aristocracias europeias residiu no facto de se excluir delas uma grande parte da sua filiação legítima. Práticas ancestrais e resultado das estratégias de reprodução biológica, social e cultural do grupo, o casamento e o celibato são temas cujo estudo tende a despoletar a invocação de alternativas conceptuais tais como a relação entre as determinações (ou constrangimentos) estruturais e a acção dos agentes sociais, ou entre o controle familiar e a esfera de decisão individual, ou ainda entre os interesses e as emoções (ou sentimentos). Um dos pressupostos de que aqui se parte é o da pertinência do conceito de estratégias matrimoniais, parte integrante dos comportamentos adoptados pelo grupo destinados a transmitir às gerações vindouras o poder e os privilégios herdados. Estratégias essas que não passam pela vontade consciente de todos os agentes sociais nelas envolvidos e, sobretudo, que só são possíveis porque a adequação de cada um ao papel que lhe compete é garantida não só pelo direito e pela autoridade paternal (aliás, também suportada pelo direito), mas ainda pelas disposições incorporadas, que fazem com que cada um aceite o seu destino como o destino natural. Os constrangimentos jurídicos, e em especial os que impendiam sobre as práticas sucessórias, tinham uma importância fulcral. A quase totalidade dos bens administrados pelas casas titulares tinha a natureza de bens de vínculo, ou da coroa e ordens, e estava sujeita a regras estritas de indivisibilidade, primogenitura e masculinidade (eram bens que se transmitiam por sucessão, e não por herança). Existiam mesmo casas que não tinham bens livres de raiz e eram frequentes os casos de renúncia à herança entre os titulares.
Os comportamentos matrimoniais de antanho não podem ser linearmente deduzidos do contexto jurídico-institucional em que se processavam, já que foram objecto de importantes mutações durante o período analisado sem que o referido quadro jurídico tenha sofrido alterações significativas. Importa não esquecer que a consagração institucional inequívoca da nobreza titular suscitava uma enorme procura de filhas e filhos segundos dos titulares por sucessores e sucessoras de casas da nobreza provincialou por membros do corpo mercantil e financeiro de Lisboa. Alternativas matrimoniais para a colocação dos filho(a)s que implicavam despesas mínimas para as casas existiram sempre, mas foram escassamente procuradas até um período tardio, resultando num aumento das sucessões femininas depois da primeira metade de Seiscentos, acompanhada até meados do séc. XVIII por um aumento das sucessões de secundogénitos, que depois diminuem claramente. Em todo o caso, uma tendência que nunca chega a alcançar proporções drásticas. As indicações sobre a nupcialidade da «população primária» permite concluir que uma boa parte dos sucessores e presuntivos sucessores considerados que não chegaram a casar-se morreram na infância ou pouco depois de completarem 20 anos de idade. Por outras palavras, quase ninguém escapou ou procurou escapar à obrigação de produzir sucessores para a sua casa.
O século XIX tem a vantagem de ser suficientemente longe para ser História e ser suficientemente perto para (quase) sermos testemunhas...
Um estudo dos «comportamentos familiares» da aristocracia portuguesa que nos remete para tempos passados-próximos ali pelos séculos XVII e XVIII que retomam alguns aspectos de um trabalho mais vasto, cujas indicações já foram objecto de discussão em reuniões científicas. Os resultados da investigação efectuada, embora se reportem a um grupo dominante excepcionalmente restrito e destacado das restantes categorias sociais, são generalizáveis a boa parte das elites portuguesas da época, pois «são os ânimos dos homens como arrebatados por impulso oculto para imitarem as acções dos Grandes». A estabilidade da elite aristocrática portuguesa decorria também de condicionantes institucionais favoráveis e, em particular, do facto de a dispensa da Lei Mental para as sucessões femininas se ter tornado a regra. Uma das características distintivas das práticas matrimoniais de muitas das aristocracias europeias residiu no facto de se excluir delas uma grande parte da sua filiação legítima. Práticas ancestrais e resultado das estratégias de reprodução biológica, social e cultural do grupo, o casamento e o celibato são temas cujo estudo tende a despoletar a invocação de alternativas conceptuais tais como a relação entre as determinações (ou constrangimentos) estruturais e a acção dos agentes sociais, ou entre o controle familiar e a esfera de decisão individual, ou ainda entre os interesses e as emoções (ou sentimentos). Um dos pressupostos de que aqui se parte é o da pertinência do conceito de estratégias matrimoniais, parte integrante dos comportamentos adoptados pelo grupo destinados a transmitir às gerações vindouras o poder e os privilégios herdados. Estratégias essas que não passam pela vontade consciente de todos os agentes sociais nelas envolvidos e, sobretudo, que só são possíveis porque a adequação de cada um ao papel que lhe compete é garantida não só pelo direito e pela autoridade paternal (aliás, também suportada pelo direito), mas ainda pelas disposições incorporadas, que fazem com que cada um aceite o seu destino como o destino natural. Os constrangimentos jurídicos, e em especial os que impendiam sobre as práticas sucessórias, tinham uma importância fulcral. A quase totalidade dos bens administrados pelas casas titulares tinha a natureza de bens de vínculo, ou da coroa e ordens, e estava sujeita a regras estritas de indivisibilidade, primogenitura e masculinidade (eram bens que se transmitiam por sucessão, e não por herança). Existiam mesmo casas que não tinham bens livres de raiz e eram frequentes os casos de renúncia à herança entre os titulares.
Os comportamentos matrimoniais de antanho não podem ser linearmente deduzidos do contexto jurídico-institucional em que se processavam, já que foram objecto de importantes mutações durante o período analisado sem que o referido quadro jurídico tenha sofrido alterações significativas. Importa não esquecer que a consagração institucional inequívoca da nobreza titular suscitava uma enorme procura de filhas e filhos segundos dos titulares por sucessores e sucessoras de casas da nobreza provincialou por membros do corpo mercantil e financeiro de Lisboa. Alternativas matrimoniais para a colocação dos filho(a)s que implicavam despesas mínimas para as casas existiram sempre, mas foram escassamente procuradas até um período tardio, resultando num aumento das sucessões femininas depois da primeira metade de Seiscentos, acompanhada até meados do séc. XVIII por um aumento das sucessões de secundogénitos, que depois diminuem claramente. Em todo o caso, uma tendência que nunca chega a alcançar proporções drásticas. As indicações sobre a nupcialidade da «população primária» permite concluir que uma boa parte dos sucessores e presuntivos sucessores considerados que não chegaram a casar-se morreram na infância ou pouco depois de completarem 20 anos de idade. Por outras palavras, quase ninguém escapou ou procurou escapar à obrigação de produzir sucessores para a sua casa.