segunda-feira, 19 de abril de 2010

Combate à pobreza e à exclusão social



As Jornadas Nacionais da Caritas Portuguesa sobre o “Combate à Pobreza e à Exclusão Social pelos Caminhos da Inovação Social”, a 24-25 Fev. 2010, em Setúbal, tiveram como base alguns dados estatísticos relevantes: entre 1991 e o ano de 2000, 46% dos cidadãos portugueses e 47% dos agregados passaram pela situação de pobreza, pelo menos em 1 desses 6 anos. Ou seja, cerca de metade da população portuguesa vive em situação favorável à pobreza. De acordo com um estudo recente divulgado pela OCDE, Portugal é um dos países onde é maior a desigualdade na distribuição do rendimento. Algumas perguntas tiveram respostas.
Será que em Portugal existe (ou não) uma estreita relação entre pobreza e desigualdade? A “pobreza representa uma forma de exclusão social, ou seja, que não existe pobreza sem exclusão social. O contrário, porém, não é válido. Com efeito, existem formas de exclusão social que não implicam pobreza”. Oexemplo mais clássico sobre esta distinção revela-se no caso do isolamento social a que os idosos são confrontados na maior parte das sociedades ocidentais capitalistas. Este isolamento não resulta necessariamente da pobreza, mas da estrutura organizativa deste tipo de sociedades, que desvalorizam o estatuto e o papel social da pessoa idosa. É importante compreender como se identifica a situação de pobreza. Os critérios estatísticos usados nos indicadores pelas organizações internacionais, nomeadamente o Eurostat, fixam uma linha diferenciadora: 60% do rendimento mediano (nacional) por adulto equivalente. Quem está abaixo desta linha é considerado pobre. Mas, dentro desta população, que se encontra em risco de pobreza, deparam-se situações muito díspares no que respeita à severidade da pobreza, ou seja, não é de todo (muito longe disso) um grupo populacional homogéneo.
A composição espacial surge como um elemento fortemente diferenciador, pelo facto de se observar “ […] que a incidência da pobreza diminui à medida que a densidade populacional aumenta”. No meio rural a incidência de pobreza é consideravelmente maior relativamente às áreas mais urbanizadas, factor que se deve em parte ao elevado grau de envelhecimento populacional de algumas zonas de baixa densidade.
Por outro lado, existe uma correspondência entre pobreza e o tipo de agregado familiar, e também aqui os dados apontam para uma polarização: “de um modo geral, identifica-se maior vulnerabilidade dos agregados isolados (uma pessoa) e dos agregados de maior dimensão”. Sendo que na primeira situação o problema é particularmente grave no caso dos idosos isolados e, na segunda, em famílias que detenham três ou mais filhos. Para além destas, saliente-se a situação das famílias monoparentais.
As condições de habitabilidade são outro vector da equação. São os “sempre pobres” que passam pela situação mais dramática, em relação a infra-estruturas de saneamento, mas noutros itens esta desvantagem não é tão acentuada face aos “não pobres”, designadamente, na posse de aquecimento adequado da casa (que é genericamente insuficiente). “Esta circunstância parece indicar que as privações assinaladas não têm a ver apenas com a pobreza, mas configuram deficiências estruturais da sociedade portuguesa”.
O fenómeno não se resolve apenas com medidas redistributivas. “O problema reside, além do mais, na repartição primária do rendimento, da propriedade e do poder. Quando se realça o papel da repartição primária do rendimento, quer-se dizer que, antes de ser problema de políticas sociais, a pobreza é umproblema de política económica”. Conclui-se, assim, que o grande problema da pobreza resulta dos baixíssimos salários e não tanto da questão da precariedade contratual (nem na situação de desemprego).
A via das políticas sociais é claramente insuficiente. Urge pensar-se em políticas económicas que, em paralelo com as políticas redistributivas, possam quebrar o ciclo persistente da vulnerabilidade e da exclusão social.
Parece, a final, relativamente evidente que em Portugal existe uma forte relação entre desigualdades sociais e pobreza. A ênfase atribuída à questão económica e às correspondentes disparidades na distribuição da riqueza, conduz necessariamente à problemática das desigualdades sociais e para a orgânica do sistema de estratificação social da sociedade portuguesa. Concluindo-se que: “a redistribuição poderá, quando muito, atenuar as desigualdades da repartição primária. Jamais poderá eliminá-las.”
Perante esta realidade, a luta contra a pobreza e pela solidariedade global não pode ser travada sem constatarmos que, independentemente dos avanços civilizacionais no desenvolvimento social e humano, a pobreza, a exclusão e as desigualdades sociais agravaram-se em todo o mundo nos últimos 50 anos. Neste contexto, combater a pobreza e a exclusão social implica analisar este fenómeno complexo e multidimensional tendo em consideração as principais causas que levaram à actual crise económica, financeira e social. Nessa perspectiva, é preciso reconhecer que a utilização de padrões económicos baseados no ganho fácil e sem uma orientação clara e ética da economia para as pessoas, conduziu-nos a esta grande disparidade entre ricos e pobres e a um cenário em que as gerações vindouras estão confrontadas pela primeira vez, com condições de subsistência não experimentadas por gerações anteriores.
Em vez do princípio da transparência e da verdade, os agentes económicos e políticos preferiram optar por um comportamento aparente e ilusório de uma pretensa saúde económica e social, mas que escondia, na verdade, uma realidade de doença crónica. Esta cedência à aparência e à ilusão, acabou não por servir o combate à pobreza, à exclusão e às desigualdades sociais, mas por servir os prémios de gestão e por fomentar a redistribuição injusta do rendimento disponível. A redistribuição injusta do rendimento tem como consequência inevitável o agravamento das desigualdades sociais e da coesão económica e social.
Conforme foi referido neste encontro, o grande e grave problema desta actual crise económica e financeira é ter permitido, em termos globais, que as sociedades se endividassem para consumir, um consumo materializado por via do crédito fácil e impositivo de enormes sacrifícios para as actuais e para as gerações vindouras. Esta globalização (mercantil e não humana) agravou as desigualdades sociais, por ter sido orientada, até agora, numa perspectiva agressiva de mercado, que tende a esquecer a pessoa como destinatária ou centro principal do progresso económico e social.
Como bem dizia Guilherme de Oliveira Martins, não nos podemos distrair um minuto que seja no combate contra a pobreza e à exclusão social, se não quisermos que o fenómeno se agrave a cada dia que passa.