Isabel de Aragão é um mito da História e a história de um Mito. Deixou o rosto fixado na estátua jacente do seu túmulo, com o hábito de clarista e com o bordão e a sarcela de peregrina com que quis ser enterrada, cabeça coroada, contemplam-na dois anjos, três pequenos cães guardam-na aos pés, rodeiam-na oito escudos de Aragão e de Portugal. Mesmo na morte não deixou de ser rainha de Portugal e princesa de Aragão. No rosto, grave e sério, os olhos denotam o ligeiro estrabismo referido pelos cronistas (um pormenor que garante a fidelidade do retrato). O túmulo, presume-se da autoria do aragonês mestre Pero, foi mandado construir por D. Isabel e colocado no meio da igreja de Santa Clara-a-Velha que (afirma o cronista Acenheiro) a rainha mandara fazer para sua sepultura. A subida das águas do Mondego e o assoreamento das suas margens obrigou à mudança da arca tumular para o novo mosteiro, hoje conhecido por Santa Clara-a-Nova, entregue às freiras claristas no séc. XVII. A arca, agora vazia, conserva-se no coro baixo da igreja. O corpo incorrupto está guardado no túmulo seiscentista, de cristal e prata, colocado no altar-mor.
Entre as fontes escritas coevas, destacam-se documentos mandados escrever pela rainha (os dois testamentos, a declaração feita ao tomar o hábito de Santa Clara, o protesto contra a legitimação dos sobrinhos e numerosas cartas pessoais, na maioria enviadas a seu irmão, o rei D. Jaime de Aragão, descobertas e publicadas só em meados do séc. XX). Uma jóia para se conhecer a vida de Isabel de Aragão é uma biografia anónima, escrita após a sua morte, por alguém próximo (Fr. Salvado Martins, bispo de Lamego, que foi seu confessor, ou uma das donas de Sta Clara que a acompanharam na viuvez passada no paço mandado construir junto ao Mosteiro), é a Lenda ou Relação. Perdido o original, resta a dádiva do Museu Machado de Castro, depositário de várias peças do tesouro da rainha, que conserva a cópia quinhentista, manuscrita e iluminada (Livro que fala da boa vida que fez a Rainha de Portugal, Dona Isabel, e seus bons feitos e milagres em sua vida, e depois da morte). Esta primeira biografia, de natureza hagiográfica (que Frei Francisco Brandão publicará no séc. XVII, na 6ª parte da Monarquia Lusitana), serviu de base ao discurso biográfico e cronístico posterior (incluindo a Crónica de 1419 e as Crónicas de D. Dinis e de D. Afonso IV, de Rui de Pina). Narra a infância da princesa em Aragão, as negociações para o casamento, a vinda para Portugal, os tempos de casada e de viuvez e finalmente a sua morte, em Estremoz, a transladação para Coimbra e as exéquias em Sta Clara-a-Velha. A partir dela reconstituem-se os seus passos.
No Inverno de 1269/1270 nasce na corte de Aragão, feita princesa, neta de Jaime I, o Conquistador, senhor de Aragão e da Catalunha, de Maiorca, de Montpellier e do condado do Russilhão. A princesa era filha do infante D. Pedro (subiria ao trono como Pedro III, o Grande, e de D. Constança, filha de Manfredo da Sicília e neta do Imperador Frederico II da Alemanha). Pelos pais, descendia de várias casas reais da Europa. E porque D. Pedro tinha uma tia, que Roma reconhecera santa - Santa Isabel da Hungria - recebeu a princesa o nome de Isabel: Isabel de Aragão. A primeira infância passou-a com o avô, o rei D. Jaime, que a elegera entre todos os netos. Era para ele "a melhor dona que sairia da casa de Aragão". Desde pequena a princesa parecia fadada para um grande destino: nascera totalmente envolta por uma película que a mãe guardara numa caixa de prata que conservava nas suas arcas. Quando Isabel tinha cerca de 11 anos, reinava seu pai, quando foi por ele acordado o casamento com o jovem rei de Portugal. As negociações foram longas. D. Dinis foi escolhido entre vários pretendentes. Custava a D. Pedro separar-se daquela filha. Assim pelo menos ela "sairia de sua casa como rainha". O casamento realizou-se por procuração em Barcelona a 11.Fev.1282. A noiva levava para Portugal um dote com "muitos ricos dons e grande baixela de prata". O noivo doava-lhe várias vilas e castelos em arras. No dia da partida, D. Pedro acompanhou a filha até à fronteira da Catalunha. E ao deixá-la abraçava-a chorando, por ver partir "a cousa do mundo a que melhor queria e mais amava". As terras de Castela foram atravessadas sob a protecção do Infante D. Jaime, primo de D. Isabel. Acompanhada das arcas com o seu enxoval, dos seus confessores, das suas camareiras e dos seus criados, Isabel de Aragão entrou em Portugal por Bragança, onde foi recebida pelo infante D. Afonso, irmão de D. Dinis. Os noivos só se encontraram em Trancoso, onde se realizaram os esponsais na igreja de S. Bartolomeu. Do que disseram e pensaram nesse primeiro encontro nada sabemos. Sabemos apenas que D. Dinis ofereceu à mulher a vila onde a vira pela primeira vez. No final do Verão, o casal fixou-se em Coimbra, no palácio da Alcáçova. Só muito mais tarde, depois da morte de D. Dinis, a rainha foi morar no paço que fizera construir junto ao seu mosteiro de Santa Clara. Do casamento nasceram dois filhos, D. Afonso, futuro rei de Portugal, e D. Constança, que casaria com o rei de Castela, para onde partira ainda criança. Durante a sua vida D. Isabel acompanhou o marido em frequentes deslocações ou diversas acções diplomáticas para estabelecer alianças e casamentos ou dirimir conflitos entre os outros reinos peninsulares, como aquele que opôs o rei de Aragão e o rei de Castela e em que o rei de Portugal foi por todos aceite como juiz. Muitas e importantes foram as suas obras sociais e o apoio a conventos e congregações religiosas, mantidos com as rendas que lhe foram concedidas por D. Dinis. A generosidade do rei parece comprovar, não só a virtude cavaleiresca da liberalidade, mas também o respeito e afeição que teria pela mulher, apesar das numerosas infidelidades, que a rainha sofria sem se queixar, e do desentendimento que levou ao desterro de D. Isabel, suspeita de dar apoio ao filho, o infante D. Afonso, que se revoltara contra o pai. Desse desterro enviou D. Isabel a seu irmão, D. Jaime de Aragão, uma carta repassada de amargura. A reconciliação deu-se em breve. A partir de então a rainha intervirá mais de uma vez tentando conciliar o marido e o filho desavindos. Desta sua intervenção pacificadora ficou célebre o episódio da mulinha: sozinha, D. Isabel atravessou os campos de Alvalade (ou de Lumiar ou de Loures) onde já se defrontavam os dois exércitos inimigos. Quando D. Dinis adoece em Santarém a rainha acompanha-o, tratando-o por suas mãos. No próprio dia da morte do marido, em sinal de dor e de luto, veste o hábito de clarissa, que passaria a usar. A seguir às exéquias, realizadas na igreja do antigo mosteiro (Odivelas), a rainha viúva partiu em peregrinação a Santiago de Compostela. Da sua visita ao santuário do apóstolo ficou a memória da magnificência dos presentes que levou. Do arcebispo recebeu um bordão de peregrina, com uma ágata incrustada (de que ainda se conserva parte em Santa Clara-a-Nova). Alguns biógrafos relatam uma segunda peregrinação que a rainha teria feito a pé, mas esta não consta da primeira biografia nem de outros documentos coevos, não tendo fundamento histórico. Retirada no paço que mandara construir junto ao mosteiro de Sta Clara, D. Isabel dedicou o resto dos dias a obras de caridade e de piedade, à conclusão do mosteiro, e à administração dos seus senhorios. Morreu em Estremoz, com cerca de 66 anos, a 4.Jul.1336, de uma doença súbita surgida quando se dirigia para a fronteira em missão de pacificação entre o filho, D. Afonso IV, e o neto, Afonso XI de Castela. Contra todos, D. Afonso cumpriu a vontade da mãe e mandou-a sepultar no mosteiro de Santa Clara. A longa transladação fez-se sob o sol ardente de Julho e diz-se que, para espanto de todos, pelo calor que se fazia sentir, o ataúde exalava um perfume tão suave que "tão nobre odor nunca ninguém tinha visto".
Entre as fontes escritas coevas, destacam-se documentos mandados escrever pela rainha (os dois testamentos, a declaração feita ao tomar o hábito de Santa Clara, o protesto contra a legitimação dos sobrinhos e numerosas cartas pessoais, na maioria enviadas a seu irmão, o rei D. Jaime de Aragão, descobertas e publicadas só em meados do séc. XX). Uma jóia para se conhecer a vida de Isabel de Aragão é uma biografia anónima, escrita após a sua morte, por alguém próximo (Fr. Salvado Martins, bispo de Lamego, que foi seu confessor, ou uma das donas de Sta Clara que a acompanharam na viuvez passada no paço mandado construir junto ao Mosteiro), é a Lenda ou Relação. Perdido o original, resta a dádiva do Museu Machado de Castro, depositário de várias peças do tesouro da rainha, que conserva a cópia quinhentista, manuscrita e iluminada (Livro que fala da boa vida que fez a Rainha de Portugal, Dona Isabel, e seus bons feitos e milagres em sua vida, e depois da morte). Esta primeira biografia, de natureza hagiográfica (que Frei Francisco Brandão publicará no séc. XVII, na 6ª parte da Monarquia Lusitana), serviu de base ao discurso biográfico e cronístico posterior (incluindo a Crónica de 1419 e as Crónicas de D. Dinis e de D. Afonso IV, de Rui de Pina). Narra a infância da princesa em Aragão, as negociações para o casamento, a vinda para Portugal, os tempos de casada e de viuvez e finalmente a sua morte, em Estremoz, a transladação para Coimbra e as exéquias em Sta Clara-a-Velha. A partir dela reconstituem-se os seus passos.
No Inverno de 1269/1270 nasce na corte de Aragão, feita princesa, neta de Jaime I, o Conquistador, senhor de Aragão e da Catalunha, de Maiorca, de Montpellier e do condado do Russilhão. A princesa era filha do infante D. Pedro (subiria ao trono como Pedro III, o Grande, e de D. Constança, filha de Manfredo da Sicília e neta do Imperador Frederico II da Alemanha). Pelos pais, descendia de várias casas reais da Europa. E porque D. Pedro tinha uma tia, que Roma reconhecera santa - Santa Isabel da Hungria - recebeu a princesa o nome de Isabel: Isabel de Aragão. A primeira infância passou-a com o avô, o rei D. Jaime, que a elegera entre todos os netos. Era para ele "a melhor dona que sairia da casa de Aragão". Desde pequena a princesa parecia fadada para um grande destino: nascera totalmente envolta por uma película que a mãe guardara numa caixa de prata que conservava nas suas arcas. Quando Isabel tinha cerca de 11 anos, reinava seu pai, quando foi por ele acordado o casamento com o jovem rei de Portugal. As negociações foram longas. D. Dinis foi escolhido entre vários pretendentes. Custava a D. Pedro separar-se daquela filha. Assim pelo menos ela "sairia de sua casa como rainha". O casamento realizou-se por procuração em Barcelona a 11.Fev.1282. A noiva levava para Portugal um dote com "muitos ricos dons e grande baixela de prata". O noivo doava-lhe várias vilas e castelos em arras. No dia da partida, D. Pedro acompanhou a filha até à fronteira da Catalunha. E ao deixá-la abraçava-a chorando, por ver partir "a cousa do mundo a que melhor queria e mais amava". As terras de Castela foram atravessadas sob a protecção do Infante D. Jaime, primo de D. Isabel. Acompanhada das arcas com o seu enxoval, dos seus confessores, das suas camareiras e dos seus criados, Isabel de Aragão entrou em Portugal por Bragança, onde foi recebida pelo infante D. Afonso, irmão de D. Dinis. Os noivos só se encontraram em Trancoso, onde se realizaram os esponsais na igreja de S. Bartolomeu. Do que disseram e pensaram nesse primeiro encontro nada sabemos. Sabemos apenas que D. Dinis ofereceu à mulher a vila onde a vira pela primeira vez. No final do Verão, o casal fixou-se em Coimbra, no palácio da Alcáçova. Só muito mais tarde, depois da morte de D. Dinis, a rainha foi morar no paço que fizera construir junto ao seu mosteiro de Santa Clara. Do casamento nasceram dois filhos, D. Afonso, futuro rei de Portugal, e D. Constança, que casaria com o rei de Castela, para onde partira ainda criança. Durante a sua vida D. Isabel acompanhou o marido em frequentes deslocações ou diversas acções diplomáticas para estabelecer alianças e casamentos ou dirimir conflitos entre os outros reinos peninsulares, como aquele que opôs o rei de Aragão e o rei de Castela e em que o rei de Portugal foi por todos aceite como juiz. Muitas e importantes foram as suas obras sociais e o apoio a conventos e congregações religiosas, mantidos com as rendas que lhe foram concedidas por D. Dinis. A generosidade do rei parece comprovar, não só a virtude cavaleiresca da liberalidade, mas também o respeito e afeição que teria pela mulher, apesar das numerosas infidelidades, que a rainha sofria sem se queixar, e do desentendimento que levou ao desterro de D. Isabel, suspeita de dar apoio ao filho, o infante D. Afonso, que se revoltara contra o pai. Desse desterro enviou D. Isabel a seu irmão, D. Jaime de Aragão, uma carta repassada de amargura. A reconciliação deu-se em breve. A partir de então a rainha intervirá mais de uma vez tentando conciliar o marido e o filho desavindos. Desta sua intervenção pacificadora ficou célebre o episódio da mulinha: sozinha, D. Isabel atravessou os campos de Alvalade (ou de Lumiar ou de Loures) onde já se defrontavam os dois exércitos inimigos. Quando D. Dinis adoece em Santarém a rainha acompanha-o, tratando-o por suas mãos. No próprio dia da morte do marido, em sinal de dor e de luto, veste o hábito de clarissa, que passaria a usar. A seguir às exéquias, realizadas na igreja do antigo mosteiro (Odivelas), a rainha viúva partiu em peregrinação a Santiago de Compostela. Da sua visita ao santuário do apóstolo ficou a memória da magnificência dos presentes que levou. Do arcebispo recebeu um bordão de peregrina, com uma ágata incrustada (de que ainda se conserva parte em Santa Clara-a-Nova). Alguns biógrafos relatam uma segunda peregrinação que a rainha teria feito a pé, mas esta não consta da primeira biografia nem de outros documentos coevos, não tendo fundamento histórico. Retirada no paço que mandara construir junto ao mosteiro de Sta Clara, D. Isabel dedicou o resto dos dias a obras de caridade e de piedade, à conclusão do mosteiro, e à administração dos seus senhorios. Morreu em Estremoz, com cerca de 66 anos, a 4.Jul.1336, de uma doença súbita surgida quando se dirigia para a fronteira em missão de pacificação entre o filho, D. Afonso IV, e o neto, Afonso XI de Castela. Contra todos, D. Afonso cumpriu a vontade da mãe e mandou-a sepultar no mosteiro de Santa Clara. A longa transladação fez-se sob o sol ardente de Julho e diz-se que, para espanto de todos, pelo calor que se fazia sentir, o ataúde exalava um perfume tão suave que "tão nobre odor nunca ninguém tinha visto".
Gosto sobretudo daquela passagem tornada lenda. Conta a lenda que empalideceu a Rainha, conhecendo como conhecia os acessos do marido, receosa do que diria se descobrisse o dinheiro que trazia para os pobres. A que D. Dinis perguntou: - Onde ides, senhora, tão pela manhã? - Armar os altares do Convento de Santa Cruz, meu senhor! - E que levais no regaço, minha rainha? Houve um instante de hesitação, antes que a Rainha respondesse: - São rosas, real senhor! - Rosas, senhora rainha? - gritou encolerizado D. Dinis. - Rosas, em Janeiro?! - E declarou, incrédulo: Quereis, sem dúvida, enganar-me! Digna e muito muito lentamente, largando a ponta do manto, respondeu Isabel: - Senhor, não mente uma Rainha de Portugal!