domingo, 18 de abril de 2010

Judeus no Ribatejo: uma causa (também) de Bernardo Santareno



Bernardo Santareno nasceu em Santarém (19.Nov.1920) e é considerado o maior dramaturgo português do século XX. Não foi por coincidência que a sua narrativa dramática, O Judeu (retrata o calvário do dramaturgo setecentista António José da Silva, queimado pelo Santo Ofício), se assumiu como uma obra de cariz intervencionista, o que retardou até à queda do regime fascista a sua divulgação e representação. O Judeu está perspectivado para o nosso tempo, para a problemática de “hoje, dia-a-dia”. No final da peça, o espírito que levou às atrocidades dos queimadeiros não se extingiu com a extinção da Santa Inquisição: e veio tomando várias formas através dos tempos (sem esquecer as chacinas nazis!). O espírito é o mesmo: mudam as motivações superficiais, mas as profundas mantêm-se: é aquilo que alguns chamam a "bastardia social dos judeus". O CNC editou a obra "Judeus e Árabes na Península Ibérica". No século xv, Portugal tornou-se o mais importante centro da cultura sefardita. Acolheu, temporariamente, os grandes sábios judeus da época, entre os quais Isaac Aboab, o líder espiritual da comunidade judaica da Península Ibérica, Salomão Ibn Verga, autor de Schébet Yehudah (A Vara de Judá, crónica em que narra a vida dos judeus na península), e Abraão Saba, exegeta, pregador e cabalista. Compreendendo um vasto território que se estende entre o Norte e o Sul do rio Tejo, esta região apresenta uma grande quantidade e diversidade de tradições judaicas. O Ribatejo é por vocação um espaço de confluência e de cruzamento de rotas comerciais. Nas suas vilas e cidades, com destaque para Santarém, fixaram-se judeus, dando dimensão urbana a um território marcadamente agrícola. Escassamente povoado e afastado dos centros do poder político e religioso, com uma extensa frente raiana, o Alentejo sempre abrigou uma grande população judaica do País, ali instalada desde o período da ocupação muçulmana. Quase todas as cidades e vilas possuíam as suas judiarias. A maior localizava-se, naturalmente, em Évora, grande centro urbano do Alentejo interior e local de residência temporária da Corte na Idade Média. Mas também Castelo de Vide, Crato, Portalegre, Borba, Vila Viçosa, Arronches, Vidigueira, Estremoz, Monsaraz, Moura, Beja, Serpa e Mértola tinham comunas de judeus, instaladas em bairros próprios e quase sempre ligadas ao comércio entre Portugal e os reinos peninsulares.
O coração da terra que viu Bernardino Santareno nascer foi Santarém. O eterno coração da lezíria, com uma localização privilegiada no Centro do País, um próspero centro agrícola e comercial onde afluíram judeus. A comunidade era numerosa e próspera já no período muçulmano e, em 1147, pela conquista da cidade aos mouros por D. Afonso Henriques (1139-1185), passa a integrar o reino de Portugal. A Judiaria de Santarém constituía uma das sete comarcas definidas por D. Dinis (1279-1325) e reconfirmadas por D. João I (1385-1433). Localizava-se junto da Rua Direita e das portas da cidade, dinamizando o comércio local e a feira. Os judeus de Santarém dedicavam-se às actividades artesanais e intelectuais. Depois da expulsão, em 1497, muitos mantiveram-se como cristãos-novos e cripto-judeus. Um percurso pelo centro histórico evoca-nos hoje os lugares e as vivências da próspera comunidade judaica de Santarém durante a Idade Média.
Ainda hoje, no domingo de Páscoa, o movimento começa bem cedo na localidade de Cem Soldos, na freguesia da Madalena, concelho de Tomar. É dia de cumprir uma antiga tradição com mais de 400 anos. É a chamada “Festa da Aleluia” também conhecida pela “Matança dos Judeus”. Duas são as tradições acerca do nome dado à povoação. A primeira reza que, quando os moiros ainda estavam senhores do sul da Península, os cristãos tinham entre a sua linha de fortificações constituída pelos castelos de Tomar, Ourém e Leiria, pequenos núcleos militares, formados por postos de cem homens aos quais periodicamente se distribuíam cem soldos. Um destes postos foi a origem da actual povoação. A outra tradição relata que o nome da aldeia deriva de uma quinta que pertencia aos Cavaleiros de Cristo, do Convento de Tomar, aos quais pagava cem soldos de renda. Esta tradição pode estar, ainda, ligada a uma das acusações proferidas contra os templários, que adoptaram para sua bandeira uma cruz não compreendida pela simbologia cristã, e que, segundo o povo, renegavam a cruz católica, por não acreditarem que Jesus tivesse morrido na cruz. Convém lembrar que a localidade de Cem Soldos era uma comenda templária.
Muitos dos apelidos ribatejanos constam da Genealogia Judaica Portuguesa e incluem-se na lista de nomes de familias judias e cripto-judias retirada do Dicionário Sefaradi de Sobrenomes.