segunda-feira, 26 de abril de 2010

Magistratura no Feminino: Exemplo de Coragem Justiceira




(DN-PROVA DA EFICÁCIA DA INVESTIGAÇÃO NO FEMININO), Fev. 1, 2010, Fernando Madaíl
PROVA DA EFICÁCIA DA INVESTIGAÇÃO NO FEMININO
Polícia, soldado, juiz eram carreiras tão masculinas, durante quase todo o século XX português, como os ofícios de metalúrgico, sapateiro ou camionista. Num país de raras advogadas, a magistratura esteve interdita às mulheres até ao 25 de Abril, quando o DL n.° 251/74 facultou “o acesso aos cargos judiciários ou do Ministério Público aos cidadãos, sem discriminação do sexo”. Sinal dos tempos e das mentalidades, três dos rostos mais conhecidos da PGR, o topo da pirâmide que dirige o MP, são mulheres: Cândida Almeida (este mês reconduzida como coordenadora do DCIAP, o órgão que coordena e dirige a investigação e prevenção da criminalidade violenta, altamente organizada ou de especial complexidade), Francisca Van Dunen e Maria José Morgado (que foi directora adjunta da PJ).
A evolução legislativa fez com que os magistrados do MP, como sintetizava, em 2002, Cândida Almeida, que foi a 1ª juíza do País, se tenham tornado “técnicos especializados para o combate à criminalidade”. E também se tenha atenuado a ideia da impunidade dos poderosos, até porque, referia Cândida Almeida em 2001, “o interrogatório de um membro do Governo, p.ex., feito por um polícia ou por um magistrado é manifestamente diferente, devido ao estatuto de quem interroga”. Houve um papel feminino nesta mudança de paradigma? Talvez sim, talvez não. Afinal, estamos num século em que é vulgar a mulher ser magistrada, oficial ou comissária.
Cândida Almeida SENTOU OTELO E D. BRANCA NO BANCO DOS RÉUS - "Qualquer dia temos de estar com cinco códigos para saber qual é que se aplica e a verdade é que a lei tem de ter tempo para se sedimentar”, replicava CA quando, a propósito da prisão de Carlos Cruz, era questionada sobre a eventualidade de se proceder a uma alteração legislativa relativamente à prisão preventiva. Após dirigir o megaprocesso da rede terrorista das FP-25 de Abril, o mais complexo processo político-criminal da III República (onde se sentou, no banco dos réus, Otelo), e o dossier Dona Branca, assumiu, em 2001, o cargo de coordenadora do DCIAP, para onde foi agora reconduzida por mais 3 anos. A PGA que, nos últimos tempos, tem dado a cara na condução do caso Freeport, quando se estreou à frente do DCIAP o tipo de criminalidade estava a mudar. Não se tinha apenas passado do tempo em que a magistrada do MP acusava o delinquente individual, fosse ladrão ou burlão, para passar a incriminar o bando, a associação criminosa. Estavam também a surgir novas formas de criminalidade, desde as máfias do Leste - que cobravam “imposto” aos imigrantes ilegais e castigavam os “devedores” com sequestros, tiros no joelho, choques eléctricos e homicídios - ao contrabando - que já não era o delito antigo e individual, que “nunca suscitou grande censura popular” em Portugal, mas o praticado por associações criminosas “altamente perigosas”, que “têm que corromper e, como ganham muito dinheiro, diversificam e endurecem a sua acção”. “Para manterem a logística e o máximo lucro”, prosseguia na entrevista ao Público, “têm de saltar para a alta criminalidade: falsificam documentos, coagem, sequestram, matam se for preciso.
Movimentam milhões e milhões de contos e atingem de forma decisiva a economia e as finanças das democracias e da UE.” Mas, acima de tudo, CA sublinhava a corrupção, “um dos crimes que mais afecta os pilares da democracia”. E explicava que “a chamada corruptela [o cidadão que paga ao funcionário para obter a licença ou o serviço público] é tão importante como a outra, porque um cidadão que está habituado a comprar ou a ser comprado não é capaz de ter discernimento para criticar o político”. Defensora do segredo de justiça, além do Freeport tem estado em evidência na Operação Furacão. Mas em todos os casos, seja no julgamento dos vulgares criminosos ou dos notáveis, como sublinhava ao Independente, “os magistrados não são deuses e erram”.
Maria José Morgado - DENUNCIOU MUNDO SUJO DO DINHEIRO NO FUTEBOL - “O futebol é um mundo de dinheiros sujos com promiscuidades políticas [com as autarquias] que não se sabe onde começam e onde acabam e que são altamente nocivas para as instituições democráticas.” Após 18 meses como directora-adjunta da PJ (Dez.2000-Ag.2002), onde era responsável pela Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira, MJM denunciava, um mundo que, até à altura, nunca saltara dos murmúrios das tertúlias para o discurso do MP. Naquela altura, quando trocara já o “respirar do cheiro a pólvora’ da PJ pelo regresso ao gabinete de PGA onde “o papel ainda cheira a papel”, acusada de ter “excesso de visibilidade”, ainda não existia o processo Apito Dourado, que viria a dirigir - mas, entre os seus casos mais célebres, tinha estado na origem da prisão de Vale e Azevedo. “Não sou sócia de nenhum clube e nem sequer gosto de futebol. O meu desporto favorito é nadar e o meu clube é onde há indícios de crime”, tinha afirmado, 2 anos antes, quando acusara o ex-presidente benfiquista de “aproveitamento em benefício próprio de uma verba devida ao clube”, na transferência de Ovchinnikiv. Esse universo “sofisticado” da corrupção e branqueamento, fuga ao fisco e desvios de fundos, “crimes de gabinete”, “economia de máfias”, “terrorismo económico” seria registado em "O Inimigo sem Rosto - Fraude e Corrupção em Portugal". A magistrada do MP desde 1979, a PGA no Tribunal da Relação de Lisboa desde Setembro de 2000 - e a quem Cunha Rodrigues encarregara de conduzir a acusação no julgamento do ex-governador de Macau, Carlos Melancia (caso Fax de Macau) - explicava, que “o tráfico de droga é uma brincadeira ao pé do contrabando organizado do álcool e do tabaco, das fraudes internacionais de combustíveis, contra os impostos especiais de consumo”. A antiga dirigente do MRPP- presa em Caxias pela PIDE antes do 25 de Abril, onde resistiu 10 dias à tortura do sono e depois pelo COPCON, estando 11 dias em greve de fome, afastando-se do partido em 1975, quando alinhou na chamada “linha negra” contra a “linha vermelha”, o que originou a moção de Durão Barroso “fogo sobre a renegada Morgado” -, antes de se tornar, em 2007, directora do DIAP de Lisboa, já tinha enfrentado directores de Finanças e um inspector da PJ envolvidos no Gang do Fisco, fornecedores dos navios-hotel da Expo’98, a rede de importação de jipes que não pagava IVA, todo o tipo defraudes em qualquer mundo.
Francisca Van Dunen FALOU SOBRE DESVIOS NO PROCESSO CASA PIA - A “revolução tranquila”, no sentido da justiça ter de ser aplicada com humanidade, mudança de mentalidades que Pinto Monteiro pretende instalar no Ministério Público, foi a tónica do improviso do PGR na tomada de posse de Francisca Van Dunen, em Fev.2007. A até então directora do DIAP de Lisboa - onde tinha instaurado um processo disciplinar a um procurador que não lhe estava a reportar os desenvolvimentos da investigação do processo Casa Pia - tinha sido eleita pelo CSMP, procuradora distrital de Lisboa, sucedendo no cargo a João Dias Borges, que se jubilara. A nova responsável por aquela estrutura que compreende 42 comarcas, 14 círculos judiciais (incluindo os da Madeira e dos Açores) e que tem 21 procuradores-gerais adjuntos, sublinhava, no discurso de posse, que a nova lei de política criminal exigia meios informáticos para se monitorizar o cumprimento das exigências de investigação impostas pela AR, pois não era possível atender à nova realidade através do habitual sistema “manual” para se saber como estavam a decorrer os processos. Afinal, passara a haver uma lista de crimes que deviam ser investigados prioritariamente, uma lista onde surgem o homicídio, crimes sexuais contra crianças, violência doméstica ou falsificação de moeda. Na carreira de Francisca Van Dunen, que tratou de casos tão mediáticos como os que envolveram Zezé Beleza e Costa Freire, regista-se que foi assessora do PGR Cunha Rodrigues, esteve na Alta Autoridade Contra a Corrupção e na PGR (com Souto Moura), antes de dirigir o DIAP de Lisboa, na época em que surgiu o dossier Casa Pia. Já na PGD de Lisboa, após ter afirmado, na posse, que “nenhum lugar da hierarquia é uma fonte de privilégio”, redigiu uma circular a determinar que os magistrados do seu círculo só podiam marcar férias em Agosto, o que gerou tanta polémica como quando afirmou, na reportagem da SIC “As Procuradoras” (transmitida em Fevereiro de 2009) que terá havido “desvios questionáveis” na condução do processo Casa Pia.