quarta-feira, 28 de abril de 2010

Salgueiro Maia: De homenagens (tardias) está o Inferno cheio!



A 28 de Abril de 1889 nascia António de Oliveira Salazar, a omnipotente figura do Estado Novo. Ingressou como Ministro das Finanças nos governos da ditadura militar a partir de 1928, e implantou um regime autoritário de fachada eleitoral, com um partido único, uma polícia política, censura prévia e a repressão das oposições políticas. Nascia o Estado Novo, uma ditadura do chefe de governo com uma Constituição corporativa (1933). Alicerçado num estado forte, e com uma austera política deflacionista e de contenção orçamental, Salazar governaria o país sob o lema “orgulhosamente sós”, marcando profundamente o século XX português. Depois de Salazar abandonar o poder em 1968, devido à queda de uma cadeira e consequente hemorragia cerebral, os destinos do regime ditatorial foram entregues a Marcello Caetano, que viria a ser derrubado no dia 25 de Abril de 1974.
SAGUEIRO MAIA - No dia 1 de Julho de 1944 nasce, em Castelo de Vide, Fernando José Salgueiro Maia, o principal protagonista da Revolução dos Cravos. A coluna militar que partira de Santarém sob a liderança de Salgueiro Maia chega ao Terreiro do Paço. Os carros de combate cercam os ministérios, a divisão da PSP aquartelada no Governo Civil, a Câmara Municipal, a Rádio Marconi e o Banco de Portugal. O posto de comando é estabelecido no centro da praça com uma chaimite e uma autometralhadora EBR. À frente das operações continua Salgueiro Maia, que comunica a Otelo Saraiva de Carvalho o sucesso na ocupação de Toledo (Terreiro do Paço) e no controlo de Bruxelas (Banco de Portugal) e Viena (Rádio Marconi).
Pouco depois das 06h00 – As forças do regime enviam para o Terreiro do Paço um pelotão de AML/Chaimites do Regime de Cavalaria 7. No entanto, o alferes miliciano que comanda o pelotão, depois de falar com Salgueiro Maia, acaba por aderir ao movimento revolucionário. Entretanto, outros dois pelotões, desta vez de Lanceiros 2, aderem também às forças da revolução. Entretanto, o ministro do Exército e outros elementos do Governo reúnem de emergência no Ministério do Exército para encontrar uma solução que faça face à rebelião militar.
A fragata “Almirante Gago Coutinho”, que na altura paticipava num exercício militar da NATO, recebe ordens para abandonar as manobras no Atlântico e entrar no Tejo, com o objectivo de abrir fogo contra as forças revolucionárias estacionadas no Terreiro do Paço.
Cerca das 09h00 – A fragata surge no estuário do Tejo, em frente ao Terreiro do Paço. No morro do Cristo-Rei, uma bateria da Escola Prática de Artilharia segue todos os seus movimentos.
Sob a ameaça de tal poder de fogo, Otelo ordena a Salgueiro Maia que proteja os militares e os tanques debaixo das arcadas da Praça do Comércio.
Cerca das 12h00 – O comandante Vítor Crespo consegue que seja anulada a ordem de abrir fogo e que a fragata vá fundear em frente ao Alfeite.
Depois de vencida a ameaça da “Gago Coutinho”, Salgueiro Maia vê-se a braços com um novo ataque das forças do regime. Cinco carros de combate M/47 de Cavalaria 7, atiradores do Regimento de Infantaria 1 da Amadora e alguns soldados da PM de Lanceiros 2 são as novas armas enviadas pelo Governo. A coluna é comandada por um brigadeiro que recusa o diálogo com Salgueiro Maia e manda abrir fogo. Ninguém lhe obedece e a coluna acaba por se juntar a Salgueiro Maia. Depois de ser informado, pelo posto de comando, de que Marcello Caetano está refugiado no quartel do Carmo, Salgueiro Maia deixa as suas forças a guardar os ministérios e dirige-se para o Carmo. No Rossio, depara-se com mais uma coluna militar enviada pelo regime para fazer frente aos revoltosos. Também esta coluna acaba por se juntar a Maia, já que o próprio comandante da mesma está com a Revolução, apesar de ter recebido ordens para prender o capitão Salgueiro Maia.
Cerca das 12h30 – Toda a baixa está repleta de populares que encorajam os soldados e lhes colocam cravos vermelhos nos canos das G-3. Salgueiro Maia já está no Carmo e recebe ordens do posto de comando para abrir fogo sobre o quartel do Carmo, já que a guarnição que guarda Marcello recusa a render-se e a entregar o chefe de Governo. Mas o capitão sabe que o disparo das autometralhadoras num largo repleto de populares iria provocar muitas mortes. Assim, opta por disparar armas automáticas para a parte superior do quartel. Maia entra no edifício duas vezes. Da primeira vez, consegue entrar mas não consegue a rendição. Da segunda vez, exige falar com o Presidente do Conselho. Salgueiro Maia pede a Marcello Caetano a sua rendição formal e imediata.
Abril é sempre tempo de homenagear Salgueiro Maia e de lembrar as injustiças a que foi devotado pelos políticos que hoje ocupam altas cadeiras, ditas "democratas". É tempo de recordar a valentia e coragem de um homem,tardiamente reconhecida pelos que se dizem "democratas". Mas que ignoraram aquele homem simples, de convicções e rectidão moral, que conduziu a coluna militar daqui, Santarém, até Lisboa para derrubar o regime. "Há os estados socialistas, os estados capitalistas e…. há o estado a que chegámos! Eu proponho-me a acabar com o estado a que chegámos! Quem quiser vir, vai formar lá fora, na parada. Os que não quiserem, ficam aqui. Há dúvidas?…” E foi com estas palavras que se dirigiu aos soldados na noite de 24 para 25. Todos rumaram a Lisboa. Os que ficaram, foi para fazer guarda ao quartel, porque segundo os relatos directos de quem viveu esse dia, estavam todos prontos a seguir o Capitão Salgueiro Maia. E importa dizer sempre que não houve sangue derramado. Os 5 mortos da Rua António Maria Cardoso, foram assassínios da PIDE. Por ironia do destino, um desses PIDES que matou cidadãos na rua, recebeu de Cavaco Silva enquanto primeiro ministro uma pensão “por serviços excepcionais ou relevantes prestados ao país”, pensão essa que tinha sido anteriormente negada a Salgueiro Maia pelo mesmo primeiro ministro.
Para António Sousa Duarte - autor de uma biografia sobre aquele capitão de Abril, intitulada "Salgueiro Maia - Um homem da Liberdade" -, a homenagem, feita em Junho do ano passado, por Cavaco Silva ao capitão de Abril foi "justa", mas "tímida, envergonhada, discreta e muito fugaz", sendo ainda "um erro em cima de outro erro", ou seja, "um duplo erro". ASD considera que, embora não se pedisse hoje ao Presidente da República que fizesse um "pedido de desculpa" em relação ao que fez há 20 anos - quando, enquanto primeiro-ministro, recusou a atribuição de uma pensão àquele capitão de Abril - ter-lhe-ia "bastado, com humildade, dizer que, em circunstâncias análogas, não faria o que fez há 20 anos", foi, pois, a "assumpção" e o "reconhecimento" de "um erro" e "de homenagens póstumas está Salgueiro Maia farto". ASD disse também que a homenagem do actual PR foi "tenuamente anestesiada", o que "prova" que "continua tudo como dantes". Em 1988, então primeiro-ministro, Cavaco Silva recusou atribuir a Salgueiro Maia uma pensão que tinha sido pedida pelo capitão de Abril pelos "serviços excepcionais e relevantes prestados ao país" devido à sua participação no 25 de Abril, para a qual nunca obteve resposta, segundo declarações da viúva de Salgueiro Maia. A recusa ou a falta de resposta ao pedido de Salgueiro Maia só vieram a público 3 anos depois do pedido ter sido feito, quando Cavaco Silva concordou com a atribuição de pensões a dois ex-inspectores da PIDE, um dos quais estivera envolvido nos disparos sobre a multidão concentrada à porta da sede daquela polícia política.
Só em 1995, já com António Guterres como primeiro-ministro, Salgueiro Maia viria a receber uma "pensão de sangue".
Indigna-se o PSD quando o afastam das causas de Abril. Talvez se perçeba porquê. Afinal, o homem que defendem, de novo, para assumir o cargo de Presidente da República, também ficou a fazer parte da história de Abril. Mas não por boas razões. Há é quem tenha memória curta.