quinta-feira, 22 de abril de 2010

No caminho do Sonho Lusófono



Desde que fundámos a Academia de Estudos Laicos e Republicanos, o tema da lusofonia foi-se impondo. De cada vez que se fala na História de Portugal, o Eugénio Ferreira insurge-se porque nos esquecemos da adequação-causalidade entre a história dos outros países que falam a mesma língua e que não incluimos nos discursos. A bem dizer, tenho-me juntado, progressivamente, a esse que é o grande sonho da lusofonia. Digo ‘sonho’, porque é algo que sai do real que abordamos todos os dias e que parece pertencer, não à memória de todos, mas mais ou até somente às daqueles que nasceram ou viveram por lá. Confesso que não conheço a cultura africana, embora o Eugénio me vá despertando para essa amnésia colectiva, sobretudo para os que nunca sentiram a alma africana, mas ainda não a vejo como real, embora entenda que todo o real pode começar por ser um sonho na cultura e depois tornar-se uma concretização cultural. Na era da economia-mundo, parece impor-se, cada vez mais, a ideia de que as alianças e as solidariedades humanas se erguem sobretudo pela força da economia, pelos compromissos políticos e pelo cosmopolitismo técnico-científico. Mas, estou convencida de que os mercados e a economia são lugares mais vocacionados para o incremento de concorrências do que de solidariedades. Nesta era de globalização da economia e dos mercados, começo a convencer-me que faz sentido, mais do que nunca, inverter o aforismo de Marx e acentuar a ideia de que as verdadeiras infra-estruturas da sociedade são ‘cosa mentale’, coisa sonhada, e não propriamente estruturas económicas, mercados e tecnologias. Vejo-me tendente a acreditar que não se pode construir uma comunidade viva de coisas mortas, mas que só possível construir uma Comunidade Lusófona a partir de um imaginário plural, comum a todas as sub-comunidades nela integradas, ou seja, a partir das suas culturas. E aí está a razão que me leva a pensar que também a lusofonia só poderá entender-se como espaço de cultura. E como espaço de cultura, a lusofonia não pode deixar de nos remeter para aquilo que podemos chamar o indicador fundamental da realidade antropológica, ou seja, para o indicador de humanização, que é o território imaginário de paisagens, tradições e língua, que da lusofonia se reclama, e que é, enfim, o território dos arquétipos culturais, um inconsciente colectivo lusófono, um fundo mítico de que se alimentam sonhos. As figuras de lusofonia e de comunidade lusófona não podem, pois, remeter para um imaginário único, e sim, obrigatoriamente, para múltiplos imaginários lusófonos. O que os portugueses entendem por lusofonia só em parte poderá coincidir com aquilo que o Brasil, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo-Verde, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Galiza imaginam e concebem como tal. Com efeito, o imaginário lusófono tornou-se, definitivamente, o imaginário da pluralidade e da diferença. Por essa razão, se quisermos dar sentido à “galáxia lusófona”, não podemos deixar de a viver como inextricavelmente portuguesa, brasileira, angolana, moçambicana, guineense, cabo-verdiana, são-tomense ou timorense. Ou seja, o espaço cultural da lusofonia é um espaço necessariamente fragmentado. E a comunidade e a confraternidade de sentido e de partilha comuns só podem realizar-se pela assunção dessa pluralidade e dessa diferença e pelo conhecimento aprofundado de uns e de outros.