sexta-feira, 16 de abril de 2010

Partir e Legar: o património da Casa Palmela

Bom trabalho o de Pedro Urbano: ‘Partilhar e Legar: o Património da Casa Palmela.’ (FCSH – UNL). A problemática acerca das elites no Liberalismo tende a centrar-se nas modificações operadas pela própria revolução liberal, que acarretou inevitáveis modificações no seio da sociedade de Antigo Regime. A historiografia tem realçado a ascensão de uma nova elite, consagrando o século XIX à burguesia. Em contrapartida, o que se verifica em relação à aristocracia é que esta, ainda em finais de Antigo Regime, vinha sofrendo um declínio económico, patente no seu endividamento crónico, que se agravou com abolição dos dízimos, dos forais e dos bens da coroa, que fizeram extinguir parte das suas fontes de receita e que colocaram em xeque o seu principal sistema sucessório. A par do declínio económico verifica-se igualmente um declínio político, com o progressivo afastamento da governação. Por outro lado, ainda que as Constituições Liberais tenham coarctado muitos dos seus poderes, suprimido os seus privilégios e derrubado o grosso dos seus rendimentos, a aristocracia conseguiu adiar até 1863 a abolição dos vínculos e morgados, iniciada em 1821; prolongar até 1910 o pariato hereditário e manter, até a essa data, os principais cargos palatinos. Para tal, poderão ter concorrido igualmente as opções políticas do próprio grupo, através da adesão ou à facção liberal ou à facção miguelista.
Contudo, ainda há muitos aspectos da elite aristocrática liberal que estão por estudar: analisar a composição do grupo e verificar se os comportamentos por ele seguidos rompem ou não, com o papel por si desempenhado durante o Antigo Regime. É indiscutível a importância que a Casa Palmela desempenhou na modelação da sociedade e economia liberais. Em finais de Antigo Regime, e embora não sendo titular, tratava-se de uma família da primeira nobreza de corte que havia consolidado a sua posição social e económica ao longo das gerações que a precederam, quer pelos cargos desempenhados, quer pela vinculação à casa de alguns morgados. A adaptação à nova ordem liberal terá permitido o acesso à titulação e a confirmação do seu poder, sobretudo se atentarmos no percurso individual do primeiro titular, D. Pedro de Sousa Holstein, a quem foram outorgados sucessivamente, os títulos de Conde, Marquês e Duque, de juro e herdade. Casou com D. Eugénia Telles da Gama, filha dos Marqueses de Nisa, casa da primeira nobreza de Corte, de quem teve uma numerosa prole. O casamento do herdeiro da casa, D. Domingos de Sousa Holstein, com D. Luísa Maria de Sampaio Noronha, filha e herdeira do Conde da Póvoa, rico financeiro, viu-se envolvido em grande celeuma, sobretudo pelo engrandecimento económico que acarretou. Desse casamento nasceriam três filhas, das quais D. Maria Luísa de Sousa Holstein, a primogénita, seria a herdeira da Casa. Do seu casamento com António de Sampaio e Pina de Brederode, segundo filho dos primeiros Viscondes da Lançada nasceriam dois filhos. A única filha sobrevivente, que viria a herdar a casa à sua morte, D. Helena Maria de Sampaio e Pina de Sousa Holstein, casou com Luís Coutinho Dias da Câmara, filho dos primeiros Condes da Praia e de Monforte. Importa perceber quais as estratégias económicas desenvolvidas por esta Casa face ao seu património em momentos-chave, como o são o da partilha dos bens decorrentes da desistência das legítimas à herança paterna nas sucessivas gerações e dos testamentos, que permitem perceber quais as preocupações do testador quanto ao destino dos seus bens, ou ainda no caso das leis de abolição dos bens vinculados, que o Liberalismo viria a concretizar.
Analisa a documentação do Arquivo da Casa Palmela referente a estes momentos de transacção de património, numa perspectiva de verificar a existência, ou não, de elementos arcaicos ou modernos na composição e disposição do património, relativamente ao período do Antigo Regime. Obviamente que o acrescentamento da Casa à data do casamento dos segundos Duques trouxe contornos singulares à forma como o património foi legado ao longo das gerações, assim como terá acontecido com a questão da abolição dos vínculos, coincidente com a morte dos segundos Duques. O estudo responde a estas questões e deixa compreender os comportamentos desta Casa em particular, além de lançar pistas importantes para o entendimento da aristocracia portuguesa no contexto do Liberalismo e para se perceber se a abolição dos privilégios que este grupo detinha, pelo menos a nível legislativo, teve de facto consequências reais para o grupo, a nível económico e social.