terça-feira, 20 de abril de 2010

Marquesa de Alorna: A ILUSTRE "ALCIPE LUSITANA"




É uma Quinta da história do século XVIII, a de Alorna, com cerca de 2.800 hectares de área, mesmo ao lado de Almeirim, num núcleo quase autónomo que funciona como uma quinta isolada, como uma comunidade independente. As vinhas ocupam 220 hectares na Charneca, as florestas (sobreiros, eucaliptos e pinheiros bravos e mansos) 1.900 hectares e as culturas agroindustriais (milho, trigo, beterraba, ervilha e tomate) 360 hectares. Arinto e Chardonnay subsistem a Fernão Pires e a Trincadeira das Pratas nas castas brancas, enquanto nos tintos, para além da Touriga Nacional, Tinta Roriz, Syrah, Cabernet Sauvignon e Alicante Bouschet, resistem a Trincadeira, Tinta Miúda e Castelão. Uma imagem renovada a pensar no crescimento no mercado é a via que a Quinta da Alorna encontrou para o Abafado 5 years, abandonou a garrafa verde escura, e, em vez dela, surge uma bordalesa de vidro claro, a deixar ver o tom acobreado do vinho. Concebido a partir da casta branca Fernão Pires, ao mosto, após um leve arranque de fermentação, junta-se aguardente vínica, preservando a quase totalidade do açúcar natural das uvas. Após o inverno, vai para barricas de carvalho francês, já usadas anos a fio, onde passa uma média de 5 anos a estagiar, aliando o mosto com a aguardente.
Mas falar da Quinta da Alorna, antes Quinta de Vale de Nabais, é empreender uma viagem encantatória pela História. O nome é o do primeiro proprietário, D. Pedro de Almeida, Vice-Rei da Índia, a quem D. João V concedeu o título de I Marquês de Alorna por actos de bravura na tomada da praça forte de Alorna, na Índia. Comprou este o Casal de Vale de Nabais em 1723, quando regressou a Portugal e fez dele o centro das suas propriedades, mudando-lhe o nome para Quinta da Alorna. O palácio de estilo sóbrio tem frente para o Tejo e ostenta o brasão dos Almeida Portugal. Ali nasceram e viveram várias gerações de Alornas, incluindo D. Leonor (1750-1839), Marquesa de Alorna.

Foi Leonor de Almeida Lorena e Lencastre, 4.ª marquesa de Alorna, e uma das mais notáveis vozes do pré-romantismo. Neta, por parte da mãe, dos marqueses de Távora, executados pela justiça do marquês de Pombal devido ao seu envolvimento numa conspiração contra o rei D. José I, é, em 1758, enclausurada no Convento de Chelas, de onde é libertada 19 anos depois, em 1777, após a queda política do marquês. A prolongada reclusão é o principal motivo para a esmerada formação literária e científica que recebe. Leituras de Rousseau, Voltaire, da Enciclopédia de Diderot e d'Alembert, abrem o seu espírito vivo e inquieto às ideias do iluminismo francês. Casa com o conde de Ovenhausen, oficial alemão que viaja pela Europa, do qual fica viúva aos 43 anos. Apesar das dificuldades económicas que a viuvez lhe acarreta, a sua residência transforma-se num foco de ebulição cultural, onde se debatem as novas ideias políticas e também as novas correntes estéticas e literárias. Bocage e Alexandre Herculano, em períodos diferentes, são dois dos frequentadores do seu salão.
Foi considerada a “Madame de Stael” portuguesa. Espírito inquieto, ágil, lúcido, aberto a todas as preocupações do seu tempo, literárias e até científicas e políticas. Adotou na Arcádia o nome de Alcipe. Traduziu a Arte Poética de Horácio e o Ensaio sobre a Crítica de Pope. As suas obras foram publicadas em 1844 em seis volumes com o título genérico de Obras Poéticas. Trabalha em traduções do latim (a Arte Poética, de Horácio, por exemplo), do alemão (textos de Christoph Wieland), do inglês (o Ensaio sobre a Crítica, de Alexander Pope) e do francês (textos de Lamartine), cultiva a epistolografia (Cartas a Uma Filha Que Vai Casar) e escreve poesia. Recreações Botânicas, poema em 6 cantos dedicado às «Senhoras Portuguesas», prenuncia já o sentimentalismo romântico que avassalará a literatura anos mais tarde. A sua poesia está reunida nos 6 volumes das Obras Poéticas da Marquesa de Alorna (1844).

Resta-lhe ir um destes fins-de-semana até à Quinta, deixar-lhe aquecer no morno do pôr-do-sol, lançar o coração ao ar límpido dos verdes ribatejanos e possuir-se por uma das suas mais belas estrofes: "Cantarei um dia da tristeza por uns termos tão ternos e saudosos, que deixem aos alegres invejosos de chorarem o mal que lhes não pesa."