sábado, 10 de abril de 2010

"História de Portugal", de Rui Ramos

Imperdível a "História de Portugal", de Rui Ramos. 900 anos de história do país, com releituras heterodoxas da crise de sucessão de 1383-85, a expansão ultramarina ou a Revolução Liberal de 1820. RR analisa a construção desses 900 anos: a "inerradicável" pluralidade do país. RR prefere o termo "identidade portuguesa" a " identidade nacional". Não a coloca como identidade pela positiva ou pela negativa ("contra Castela", "contra os reinos mouros"), mas concorda que todas as identidades são construídas contra: somos alguma coisa porque não somos outra coisa que existe ao lado. Quando se fala na nossa identidade, não é a identidade negativa - somos portugueses porque não somos espanhóis - que perturba: o que perturba é interrogarmo-nos sobre o nosso destino. Já se tentou criar uma identidade providencialista, sebastianista. Já se discursou sobre os portugueses estarem destinados a criar o Quinto Império. Com o salazarismo, éramos o povo capaz de criar sociedades luso-tropicalistas, na Expo-98 fomos os pioneiros da globalização... É por não encontrarmos uma "missão" que surge o discurso da decadência. Ora o que esta "História de Portugal" mostra que os portugueses foram portugueses de várias maneiras. Temos uma história comum e expressamo-nos na mesma língua. Portugal nunca teve um problema de identidade como outros. Nunca houve alternativas diferentes da que foi sendo gerada pelo poder político. Nunca existiram identidades regionais fortes e houve uma homogeneização religiosa - os muçulmanos desapareceram, os judeus foram obrigados a converter-se -, sendo que a religião nunca foi um factor de separação face aos nossos vizinhos. Mesmo hoje não temos grandes comunidades de outras religiões ou de outras etnias para que possamos testar aquele lugar-comum de que os portugueses não são racistas.
O que é que alguém que queira pensar Portugal hoje pode retirar da História? Portugal não começou ontem, existem condicionantes que vêm do passado, algumas soluções já foram tentadas no passado (como os programas desenvolvimentistas de obras públicas) e não resultaram. Mas a história é importante para percebermos a nossa inerradicável pluralidade. Não permite um discurso uniformizador sobre "o português"...
Livros como "O Medo de Existir", de José Gil? Têm a ver com a dificuldade em compreender as obras que passam por uma antropomorfização de Portugal. Há dez milhões de portugueses, logo há dez milhões de maneiras diferentes de se ser português. A alternativa a esse discurso é uma História de Portugal que não procura uma explicação filosófica geral. Temos muitas coisas comuns, mas o fado é de Lisboa e o vinho verde tinto é do Norte Litoral. Não tentemos esconder a pluralidade nem substituí-la por uma qualquer leitura secular do velho providencialismo divino. Não podia concordar mais.