quinta-feira, 29 de abril de 2010

O meu primeiro 1º de Maio (1974)



A semana entre o 25 de Abril e o 1.º de Maio de 1974 foi uma semana alucinante, pois acabáramos de assistir à implantação da Liberdade depois de uma longa ausência, através do Golpe de Estado levado a cabo pelos Capitães de Abril, assim designado. Uma semanda depois do 25 de Abril o Povo confirma a Liberdade
O Dia do Trabalhador foi pela primeira vez assinalado, em múltiplos países em simultâneo, inclusive em Portugal, no 1º de Maio de 1890. Cumprindo prontamente a orientação que havia emanado dos dois Congressos Operários de Paris, realizados no ano anterior, o operariado português também saiu às ruas nesse dia, reclamando a redução da jornada de trabalho. A iniciativa foi conduzida pela Associação dos Trabalhadores da Região Portuguesa. A partir dessa data, o 1º Maio nunca mais deixou de ser comemorado como dia da solidariedade internacional de todos os trabalhadores.
Maio tem sido, ao longo dos anos, sinónimo de liberdade e motor de profundas transformações sociais e políticas: País onde não se comemore o 1º de Maio é país oprimido, com um povo reprimido.
O princípio deste movimento internacionalista está ligado a acontecimentos bem trágicos, ocorridos 4 anos antes, no dia 4.Maio.1886, em Chicago, EUA. Os operários da cidade, encontrando-se em greve geral desde o dia 1 de Maio do mesmo ano pela jornada de 8 horas, realizam um comício sindical na praça Haymaiket, perante uma forte presença policial. O ambiente está carregado de tensão e ansiedade. A provocação está preparada. Uma bomba explode. A confusão instala-se. As forças policiais disparam sobre a multidão, em pânico. São feitas prisões em massa. Oito dos detidos são transformados em bodes expiatórios, através dum processo judicial viciado e manipulado que termina com a condenação à morte por enforcamento de todos eles. Os mártires proletários têm nome: August Spies, Albert Parsons, Adolph Fischer, Samuel Fielden, Georges Engel, Michael Schwarb, Óscar Neeb e Louis Ling. Quando uma instância superior vem, tarde demais e por força dos protestos da sociedade americana, reparar a injustiça de que os operários tinham sido vítimas, 4 deles já haviam sido enforcados: Parsons, Spies, Engel e Fischer. Ling, na véspera da execução, suicidou-se com uma vela de dinamite. As penas de Fielden e Schwarb foram comutadas em prisão perpétua e a de Neeb em 15 anos. Apesar da repressão, 50 mil dos operários em greve conquistaram imediatamente o dia de 8 horas, enquanto que outros 200 mil conseguiram reduções menos significativas.
O exemplo dos operários de Chicago galvanizou os trabalhadores do mundo inteiro. A partir daí, os trabalhadores ganharam o direito de intervir no estabelecimento dos seus horários de trabalho e consciencializaram-se da importância decisiva da sua unidade e da solidariedade internacionalista na luta pela emancipação e dignificação de quem trabalha.
UMA HISTÓRIA TAMBÉM PORTUGUESA, CONCERTEZA!
Em Portugal, o movimento sindical e laboral foi-se reforçando até ao derrube da Monarquia e a instauração da República. Com o novo regime político, algumas câmaras municipais decretaram o 1º de Maio como feriado oficial. A luta pela jornada de oito horas recrudesceu, o que levou a que ela fosse consagrada em 1919 para os trabalhadores da indústria e do comércio. 7 anos depois, com o golpe militar do 28 Maio de 1926, as liberdades fundamentais são suprimidas e fascizados os sindicatos. O 1º de Maio é proibido e as iniciativas que os trabalhadores, um pouco por todo o lado, tentam concretizar são alvo da mais feroz repressão policial. Por essa razão, a jornada do 1º de Maio alia, crescentemente, a luta pelo Pão, pela Paz e pela Liberdade à contestação do regime. Na longa noite fascista, o 1º de Maio de 1962 fica a constituir um raio de luminosa esperança. Nesse dia, em Lisboa, Porto, Setúbal e outras localidades, dezenas de milhares de pessoas saem à rua, protestando contra a falta de liberdades, contra a miséria e contra a guerra colonial que eclodira no ano anterior e que havia de vitimar e mutilar milhares e milhares de jovens trabalhadores. Também nesta altura cerca de 200 mil assalariados rurais do Alentejo e do Ribatejo entram em greve, conseguindo, desta maneira, impor aos latifundiários e ao fascismo a jornada de 8 horas. Punha-se fim, finalmente, ao trabalho de sol a sol.
O edifício da ditadura estremece, mas há-de demorar mais uma dúzia de anos a ruir. Disso se encarrega, em boa hora, o Movimento das Forças Armadas que, interpretando os anseios de liberdade, democracia e justiça social do povo, toma em mãos o derrube do fascismo e devolve as liberdades aos portugueses. O acto corajoso, cometido pelos dos jovens oficiais das Forças Armadas em 25.Abril.1974, é inequivocamente referendado pelos trabalhadores e pelo povo portugues, cinco dias depois, nas grandiosas manifestações do 1º de Maio, convocadas pela Intersindical Nacional (hoje, CGTP-IN). Foi o fim do corporativismo e a consagração, de facto, da liberdade sindical no nosso país.
1º DE MAIO 74: DO GOLPE À REVOLUÇÃO CONFIRMADA
O 1º de Maio de 1974 impulsionou uma dinâmica revolucionária que conduziu a profundas transformações políticas, económicas, sociais e culturais. Desencadeou, pode dizer-se, um processo verdadeiramente revolucionário, responsável por um período de desenvolvimento social e humano ímpar no nosso país.
Lisboa vestiu-se de Luz (como hoje), as ruas decoram-se de mil cores. Cantavam hinos, faziam promessas como se fossem juras de amor. Descobre-se um futuro diferente. Todos são donos das suas vidas. Os carros são poucos para o povo que saiu à rua em eufórica procissão. As ruas apertadas para a alegria que pairava no ar. Sentimentos fraternos evadiam de todos os rostos. Havia uma comunhão plena de esperança jubilada em gestos de vitória. Finalmente fruia-se Liberdade!
O feriado que se celebra hoje no 1 de Maio (aprovado em 27 de Abril) foi instituído como feriado nacional obrigatório no dia 30 de Abril de 74. Nesse dia, 1 de Maio de 1974, cerca de 1 milhão de pessoas celebrou euforicamente, em manifestações por todo o país, o Dia do Trabalhador. Foram as primeiras manifestações livres desde há quase 50 anos. O 1.º de Maio amanhece com um sol radioso, prenunciando uma grande festa. Era a primeira vez que se celebrava o dia do trabalhador em liberdade. O desfile até ao estádio 1.º de Maio, no INATEL em Lisboa tinha início no Martim Moniz, subindo a Av. Almirante Reis em direcção ao dito Estádio. Com as ruas apinhadas de gente, o dia passou-se de baixo e para cima, com a chegada de mais e mais pessoas a desfilar até ao fim. A esperá-las as palavras empolgadas de Mário Soares e Álvaro Cunhal.
Foi um dia inesquecível: as gargantas enrouqueceram; reinventaram-se as palavras de ordem gritadas. Nunca mais houve o 1º de Maio assim. Era o impacto avassalador da Liberdade.
É um dia a memorizar até pela indescritibilidade das emoções. Fica a saudade. Finalmente, já não era preciso ir ao futebol para gritar «LIVRE».