quinta-feira, 15 de abril de 2010

A estupidez dos vencedores - Parte I

A historiadora Barbara Tuchman escreveu, há algum tempo, um livro sobre a estupidez dos governantes. E argumenta que o poder torna as pessoas estúpidas, fenómeno apenas superado pelo muito poder, que as deixa estupidíssimas. Os mais estúpidos seriam os grandes vencedores, porque assim que sentiram o intrépido suor acumulado durante a corrida até à meta, a sua inteligência já não pode estimular-se no pólo oposto. Um fenómeno semelhante ao que assistimos quando um partido, viciado em poder, passa para a oposição. Porta-se como governo: assume a estabilidade das ideias que não teve e que não foram frutíferas em campanha eleitoral, razão porque perdeu eleições, e resiste até à última respiradela nas hostes da oposição a contrapor ou a argumentar. Quer o poder porque quer, portando-se como se fosse o legítimo herdeiro ao trono da República, seguro de que nada tem que fazer senão esperar que o ciclo democrático rode de quatro em quatro anos, até que o carrosel político reverta a seu favor. Para um partido permanecer inteligente, mesmo como vencedor, é necessário reconhecer a verdade do ex-adversário, modificá-la e, por assim dizer, absorvê-la, para não acabar sendo o seu próprio inimigo e destruir-se a si mesmo.
Neste sentido, o capitalismo é provavelmente o grande vencedor mais estúpido que a história já conheceu. O Ocidente não refletiu com autocrítica acerca da sua vitória sobre o socialismo do Leste e do Sul. Em vez disso, tentou implementar, autoritariamente, um modelo de sua hegemonia - a ideologia do mercado total - , que nunca foi real na sua própria história, inventando-o como se fosse o remédio para todos os males e tentando exportá-la a todo custo para as regiões da crise global.
O que é que aconteceu? No início dos anos 80, baixas taxas de crescimento e recessões, um novo desemprego de grandes massas e excessivas dívidas públicas no próprio Oeste levaram à ruptura do paradigma político-económico. A mudança da doutrina keynesiana para a monetarista foi, originalmente, uma tentativa do Oeste de enfrentar a sua própria "crise em nível elevado". Em meados dos anos 80, tornou-se aguda a latente "crise em nível baixo" na União Soviética, na sua periferia e em muitos países do Terceiro Mundo. Também ali se tentou encontrar uma nova orientação, através da fórmula "mais economia de mercado".
No final dos anos 80, viu-se, não apenas o fim definitivo de quase todos os sistemas socialistas, mas, também, em muitas partes do mundo, uma onda de guerras civis, formas de uma "economia saqueadora", e o domínio crescente de autêntico gangues de criminosos. Sob a impressão do colapso da União Soviética, continuou ao mesmo tempo o triunfo do neoliberalismo económico.
Observando o panorama dos últimos 15 anos, constatam-se duas coisas: primeiro, diz-nos respeito a crise global que atravessa os sistemas, e, que, talvez tenha o seu centro secreto no Oeste, e, segundo, com cada novo surto desta crise, foi aumentada a dose do remédio neoliberal. Temos todo o direito de indagar qual foi o efeito deste remédio. Se é verdade que, em última instância, não decidem as ideologias, mas somente os meros fatos, então é chegado o momento de se fazer um primeiro resumo. Onde estão os êxitos do neoliberalismo?
Nem um único dos fenómenos que, no começo dos anos 80, conduziram, nos países ocidentais, à mudança para o monetarismo, foi eliminado. Pelo contrário, pioraram todos os fatores da crise daquela época. Nos EUA, o presidente Reagan tomou posse com a promessa de reduzir a zero o déficit público, mas já no seu primeiro mandato estabeleceu um recorde mundial de endividamento para financiar seu aventuroso armamento militar. O déficit no orçamento anual dos EUA, que em 1980 era de US$ 60 bilhões, subiu na época da política econômica neoliberal para uma média de US$ 200 bilhões (1994: US$ 203,4 bilhões). Também na Europa, a nova doutrina falhou neste ponto: apesar da redução das despesas para fins sociais, o déficit público da Alemanha quadruplicou-se desde 1980.
As reais taxas de crescimento do mundo ocidental não foram mais altas na era neoliberal, mas, sim, mais baixas: os auges da conjuntura foram diminuindo em cada ciclo, lembrando a respiração de um moribundo. Mal o Ocidente venceu o socialismo, ele caiu, no início dos anos 90, na mais profunda recessão desde a Segunda Guerra Mundial. Nestes 15 anos, a pobreza nos EUA aumentou de forma tão dramática, que chegou a atingir até grande parte da classe média branca. Tornou-se extremo o abismo entre as altas e as baixas rendas: muitos empregos eram tão mal pagos, que os "empregados" nem podiam alugar uma casa com o mínimo de condições e acabaram assentando arraiais nos parques e/ou galerias do Metro desativadas. Na Europa, duplicou-se, neste mesmo período, a taxa de desemprego: na primavera de 1995, era de 11% e, nalguns países, era bem mais alta (Espanha: 23%). Desde 1980, surgiram favelas em todos os centros ocidentais, como no Terceiro Mundo.
Também no resto do mundo, os chamados "modelos com êxito" do neoliberalismo, considerados mais de perto, revelaram-se como pura enganação. É verdade que os mercados crescentes da Ásia se baseiam numa estratégia de industrialização para a exportação, mas o seu êxito não pode ser registrado na conta do neoliberalismo, porquanto até hoje se desenvolveram, em oposição à doutrina monetarista, somente com forte apoio do Estado e sob o controle deste. Mas, também fora disto, não é tudo ouro o que brilha na Ásia. (continua)