domingo, 25 de abril de 2010

Portugueses exilados no Brasil ... até ao 25 de Abril de 74



“Fui sempre um exilado, mesmo antes de sair de Portugal” (Sena, 1978). Numa sociedade vigiada como a de Portugal salazarista, onde a ideologia oficial se intrometia em todos os domínios da vida social, impõe-se perguntar quando começa o exílio: no momento da partida ou antes? Claro que o regime se sustentou pela força policial e pela repressão, mas a mentalidade dominante e que concebeu um ultranacionalismo imperialista
de inspiração conservadora e tradicional não podem ser menosprezadas. Os portugueses exilados no Brasil, a maior parte nascidos entre as décadas de 1920-1930, privaram com um sistema educacional direccionado para a inculcação de uma mentalidade oficial e nacional-colonial. Para os que militavam na oposição, o exílio inicia-se em Portugal, pelo contacto com os movimentos que emergiram no decorrer e no Pós-Guerra, como o MUNAF (Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista), o MUD (Movimento de Unidade Democrática) e o MND (Movimento Nacional Democrático), ou por relações próximas com intelectuais contrários ao regime. As formas de expulsão desses opositores foram as mais variadas. A falta de perspectivas profissionais decorria do compromisso com actividades políticas, sendo alvo de exclusões (muito comuns na carreira universitária) ou da censura (artistas, jornalistas e escritores). O quotidiano vigiado e a repressão selectiva produziam situações de medo e insegurança, e sobretudo um distanciamento que fez com que muitos se identificassem como um tipo singular de imigrante no Brasil. Não eram “imigrantes económicos”, como a maioria dos portugueses da “colónia”, mas “imigrantes políticos”; ou mesmo não eram “colónia”, mas “diáspora”; por fim, não eram simplesmente “imigrantes”, mas “exilados”. Além disso, eram “portugueses”, o que significava estarem imersos num universo de significados próprios das relações históricas e ambíguas entre o Brasil e Portugal. Os “exilados”, assim que chegavam ao Brasil, acentuadamente entre as décadas de 1950 e 1960 no caso do Portugal Democrático, deparavam-se de imediato com um discurso de propaganda “oficial” amplamente difundido junto das “colónias” de imigrantes portugueses. Esse discurso atribuía um papel “heróico” ao emigrante no suposto “destino migratório” do país, mas, sobretudo, operava uma justaposição entre patriotismo e apoio ao governo - discurso que por sua vez posicionava os opositores do regime como “antipatriotas” ou “traidores”. Além do discurso “oficial”, os anti-salazaristas defrontavam-se, ainda, com um quadro de acções estruturado desde a década de 1930, que vinculava a embaixada portuguesa no Rio de Janeiro e os consulados regionais, como o de São Paulo, aos órgãos “oficiais” do governo português, exercendo vigilância e controle. Assim, durante todo o período da resistência no exílio, o dia 5 de Outubro, data da Revolução Republicana, foi comemorado ano após ano, como “uma jornada de esperança” na transformação de Portugal e, no final de cada acto, enunciava-se a sentença republicana “antes quebrar do que torcer”, traduzindo a incontinência de convicções.
Os opositores do pós-guerra (incluindo aqueles que exilaram) singularizam-se pela sua diversidade. Eram militantes comunistas, socialistas, anarquistas, liberais republicanos, monarquistas e, após as eleições portuguesas de 1958, dissidentes que surgem do interior do próprio regime. Os opositores que se reuniram em torno do Portugal Democrático tinham essa peculiaridade. Contava-se entre eles republicanos como João Sarmento Pimentel e Jaime Cortesão, simpatizantes do socialismo como Adolfo Casais Monteiro e Maria Archer, e uma maioria de comunistas. A oposição no exílio contou com o apoio militante e voluntário de um número expressivo de operários, técnicos e funcionários, além de intelectuais, escritores e jornalistas, que deram uma significativa contribuição à cultura e à sociedade brasileira, pela sua actuação nas universidades e nos meios artísticos e literários.
A característica dominante, numa primeira fase, foi a produção de categorias diferenciais em relação à interpretação da situação migratória do português no Brasil, distanciando-se das demais trajectórias migrantes, através de uma auto-atribuição como “exilados” ou “emigrantes políticos”, em contraposição aos contingentes de “emigrantes económicos”. As críticas eram direccionadas, sobretudo, à difusão da propaganda do regime no Brasil, bem como às manifestações públicas de apoio organizadas pelos “comendadores” – frente às quais se questionava a representatividade dessas lideranças junto aos imigrantes.
Os acontecimentos decorrentes das eleições de 1958, quando Humberto Delgado se apresentou como candidato pela oposição unificada em Portugal, permitiram a divulgação da “questão portuguesa” nos meios de comunicação brasileiros, e forçaram ao exílio muitos dos participantes directos da campanha, incluindo intelectuais, artistas, jornalistas e académicos. O êxito que conseguiram ao estabelecerem uma unidade da oposição no exílio permitiu ao movimento estender-se em redes internacionais, decorrência directa dos contactos mantidos em diversas partes do mundo, para os quais foram determinantes os vínculos já estabelecidos pelo PCP. A vinda de destacadas lideranças políticas para o exílio no Brasil, como Humberto Delgado, e Fernando Queiroga, em 1959, e Henrique Galvão, em 1961, teve um efeito definitivo sobre a discussão acerca dos papéis da oposição exilada, mas foi a “questão colonial” o tema que produziu as maiores cisões na unidade alcançada pela oposição no exílio.
Salazar tinha grande interesse em conseguir o apoio do Brasil para a sua política colonial, face às pressões internacionais e às condenações que vinha a sofrer, até por uma questão simbólica. O Brasil tinha sido uma ex-colónia de Portugal, o que legitimava o discurso da “irmandade”, a constituição de uma “comunidade de sentimentos” entre países de língua portuguesa e, por conseguinte, a presença de Portugal - pelo passado histórico comum e pela língua - nos territórios africanos. O discurso do Chanceler português Franco Nogueira, de 21.Jul.1964, sintetizava-o: “Nós não pomos limites à colaboração com o Brasil e pensamos, ao contrário, que quanto mais estreita, mais profunda e mais ampla for essa colaboração tanto melhor será para os interesses do Brasil e de Portugal. De tudo o que dizemos ao Brasil nesta linguagem temos em mente uma vasta Comunidade de mais de cem milhões de habitantes ...”. Do lado brasileiro, o Presidente Marechal Castelo Branco defendia uma alternativa neo-colonial na formação da Comunidade Afro-Luso-Brasileira, revelando os interesses do regime militar brasileiro, nessa ocasião, em credenciar-se como “natural” mediador no processo de “independência” das então colónias portuguesas em África. Os portugueses posicionaram-se como um dos poucos, talvez único, contingentes de imigrantes que chamaram a atenção para uma série de paradoxos e ambiguidades das relações e dos tratados de colaboração e amizade entre o Brasil e Portugal, consagrados em 1972, assim como das retóricas da “irmandade” e do “luso-tropicalismo”. Na longa história de imigração dos portugueses no Brasil, este núcleo talvez tenha sido o único a enfatizar as diferenças e as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes na sociedade brasileira, ao contrário das semelhanças e do sucesso na “aventura migratória”, como a maioria (das bem sucedidas) lideranças migrantes.
Com o fim do Estado Novo, muitos dos exilados retornam a Portugal e procuram participar nas mobilizações decorrentes do 25 de Abril, seguindo orientações partidárias e programáticas diversas, emergentes do processo revolucionário e de re-democratização da sociedade portuguesa. Mas outros, uma parcela considerável, não deixa o Brasil e funda, em 1982, o Centro Cultural 25 de Abril (CC25A), em São Paulo. Desde então, a celebração anual do aniversário da Revolução e a participação activa nas questões políticas que envolvem os imigrantes portugueses no Brasil têm sido constantes, agora num contexto de regime democrático e pós-colonial.