domingo, 18 de abril de 2010

O Ribatejo e as lutas rurais de 1911

Um dos pilares do século XIX português é o Partido Republicano.
(O.M.) [...] um partido que tem como programa, única e absolutamente, a substituição do poder executivo do rei pelo poder executivo dum presidente da República, bem se pode dizer que é uma flor singular desabrochada por excepção neste famoso jardim da Europa à beira-mar plantado [...].
O Ribatejo, não só pela sua localização como pelo Tejo — uma das mais importantes «estradas» do País —, tinha contactos estreitos com operários particularmente activos no movimento (fragateiros, carregadores, carroceiros). O seu conhecimento do movimento operário é considerável e possui, desde o início da República, uma tradição de luta entre trabalhadores rurais e lavradores. Associado a estes factos, e contribuindo ainda mais para o seu peso, o Ribatejo, desde o século XIX, tinha uma agricultura de cunho capitalista (cuja expressão mais saliente será a Companhia das Lezírias), com um proletariado agrícola coeso e consciente da sua força e poder reivindicativo. Ambas as partes sabiam com que contar do movimento rural que atravessou o Ribatejo: ambas as partes — proletariado agrícola e lavradores — se conheciam bem, e, por isso, terá havido um aproximar dos extremos: o proletariado não elevou demasiado as suas exigências salariais e os proprietários, ao aceitarem as reivindicações operárias, tomaram uma posição que foram depois
mantendo ao longo do ano. Nas lutas rurais de 1911, concelhos há em que o salário reivindicado não vai além dos 240, 300 réis/dia, como é o caso de Santarém, Vale de Figueira, Almeirim, Alpiarça, Casével ou Golegã, com uma pequena amplitude salarial que se verifica entre os períodos do ano de menor e maior trabalho.
O capitalismo penetrou muito cedo no Ribatejo porque a viticultura e a horticultura se implantaram, garantindo o emprego permanente, o que levava a que as crises de trabalho não fossem tão frequentes nem tão profundas como no Alentejo. Será este facto — maior garantia de trabalho e concomitante redução do número de trabalhadores eventuais, para além da importância dos seareiros — que explica a reivindicação de um salário mínimo relativamente baixo e a manutenção de baixos valores mesmo nas épocas altas de trabalho. É frequente a reivindicação de que máquinas agrícolas, como as ceifeiras, gadanheiras e outras, só possam ser utilizadas a partir de determinada distância das localidades, como em Casével, onde as ceifeiras e outras máquinas só podem estar nos campos mais afastados. Esta reivindicação assume a maior importância. A consciência do colectivo que ela demonstra torna mais clara o nível de organização que as greves dos trabalhadores rurais têm desde o início e a orientação da sua luta. Esta característica desenvolve-se aquando da 2ª greve de Dez. 1911 e vai contribuir, de forma determinante, para o esqueleto ideológico e a forte unidade de acção, com uma importância decisiva no peso que, durante os 3 ou 4 primeiros anos de República, terá na cena política o sindicalismo rural. A primeira greve dos trabalhadores rurais desenvolveu-se em duas frentes afastadas espacialmente, mas quase coincidentes ao nível temporal. A primeira área abrangeu o vale do Tejo, desde a Chamusca até Lisboa, com o centro em Santarém, e acabou por ser o exemplo das paralisações e das reivindicações apresentadas em todo o País. O que se compreende, já que o distrito de Santarém, para além de deter a primazia por ser a capital, encerrava em si — pela posição junto do rio Tejo, uma importante via de comunicação com Lisboa —, uma interpenetração de proletariado rural e urbano, em que este forçosamente dava um apoio dinâmico e porventura ideológico.
Uma das particularidades do movimento ruralista ribatejano é que, na maior parte dos locais, logo na primeira vaga de greves, são os administradores que acabam por compelir os trabalhadores à formação de associações: um grupo de trabalhadores chegava à administração ou à autoridade local e declarava querer apresentar x reivindicações e, caso estas não fossem aceites, entrariam em greve; era-lhes dito que tal não podia acontecer, pois não existia uma associação de classe. O que levou a que se formassem, de imediato, as associações, se nomeassem comissões e a que processo ganhasse uma certa organização (vd. episódios relatados pelo Debate, de Santarém).
É vulgar que, nas movimentações maiores, ou onde os grevistas assumem uma postura de maior intransigência, a GNR ou o Exército intervenham e façam prisões (ex. Azeitão, Azinhaga, Coruche, Golegã, Santarém, Reguengos e Vila Franca de Xira). Por regra, os trabalhadores só reagiam quando eram intimidados, ou quando se tentava furar as greves com trabalhadores de fora (ex. Cabrela (Vendas Novas), onde, perante as ameaças do administrador, este foi sequestrado pelos trabalhadores, vendo-se obrigado a fugir por uma janela; ou, Castro Verde, onde o Exército intervém para manter a ordem, pois os trabalhadores locais obstavam a que os ceifeiros algarvios saíssem para o trabalho durante a greve). A repressão e o clima de intimidação mantém-se, assim como o conluio, cada vez mais evidente, entre as autoridades e os proprietários na falta do cumprimento do acordado. As organizações dos trabalhadores rurais adensam fileiras e distanciam-se da República, recusando as soluções de espera que os sectores moderados (como os socialistas), propunham, e o anarco-sindicalismo vai passar a influenciar decisivamente o movimento, criando desse modo uma forma de actuação bem marcada. A imprensa e as acções dos trabalhadores após os movimentos do proletariado rural proclamam em uníssono que as ilusões se desfizeram, os sonhos se dissiparam e que nada há a esperar da República, que apenas deseja acautelar os interesses dos burgueses que a constituem. Os messias tinham acabado, e restava a sua organização autónoma e manter viva a luta - esta é a declaração de intenções dos trabalhadores rurais ribatejanos que não deixaram cair os braços ante a queda do sonho republicano.