Razão tem o Manuel Villaverde Cabral. "Uma das mais notáveis das transformações sociais operadas silenciosamente pelo 25 de Abril foi a que se verificou na condição das mulheres portugueses. Uma mudança que trouxe alterações profundas nos padrões demográficos, cuja origem material se situa no novo lugar que mulheres conquistaram, após a revolução, nos sistemas de trabalho e de ensino. Não que as elas não trabalhassem antes do 25 de Abril, mesmo como assalariadas. O que mudou foi a percepção do lugar da mulher na sociedade, sendo simbólica a queda brusca do número de mulheres que passaram a declarar-se como domésticas nos Censos e nos inquéritos sobre o emprego. Foi tudo isto que fez com que Portugal seja hoje um dos países da UE onde a percentagem de mulheres activas é mais elevada.
A alteração do lugar da mulher na sociedade trouxe consigo, portanto, uma mudança drástica dos comportamentos familiares e demográficos tradicionais, desde a taxa de natalidade até ao casamento e ao divórcio, fenómenos que têm nas mulheres, evidentemente, o seu grande protagonista. E quando as mudanças culturais trazidas por uma revolução se inscrevem, como de facto se inscreveram, no próprio tecido demográfico – alterando as relações entre homens e mulheres, entre pais e filhos e entre gerações – isso mostra não só a profundidade do movimento político, como também a sua capacidade para modernizar uma sociedade conservada no frigorífico, por assim dizer, por uma ditadura arcaica.
Em combinação com esta alteração radical dos padrões demográficos, que colocou a taxa de fecundidade das mulheres portuguesas entre as mais baixas do mundo, a virtual universalização do sistema público de saúde após o 25 de Abril contribuiu decisivamente para reduzir de forma igualmente drástica a mortalidade infantil e, ao mesmo tempo, para aumentar a esperança de vida, indicadores estes que se contam hoje entre os mais favoráveis do mundo, sobretudo a mortalidade infantil. São dimensões, por assim dizer subterrâneas, do processo de modernização societal encetado pela revolução social associada à democratização do sistema político. É importante não o esquecer, como agora tende a acontecer por vezes.
Porém, esta modernização entra frequentemente em contradição com instituições cuja adaptação ficou manifestamente aquém da evolução verificada a nível demográfico e familiar. O exemplo mais evidente, porventura, de uma instituição que ficou para trás é o sistema de crenças religiosas, no nosso caso predominantemente católicas; outro é o das estruturas judiciais, para citar apenas dois domínios cuja evolução não acompanhou as transformações sociais e culturais. Neste contexto, é particularmente chocante, mas paradigmático, o manifesto atraso da legislação respeitante à interrupção voluntária da gravidez em Portugal, o qual se deve, como é bem conhecido, à pusilanimidade das autoridades políticas ante o controlo que a igreja católica pretende manter sobre a orientação da sociedade aos valores morais.
Algo de equivalente sucede com as estruturas judiciais, que não acompanharam, por exemplo, o reconhecimento jurídico expedito do divórcio por mútuo consentimento, mostrando-se incapazes de garantir a execução de medidas tão básicas quanto as pensões alimentares, como se desconhecessem o facto de, hoje em dia, cerca de um terço dos novos casamentos estar destinado ao divórcio num prazo de cinco anos. A relutância ou incapacidade judicial para defender as crianças das mães separadas podem estar a contribuir de forma perversa para a diminuição da natalidade, em contradição com a ideologia natalista prevalecente a nível do Estado e da própria sociedade."
A alteração do lugar da mulher na sociedade trouxe consigo, portanto, uma mudança drástica dos comportamentos familiares e demográficos tradicionais, desde a taxa de natalidade até ao casamento e ao divórcio, fenómenos que têm nas mulheres, evidentemente, o seu grande protagonista. E quando as mudanças culturais trazidas por uma revolução se inscrevem, como de facto se inscreveram, no próprio tecido demográfico – alterando as relações entre homens e mulheres, entre pais e filhos e entre gerações – isso mostra não só a profundidade do movimento político, como também a sua capacidade para modernizar uma sociedade conservada no frigorífico, por assim dizer, por uma ditadura arcaica.
Em combinação com esta alteração radical dos padrões demográficos, que colocou a taxa de fecundidade das mulheres portuguesas entre as mais baixas do mundo, a virtual universalização do sistema público de saúde após o 25 de Abril contribuiu decisivamente para reduzir de forma igualmente drástica a mortalidade infantil e, ao mesmo tempo, para aumentar a esperança de vida, indicadores estes que se contam hoje entre os mais favoráveis do mundo, sobretudo a mortalidade infantil. São dimensões, por assim dizer subterrâneas, do processo de modernização societal encetado pela revolução social associada à democratização do sistema político. É importante não o esquecer, como agora tende a acontecer por vezes.
Porém, esta modernização entra frequentemente em contradição com instituições cuja adaptação ficou manifestamente aquém da evolução verificada a nível demográfico e familiar. O exemplo mais evidente, porventura, de uma instituição que ficou para trás é o sistema de crenças religiosas, no nosso caso predominantemente católicas; outro é o das estruturas judiciais, para citar apenas dois domínios cuja evolução não acompanhou as transformações sociais e culturais. Neste contexto, é particularmente chocante, mas paradigmático, o manifesto atraso da legislação respeitante à interrupção voluntária da gravidez em Portugal, o qual se deve, como é bem conhecido, à pusilanimidade das autoridades políticas ante o controlo que a igreja católica pretende manter sobre a orientação da sociedade aos valores morais.
Algo de equivalente sucede com as estruturas judiciais, que não acompanharam, por exemplo, o reconhecimento jurídico expedito do divórcio por mútuo consentimento, mostrando-se incapazes de garantir a execução de medidas tão básicas quanto as pensões alimentares, como se desconhecessem o facto de, hoje em dia, cerca de um terço dos novos casamentos estar destinado ao divórcio num prazo de cinco anos. A relutância ou incapacidade judicial para defender as crianças das mães separadas podem estar a contribuir de forma perversa para a diminuição da natalidade, em contradição com a ideologia natalista prevalecente a nível do Estado e da própria sociedade."