A vida humana (não a vida biológica) é vida construída, que se faz todos os dias. É uma tarefa. A vida animal tem todos os mecanismos de regulação – o sistema de instintos. Os instintos no homem são muito limitados. Em compensação, o homem tem a faculdade da imaginação, o poder mental de descobrir horizontes, a capacidade de projectar o seu percurso, de se projectar, como diria Sartre. É este pormenor que permite distinguir o que o homem é e quem é. Este simples enunciado faz a diferença.
O que o homem é procede de seus pais, avós, antepassados e dos elementos que integram o cosmos (oxigénio, hidrogénio, carbono…). Quem é o homem procede da educação, formação, cultura, hábitos, usos e costumes em que cresceu e se desenvolveu. Ora, desprovido de um sistema de instintos que regule a sua praxis, o homem decide, em cada momento da sua vida de acção, o que fazer. Com efeito, tem que optar entre múltiplas possibilidades que se lhe apresentam. A opção é um acto livre. Se, como dizia Karl Jaspers, «o homem é um ser a caminho», é naturalmente um ser livre, como dizia Jean-Paul Sartre. Portanto, se o homem é um ser naturalmente livre, poderá renunciar à sua liberdade? Obviamente, que não.
Vejamos: se me predisponho a aceitar ou a fazer o que determinada pessoa, ou grupo, me impõe, não estarei a hipotecar a minha liberdade? Se calhar, não. Se me decido a isso é porque já tenho essa predisposição. É um acto inquestionável da minha liberdade de que não posso renunciar. A liberdade é irrenunciável. Digamos que há vários patamares de liberdade. Três exemplos: a) Se a vida profissional de um homem depende de outro homem, a liberdade daquele está limitada aos humores deste. Mas ele pode dizer não a todo o momento e, quando o faz, pratica um acto de liberdade, mas isso pode custar-lhe o emprego. b) O homem pode não ter recursos para a sua subsistência e isso pode fazer com que abdique de parte da sua liberdade, colocando-se à disposição de terceiros. Mas pode dizer não, nem que isso agrave mais a sua situação. c) Pode viver numa situação política que não lhe permita a liberdade de decisão, de expressão, de movimentos. Mas pode dizer não, sofrendo as consequências de tal decisão.
Nestes casos paradigmáticos e exemplares, o homem é sempre livre. A todo o momento, ele pode renunciar ao conforto de um bom emprego, pode não aceitar as condições e os termos do trabalho que os outros lhe impõem, e, consciente da sua atitude, pode tudo questionar e começar tudo, de novo. Como dizia Sinatra, à sua maneira. Mesmo que, em casos limite, isso lhe custe a sua própria forma de vida e de estar. O homem pode sempre exercer e invocar a sua liberdade. Uma coisa é ter liberdade de acção e de movimentos, outra é ser verdadeiramente livre. Porque penso exactamente assim, exerço uma atitude de liberdade. Porque a liberdade é uma atitude, um acto de consciência.
Posso, num certo momento, estar privado da minha liberdade, o que não significa que não seja um homem livre. Ainda que fique condenado, calado, que ignore ou que não responda, não quer dizer que esteja prisioneiro. Isso tem a ver, sobretudo, com a força bruta que limita a minha liberdade. Quem me condena, limita a minha acção ou me humilha pode ser bem menos livre do que eu. Posso estar preso, e, consciente dos meus actos, sentir-me mais livre que o Juiz que me condenou. Um homem livre não é o que, em determinado momento, detém o poder e que, pela força e autoritarismo, oprime e limita os movimentos, as decisões, o livre arbítrio do outro; nem sequer é aquele que, sob a capa do poder e do saber, de modo ignorante e autoritário, subjuga o outro, limitando-o na sua acção, preterindo-o, negligenciando-o, humilhando-o.
Façam os ditadores o que fizerem, nunca conseguirão apoderar-se do OUTRO. A liberdade é constitutiva do ser humano, o que faz com que o homem seja um ser responsável. Porque sou livre, sou responsável. A liberdade é um postulado da responsabilidade. Porquanto, ao saber-se responsável, o homem sente que está sujeito ao cumprimento de deveres. Para assumir os deveres inerentes à sua condição e à sua prática, o homem só pode ser livre. Se não fosse livre, como se responsabilizaria pelos seus actos? Quando, autoritariamente, é imposto a alguém que pratique determinado acto, a responsabilidade deste acto não cabe ao executante, mas sim àquele que o ordenou. É simples. Só não vê, ou compreende, quem não quer ou é ignorante. Liberdade e responsabilidade caminham a par, são absolutamente inseparáveis. O que acontece é que ao longo da história, a liberdade tem conhecido muitos adversários. Os seus verdadeiros opositores têm o mesmo problema: um déficit de liberdade. Não sabem ser livres, recusam-se a ser livres, e temem que os outros o sejam, pela impossibilidade de comunicar e de compreender a liberdade dos outros. Aquele que oprime, mais tarde ou mais cedo, acaba por ser igualmente oprimido, até porque a sua graduação de oposição difere da dos seus comparsas. Ou porque oprime de mais ou de menos. In extremis, os outros porão em causa a forma como se opõe.Cada homem só é livre e responsável se o outro também o for, na mesma medida. E a medida é coisa óptima (António Pinela, Reflexões, Novembro de 2003).
O que o homem é procede de seus pais, avós, antepassados e dos elementos que integram o cosmos (oxigénio, hidrogénio, carbono…). Quem é o homem procede da educação, formação, cultura, hábitos, usos e costumes em que cresceu e se desenvolveu. Ora, desprovido de um sistema de instintos que regule a sua praxis, o homem decide, em cada momento da sua vida de acção, o que fazer. Com efeito, tem que optar entre múltiplas possibilidades que se lhe apresentam. A opção é um acto livre. Se, como dizia Karl Jaspers, «o homem é um ser a caminho», é naturalmente um ser livre, como dizia Jean-Paul Sartre. Portanto, se o homem é um ser naturalmente livre, poderá renunciar à sua liberdade? Obviamente, que não.
Vejamos: se me predisponho a aceitar ou a fazer o que determinada pessoa, ou grupo, me impõe, não estarei a hipotecar a minha liberdade? Se calhar, não. Se me decido a isso é porque já tenho essa predisposição. É um acto inquestionável da minha liberdade de que não posso renunciar. A liberdade é irrenunciável. Digamos que há vários patamares de liberdade. Três exemplos: a) Se a vida profissional de um homem depende de outro homem, a liberdade daquele está limitada aos humores deste. Mas ele pode dizer não a todo o momento e, quando o faz, pratica um acto de liberdade, mas isso pode custar-lhe o emprego. b) O homem pode não ter recursos para a sua subsistência e isso pode fazer com que abdique de parte da sua liberdade, colocando-se à disposição de terceiros. Mas pode dizer não, nem que isso agrave mais a sua situação. c) Pode viver numa situação política que não lhe permita a liberdade de decisão, de expressão, de movimentos. Mas pode dizer não, sofrendo as consequências de tal decisão.
Nestes casos paradigmáticos e exemplares, o homem é sempre livre. A todo o momento, ele pode renunciar ao conforto de um bom emprego, pode não aceitar as condições e os termos do trabalho que os outros lhe impõem, e, consciente da sua atitude, pode tudo questionar e começar tudo, de novo. Como dizia Sinatra, à sua maneira. Mesmo que, em casos limite, isso lhe custe a sua própria forma de vida e de estar. O homem pode sempre exercer e invocar a sua liberdade. Uma coisa é ter liberdade de acção e de movimentos, outra é ser verdadeiramente livre. Porque penso exactamente assim, exerço uma atitude de liberdade. Porque a liberdade é uma atitude, um acto de consciência.
Posso, num certo momento, estar privado da minha liberdade, o que não significa que não seja um homem livre. Ainda que fique condenado, calado, que ignore ou que não responda, não quer dizer que esteja prisioneiro. Isso tem a ver, sobretudo, com a força bruta que limita a minha liberdade. Quem me condena, limita a minha acção ou me humilha pode ser bem menos livre do que eu. Posso estar preso, e, consciente dos meus actos, sentir-me mais livre que o Juiz que me condenou. Um homem livre não é o que, em determinado momento, detém o poder e que, pela força e autoritarismo, oprime e limita os movimentos, as decisões, o livre arbítrio do outro; nem sequer é aquele que, sob a capa do poder e do saber, de modo ignorante e autoritário, subjuga o outro, limitando-o na sua acção, preterindo-o, negligenciando-o, humilhando-o.
Façam os ditadores o que fizerem, nunca conseguirão apoderar-se do OUTRO. A liberdade é constitutiva do ser humano, o que faz com que o homem seja um ser responsável. Porque sou livre, sou responsável. A liberdade é um postulado da responsabilidade. Porquanto, ao saber-se responsável, o homem sente que está sujeito ao cumprimento de deveres. Para assumir os deveres inerentes à sua condição e à sua prática, o homem só pode ser livre. Se não fosse livre, como se responsabilizaria pelos seus actos? Quando, autoritariamente, é imposto a alguém que pratique determinado acto, a responsabilidade deste acto não cabe ao executante, mas sim àquele que o ordenou. É simples. Só não vê, ou compreende, quem não quer ou é ignorante. Liberdade e responsabilidade caminham a par, são absolutamente inseparáveis. O que acontece é que ao longo da história, a liberdade tem conhecido muitos adversários. Os seus verdadeiros opositores têm o mesmo problema: um déficit de liberdade. Não sabem ser livres, recusam-se a ser livres, e temem que os outros o sejam, pela impossibilidade de comunicar e de compreender a liberdade dos outros. Aquele que oprime, mais tarde ou mais cedo, acaba por ser igualmente oprimido, até porque a sua graduação de oposição difere da dos seus comparsas. Ou porque oprime de mais ou de menos. In extremis, os outros porão em causa a forma como se opõe.Cada homem só é livre e responsável se o outro também o for, na mesma medida. E a medida é coisa óptima (António Pinela, Reflexões, Novembro de 2003).