domingo, 18 de abril de 2010

Maria Veleda: feminista, republicana, livre-pensadora



(Observatório do Algarve) Professora, feminista, republicana, livre-pensadora e espiritualista, adoptou o nome de guerra “Maria Veleda” (nasceu Maria Carolina Frederico Crispim, em Faro-1871). Está patente, até final deste mês, no âmbito das comemorações do Centenário da República, em Lagos, a Exposição “Entre República & Republicanas. Percursos e Imagens” nos Antigos Paços do Concelho, que versa sobre as várias personalidades femininas da República, sobretudo Maria Veleda. De família burguesa, o pai tinha ascendentes britânicos e era personalidade com relevo na vida social e cultural de Faro, mas faleceu em 1882, deixando a família em dificuldades, pelo que a jovem Maria Carolina, decidiu, aos 15 anos, conquistar autonomia de vida. Dedicou-se ao ensino e deu explicações particulares. Em 1896 vai para Lisboa, com um filho adoptado 5 anos antes e em 1899 tem um filho com o escritor Cândido Guerreiro, com quem no entanto decidiu não casar. De acordo com a biografia escrita pela historiadora e investigadora Natividade Monteiro, MV foi uma mulher pioneira na luta pela educação das crianças e os direitos das mulheres e na propaganda dos ideais republicanos, destacando-se como uma das mais importantes dirigentes do primeiro movimento feminista português. Como escritora, estreou-se na imprensa algarvia e alentejana com a publicação de poesia, contos e novelas, versando depois temas feministas e educativos. Foi defensora da educação laica e integral, em que se aliassem a teoria e a prática, a liberdade, a criatividade, o espírito crítico e os valores éticos e cívicos, na linha da escola moderna de Francisco Ferrer.
A «Liga Republicana das Mulheres Portuguesas» fundou em 1909, por sua iniciativa, a «Obra Maternal» para acolher e educar crianças abandonadas ou em perigo, instituição que se manterá até 1916, graças à solidariedade e às receitas obtidas em saraus teatrais, cujas peças dramáticas e cómicas MV também escrevia e levava à cena. Em 1912 é nomeada Delegada de Vigilância da Tutoria Central da Infância de Lisboa, que recolhia crianças desamparadas, pedintes ou delinquentes, cargo que ocupou até 1941.
Numa sociedade conservadora e pouco aberta à mudança, iniciou, nos primeiros anos do século XX, um dos maiores combates da sua vida: defender a igualdade de direitos jurídicos, cívicos e políticos entre os sexos. Consciente da situação de desigualdade em que as mulheres viviam na época, confinadas à esfera doméstica, por razões económicas, sociais e culturais, criou cursos nocturnos no Centro Republicano Afonso Costa, onde era professora do ensino primário, e nos Centros Republicanos António José de Almeida e Boto Machado. A intenção, para lá de ensinar a ler e a escrever, era educar civicamente e dotar as alunas para o exercício de uma profissão e a participação na vida política.
Entre 1910 e 1915, foram os anos de luta pelo sufrágio feminino, como dirigente da «Liga Republicana das Mulheres Portuguesas» e das revistas A Mulher e a Criança e A Madrugada. Combateu a prostituição, sobretudo, a de menores, e o direito de fiança por abuso sexual de crianças. Fundou também o “Grupo das Treze” para combater a superstição, o obscurantismo e o fanatismo religioso que afectava sobretudo as mulheres e as impedia de se libertarem dos preconceitos sociais e da influência clerical.
Convertida ao livre-pensamento, foi iniciada na Maçonaria em 1907, aderindo também aos ideais da República, dos quais foi uma das maiores defensoras.
O combate à monarquia e ao clericalismo valeu-lhe a condenação por abuso de liberdade de imprensa, em 1909, além das constantes perseguições e ameaças de morte, movidas por alguns sectores católicos e monárquicos mais conservadores. Depois da implantação da República, integrou o Grupo Pró-Pátria e juntou-se aos conspiradores na preparação do golpe revolucionário que destituiu o governo ditatorial do General Pimenta de Castro. Envolveu-se na propaganda a favor da entrada de Portugal na 1ª. Guerra Mundial e filiou-se no Partido Democrático e fundou a «Associação Feminina de Propaganda Democrática», cuja acção terminou em 1916, em nome da “União Sagrada” de todos os portugueses, na defesa dos interesses da Pátria ameaçada. Desiludida com a actuação dos governos republicanos que não cumpriram as promessas de conceder o voto às mulheres nem souberam orientar a República de modo a estabelecer as verdadeiras “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”, abandonou o activismo político e feminista em 1921, após os acontecimentos da “noite sangrenta”em que fundadores da República foram assassinados..
Fez-se jornalista do Século e de A Pátria de Luanda, onde continuou a defender os ideais feministas e republicanos que sempre a nortearam. Preocupada com o sentido da existência humana, aderiu ao espiritismo filosófico, científico e experimental. Fundou o «Grupo Espiritualista Luz e Amor» e, em 1925, dinamizou a organização do I Congresso Espírita Português e participou na criação da Federação Espírita Portuguesa.
Para a historiadora Natividade Monteiro “Maria Veleda dedicou a vida aos ideais de justiça, liberdade, igualdade e democracia e empenhou-se na construção de uma sociedade melhor, onde todos pudessem ser felizes. Semeou ideias, iniciou processos de mudança nas práticas sociais e lançou o debate sobre os lugares, os papéis e os poderes de mulheres e homens num mundo novo”.